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Empiricus 24/7

O valor da ousadia

O francês Richard Mille entendeu que existia um grupo reduzido disposto a comprar um relógio pelo preço de um apartamento.

Por Caio Mesquita

15 dez 2025, 08:09

Atualizado em 15 dez 2025, 08:09

tempo dinheiro

Imagem: iStock/ Adam Smigielski

Você compraria um relógio pelo preço de um apartamento? Ou melhor: compraria um relógio cujo valor compra dois? A maioria das pessoas nem consideraria a ideia.

O francês Richard Mille entendeu que existia um grupo reduzido disposto a isso. E percebeu que, embora pequeno em número, tinha poder aquisitivo suficiente para justificar uma marca criada só para eles.

A ousadia fica ainda mais interessante quando lembramos que Mille tomou essa decisão depois dos 50 anos. Numa fase em que muitos reduzem o ritmo, ele resolveu começar seu capítulo mais arriscado.

E fez isso em um setor que idolatra tradição. É como tentar reinventar o vinho na terra dos bordaleses.

Antes de lançar sua marca, Mille passou décadas na relojoaria tradicional, trabalhando em empresas pouco conhecidas do grande público como Finhor, Matra e Mauboussin. Durante sua carreira como executivo, notou o quanto o setor se acomodava. Ele entendeu que nunca criaria algo realmente novo se continuasse apenas como empregado.

A alta relojoaria sempre foi dominada por casas centenárias. Elas veneram história e tratam qualquer desvio como heresia.

Mille ousou ao empreender contra os gigantes estabelecidos no setor. E ousou também na estratégia, combinando materiais inéditos como fibra de carbono, titânio aeronáutico e cerâmica avançada com preços estratosféricos.

O primeiro relógio, o RM 001, levou mais de dois anos para ficar pronto. Criado em parceria com a Renaud et Papi, rompeu códigos estéticos e técnicos que eram considerados intocáveis. Seu preço superava o dobro do tourbillon mais caro da época. Não era apenas um produto. Era um manifesto.

E aqui faço um parêntese pessoal. A primeira vez que ouvi falar da marca aconteceu durante nossa conversa com Felipe Massa, entusiasta da Richard Mille de primeira hora, dentro do podcast Mesa para Quatro. Desde então, venho acompanhando as novidades da marca.

Eu, sinceramente, não gosto do visual dos relógios. São exagerados e quase barulhentos, especialmente quando comparados aos concorrentes elegantes. Mas talvez seja justamente isso que os torna tão potentes. Eles não querem agradar gente como eu.

A estratégia de marketing seguiu o mesmo espírito disruptivo. Mille colocou seus relógios no pulso de atletas que operam no limite. Rafael Nadal jogando tênis com um relógio de milhões. Pilotos de Fórmula 1 exibindo peças que parecem tão ousadas quanto o próprio esporte.

Hoje, a Richard Mille é a única grande marca de alta relojoaria comandada por seu fundador vivo. O negócio segue refletindo a curiosidade e a teimosia de Mille. Enquanto outras se tornaram departamentos de conglomerados, a dele segue sendo uma ideia em movimento.

A história mostra algo incômodo. O valor não nasce da média. Nasce do extremo. Não surge da tentativa de agradar. Surge da coragem de desagradar. E não depende de escala. Depende de escassez.

Também desmonta o mito da idade certa. Mille provou que tarde demais é só um rótulo. Quando a convicção não cabe mais na vida antiga, empreender vira consequência.

No fim, o mundo premia quem desafia séculos. Quem tenta o impossível. Quem começa tarde e mesmo assim muda tudo.