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Investimentos

Brincando com fogo

Os bombeiros têm muito a ensinar aos economistas.

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Data de publicação
5 de junho de 2017
Categoria
Investimentos

Os bombeiros têm muito a ensinar aos economistas.

Em 1988, o Parque Nacional de Yellowstone, nos EUA, enfrentou um incêndio que consumiu aproximadamente 45% de sua área. Nunca se tinha visto ali fenômeno de tal proporção, nem de perto. A partir daquele momento, a paisagem do local jamais voltaria a ser a mesma.

O Parque convivera por 100 anos com uma política de total supressão ao fogo, até a descoberta de que a prática de tolerância zero com incêndios, mesmo aqueles de baixa intensidade e gerado por causas naturais, posicionava a região para o desastre.

Após perceber que o fogo, sob determinadas circunstâncias, atuava como um importante fator de equilíbrio para a homeostase do sistema, o Federal Wildland Fire Management alterou, em 1995, a forma com que se encaravam pequenos incêndios. Em vez total supressão, permitiam-se ocorrências pontuais, como forma justamente de, por meio de feedbacks positivos e negativos, atingir-se a homeostase do ecossistema a partir de forças naturais. Pode soar contraintuitivo mas a melhor forma de evitar um grande incêndio é permitindo pequenos focos de fogo.

Sistemas complexos encontram em si mesmos o equilíbrio, dinamicamente. Há pequenos avanços e retrocessos, que funcionam como forças indicativas para onde devemos ir. O feedback positivo e negativo vai limpando os organismos mais fracos e pouco competitivos, adubando o solo para um momento posterior mais profícuo. É como um processo de destruição criativa de schumpeter. O novo surge como mais eficiente e adequado, não, porém, sem matar o velho. Tentar coibir as forças naturais em prol da homeostase interna como um mecanismo de proteção aos menos eficientes reduz a volatilidade no momento inicial, mas vai acumulando a poeira embaixo do tapete até a completa explosão.

Os mercados funcionam como florestas. Tentar suprimir a volatilidade, conter informações que possam gerar sustos no curto prazo, evitar uma falência de uma empresa supostamente grande demais para falir são práticas que abrandam pequenos choques momentâneos, trazendo-nos uma falsa sensação de controle a curto prazo. As consequências, porém, virão depois, amplificadas e cobrando seu preço com juros e correção monetária.

Na minha adaptação de Churchill, os mercados são a pior forma de alocação dos recursos, com exceção de todas as outras.

Por que isso agora?

Por várias razões. Alguns corolários do argumento:

i. Não aposte em JBS achando que ela é too big to fail. Se tiver de quebrar, vai quebrar e o governo adoraria exercer seu revanchismo aqui. Pode ser barato e ter upside, mas risco não compensa;

ii. Toda vez em que o mercado estiver calmo demais, o risco de cauda estará alto. Há uma confusão entre risco e volatilidade. A menor variação dos ativos sugere uma tranquilidade que, na verdade, esconde riscos. Nesses momentos, todos estarão dispostos a incorrer num pouco mais de risco e você poderá arbitrar a má interpretação alheia para comprar seguros e/ou apostar num incremento da vol.

iii. O fato de Eduardo Bolsonaro cursar pós-graduação em economia liberal no Instituto Mises é uma excelente notícia. Se o espectro da direita está mais forte para 2018, melhor eliminar qualquer risco de uma política nacional-desenvolvimentista do tipo intervencionista, militarista e estatizante, conforme muitas vezes se imputa à família Bolsonaro. Eu, pessoalmente, não gosto dele, tampouco acho que ele ganhará as eleições, mas que existe um risco, existe. Logo, é melhor evitar qualquer possibilidade de tentarmos, pela terceira vez, reviver o Segundo PND. Estamos, sim, abertos a um aventureiro nas próximas eleições e o fato de esse aventureiro compreender a dinâmica dos mercados é boa notícia.

iv. Não há tanta razão para preocupação com a prisão de Rodrigo Rocha Loures. Governo tenta suprimir a volatilidade e faz ofensiva nos bastidores para conter delação. Mas por que havemos de temer a revelação da verdade aqui? Se Loures for capaz de derrubar o governo, talvez seja ainda melhor, pois acelera a transição e eliminamos o risco de doses homeopáticas de sofrimento. É preferível um fim terrível ao terror sem fim. Um presidente eleito por eleição indireta, dada a predominância no Congresso hoje do espectro de centro-direita, parece ter mais chances, na margem, de caminhar com as reformas do que Michel Temer.

v. Se quisermos evitar a insurgência das ruas, simplesmente coibindo a volatilidade e evitando a pauta impopular das reformas, caminharemos a passos largos para o colapso fiscal – sem reformar a Previdência, será impossível cumprir a PEC do teto de gastos possivelmente já em 2019. A briga na rua é antifrágil e chama atenção para os argumentos essenciais da coisa. O problema é a supressão do debate. Ou fazemos as reformas por bem ou por mal. Não há alternativa. E é isso que permite a aparente tranquilidade esquizofrênica dos mercados neste momento. Se houve uma coisa boa da nova matriz econômica é que ela pode revelar o quão periclitante era nossa situação fiscal. Agora, a agenda de reformas se impõe naturalmente. É o mecanismo de feedback negativo que leva o sistema sozinho para a homeostase interna.