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O governo dos EUA iniciou sua primeira paralisação em quase sete anos após o Congresso falhar em aprovar um pacote orçamentário, ampliando o impasse entre democratas e republicanos em torno do financiamento da saúde. De um lado, os democratas exigem a prorrogação de programas de assistência médica; de outro, Trump e sua base resistem, acusando a oposição de subsidiar imigrantes ilegais. O resultado é um bloqueio que ameaça suspender serviços públicos, atrasar a divulgação de indicadores importantes — como o payroll de setembro — e afetar milhões de cidadãos. Ainda assim, o histórico mostra que shutdowns costumam gerar impactos limitados nos mercados: o S&P 500 e o Nasdaq encerraram setembro em alta, registrando o melhor desempenho desde 2010, enquanto o Dow renovou recordes.
Dessa vez, porém, a paralisação se soma a um ambiente já marcado por incertezas adicionais. Entre elas, as tarifas impostas por Trump e o debate sobre a independência do Federal Reserve, fatores que aumentam os riscos de inflação em 2026. A ausência de dados oficiais obriga investidores a recorrerem a indicadores privados, como o relatório da ADP, cuja abrangência é mais restrita, dificultando a leitura completa da economia. Nos mercados globais, o sentimento de cautela predomina: bolsas asiáticas reagiram de forma mista — queda no Japão, alta na Coreia do Sul e em Taiwan — enquanto os mercados chineses permaneceram fechados pelo feriado da Golden Week, reduzindo a liquidez em nível global. Na Europa, o setor farmacêutico se destacou positivamente após acordo entre Pfizer e governo, mas a inflação de 2,2% em setembro reforçou a postura de prudência do Banco Central Europeu. Em síntese, o pano de fundo global continua a combinar crescimento moderado, perspectiva de cortes de juros e incertezas políticas que sustentam a busca por ativos defensivos.
· 00:58 — O eterno show do estresse fiscal
No Brasil, o Ibovespa encerrou a terça-feira em terreno praticamente estável, ainda que tenha superado a marca simbólica dos 147 mil pontos durante o pregão. A perda de fôlego veio principalmente do desempenho da Petrobras (PETR4), pressionada pela queda do petróleo no mercado internacional. Apesar disso, o saldo mensal segue positivo: alta de 3,4% em setembro, após avanço de 6,3% em agosto, acumulando mais de 21% no ano (e acima de 40% em dólares). Essa trajetória reflete, sobretudo, a fraqueza global do dólar e a expectativa de cortes de juros nas economias centrais, em especial nos EUA. Um dólar enfraquecido amplia o apetite por risco, valoriza ativos ao reduzir o custo do serviço da dívida e aumenta o valor presente dos fluxos de caixa. Esse movimento ainda abre espaço para cortes adicionais de juros em diversas regiões, inclusive no Brasil. Aqui, o cenário doméstico também começa a favorecer: a taxa de desemprego ficou estável em 5,6%, como esperado, sinalizando uma acomodação do mercado de trabalho. Isso reforça a possibilidade de o Banco Central começar a cortar juros, se não em dezembro, possivelmente nas primeiras reuniões de 2026. Historicamente, o Brasil funciona como um “beta global”, reagindo de forma intensa aos ciclos do dólar e dos juros americanos — e isso permanece válido, apesar da delicada situação fiscal.
E é justamente no campo fiscal que reside o maior ponto de vulnerabilidade. Em agosto, a Dívida Pública Federal (DPF) cresceu 2,59% frente a julho (sim, em apenas um só mês), atingindo R$ 8,145 trilhões, com o Tesouro revisando o Plano Anual de Financiamento e elevando a projeção para até R$ 8,8 trilhões em 2025. A composição da dívida mostra avanço nos pós-fixados (49,29%), que hoje carregam custo próximo de 15% ao ano, estabilidade nos prefixados (20,95%) e queda nos títulos atrelados à inflação (26,10%) e aos cambiais (3,67%). O prazo médio da dívida recuou para 4,09 anos, com custo médio de 11,65% ao ano, enquanto o colchão de liquidez subiu para R$ 1,134 trilhão. A fatia de vencimentos em 12 meses aumentou para 19,45%, intensificando a preocupação com a rolagem. É um quadro insustentável, apesar do negacionismo de alguns: o gasto público consolidado saltou de 40,9% do PIB em 2010 para 47,2% em junho de 2025. Embora o déficit primário deva encerrar o ano em torno de 0,4% do PIB, esse resultado é sustentado por receitas extraordinárias que já dão sinais de esgotamento. As despesas, por outro lado, seguem crescendo sem solução estrutural, o que empurra o déficit nominal para quase 8% do PIB e deve levar a dívida a 82% do PIB em 2026 — alta de 10 pontos percentuais desde o início do governo.
No plano político, o debate fiscal se concentra em três frentes: a ampliação da faixa de isenção do IR para até R$ 5 mil, articulada em almoço de Lula com Hugo Motta e Davi Alcolumbre; a disputa com o TCU sobre o critério de contingenciamento — se pelo piso ou pelo centro da meta, o que poderia significar bloqueios adicionais de R$ 30 bilhões; e as negociações da MP do IOF, pressionadas pela bancada do agro para aliviar a tributação sobre LCIs e LCAs. Sobre o TCU, o governo, mais uma vez, ameaça judicializar a questão, como se fosse solução para tudo. Mas o Tribunal tem razão: não se trata apenas de excluir artificialmente quase R$ 90 bilhões de gastos do resultado primário, mas também de usar o piso da meta como alvo, quando as bandas deveriam servir apenas para choques exógenos, e não como estratégia fiscal recorrente. A correção desse desajuste, infelizmente, deve ficar para 2027, após as eleições.
No front eleitoral, o anúncio do governador Tarcísio de que concorrerá à reeleição em São Paulo foi recebido com ceticismo, tanto por aliados quanto por adversários, segundo o Valor — algo que antecipei aqui: parece mais como recuo tático do que decisão definitiva. A oposição segue fragmentada: entre os extremos, que mobilizam, mas carregam alta rejeição, e os moderados, que teriam maior competitividade. O futuro de qualquer agenda reformista — ou mesmo de um debate sério sobre reformas — dependerá, em grande medida, da capacidade dessa organização política em se consolidar. Até lá, a novela fiscal continua a corroer a confiança.
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· 01:42 — Sob pressão
O impasse político em Washington resultou em uma nova paralisação do governo americano, após o fracasso do Congresso em aprovar uma medida provisória de financiamento. Embora o fechamento afete diretamente centenas de milhares de servidores públicos e comprometa o funcionamento de diversos órgãos federais, historicamente, seus efeitos sobre os mercados financeiros tendem a ser limitados. O comportamento recente das bolsas reforça esse padrão: em meio ao caos político, o S&P 500 e o Nasdaq encerraram setembro com ganhos, registrando o melhor desempenho desde 2010, enquanto o Dow Jones renovou máximas históricas. Em geral, períodos de “shutdown” costumam pressionar para baixo os rendimentos dos Treasuries, favorecendo ativos de risco. Contudo, sem a discussão do teto da dívida na mesa, a queda dos juros tende a ser contida. Ainda assim, o adiamento de dados econômicos cruciais, como o payroll de setembro, pode alterar a percepção quanto à possibilidade de cortes de juros já na reunião de outubro do Federal Reserve.
De acordo com estimativas do Escritório de Orçamento do Congresso (CBO), até 750 mil servidores federais — um terço da força de trabalho — podem ser afastados sem remuneração, acumulando cerca de US$ 400 milhões em salários atrasados a cada dia de paralisação. Desde 1977, os EUA já enfrentaram 20 shutdowns, com duração média de oito dias, sendo o mais longo o de 35 dias no primeiro mandato de Trump. Paralelamente, investidores acompanham os dados privados que seguem sendo publicados, como o relatório da ADP sobre emprego no setor privado, depois dos indicadores já divulgados, como a queda da confiança do consumidor para 94,2 pontos e a fraqueza nos índices industriais (PMI de Chicago e ISM). No campo político, a incerteza se intensifica com a manutenção das tarifas comerciais de Trump, mesmo sob contestação judicial, e com os debates sobre a independência do Fed, pressionado por setores que defendem maior influência da Casa Branca sobre a política monetária. Esse ambiente, somado a uma inflação ainda acima da meta, amplia a percepção de vulnerabilidade da economia americana e adiciona novas camadas de risco para 2026.
· 02:36 — Paralisação
A partir da meia-noite, os Estados Unidos entraram em paralisação governamental (“shutdown”), a primeira desde 2018 — também sob a gestão Trump — após o Congresso fracassar em chegar a um acordo sobre um pacote emergencial de gastos. O ponto de discórdia central é o financiamento da saúde: democratas exigem a extensão dos subsídios do Obamacare e a reversão de cortes no Medicaid, enquanto Trump e os republicanos resistem, acusando a oposição de tentar direcionar recursos para imigrantes em situação ilegal. Esse impasse ameaça prolongar o fechamento por tempo indefinido, afetando centenas de milhares de servidores federais, muitos já submetidos a licenças temporárias e outros sob risco de demissão permanente, caso Trump cumpra sua promessa de reduzir drasticamente a máquina pública.
Os efeitos econômicos surgem de imediato. Estima-se que aproximadamente 800 mil funcionários federais sejam impactados, em um quadro que remete à paralisação de 2013, quando 16 dias de shutdown resultaram em cerca de 120 mil empregos privados a menos. Além disso, setores que dependem diretamente de autorizações governamentais enfrentam risco de paralisações e cortes adicionais. Um impacto especialmente sensível é a suspensão de dados cruciais, como o payroll de setembro — previsto inicialmente para esta sexta-feira — e os índices de inflação, informações fundamentais para o Federal Reserve calibrar sua política monetária no trimestre final do ano. Nesse vácuo informacional, dados privados, como o relatório da ADP divulgado nesta quarta-feira, ganham protagonismo, tendo conquistado mais credibilidade recentemente por antecipar tendências relevantes no mercado de trabalho.
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· 03:21 — Quer liderar
O chanceler alemão Friedrich Merz fez uma avaliação sobre o atual cenário político dos Estados Unidos, destacando que a democracia americana encontra-se sob pressão, que a liberdade de expressão vem sendo colocada em xeque e que a independência do judiciário está sendo enfraquecida. Sem mencionar nominalmente Donald Trump ou seu governo, Merz descreveu seu discurso como uma “avaliação realista” e advertiu que o respeito às regras e leis internacionais não pode mais ser tratado como um direito globalmente garantido. Suas palavras evidenciam a crescente preocupação de Berlim com a erosão institucional americana e com as repercussões que esse enfraquecimento pode ter sobre a estabilidade da ordem internacional.
Paralelamente, Merz também se posiciona de forma mais assertiva dentro da própria União Europeia, travando embates diretos com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Ele acusa Bruxelas de avançar além de suas prerrogativas em áreas sensíveis como comércio, orçamento, política ambiental e defesa, defendendo que os Estados-membros recuperem protagonismo decisório. Na cúpula de líderes da UE, que ocorrerá em Copenhague, Merz pretende apresentar uma lista precisa de reivindicações para reformar a governança do bloco, com ênfase no setor de defesa. A Alemanha pressiona para que as decisões sobre compras militares permaneçam sob responsabilidade dos governos nacionais, justamente no momento em que a Europa se prepara para destinar bilhões a projetos estratégicos, como a criação de um escudo aéreo e a implementação de um “muro” contra drones — iniciativas que demandam elevada coordenação e podem redefinir o equilíbrio de poder dentro do continente.
· 04:13 — Um raro momento na política japonesa
O Japão vive um momento político raro e potencialmente transformador. Após a renúncia do primeiro-ministro Shigeru Ishiba em setembro, o Partido Liberal Democrático (PLD) — que governa o país de forma quase ininterrupta há sete décadas — iniciou uma disputa inédita de meio de mandato para definir sua nova liderança. O pleito acontece no sábado, dia 4, em um ambiente carregado de tensões: escândalos de financiamento político corroeram a confiança, a inflação segue pressionando o bolso da população — com o preço do arroz dobrando em apenas um ano — e a questão migratória ganhou força no debate nacional. Não por acaso, o slogan da corrida é “Mudança, PLD”, refletindo a expectativa de que a eleição possa marcar um divisor de águas, seja pela possibilidade de o Japão ter sua primeira mulher no cargo de primeira-ministra, seja pela ascensão de um reformista “millennial”. Os dois favoritos simbolizam esse contraste: Sanae Takaichi, ex-ministra de Segurança Econômica, conservadora de longa trajetória, e Shinjiro Koizumi, atual ministro da Agricultura, jovem político de perfil moderado e filho do carismático ex-premiê Junichiro Koizumi.
Os projetos que cada um defende oferecem visões bastante diferentes para o futuro japonês. Takaichi ecoa a linha política do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe, com uma agenda de maior firmeza geopolítica frente à China, revisão da Constituição pacifista para institucionalizar formalmente as Forças de Autodefesa e uma estratégia econômica baseada na emissão de dívida para financiar cortes de impostos e transferências diretas às famílias, em resposta ao aumento do custo de vida. Embora sua imagem esteja associada ao ultraconservadorismo, ela vem suavizando o tom, prometendo ampliar a participação feminina no governo e buscar uma convivência mais equilibrada com estrangeiros. Já Koizumi aposta em reformas internas no PLD, aumento da produtividade e melhora dos salários, mantendo disciplina fiscal e evitando ampliar o endividamento. Em pautas sociais, já se posicionou a favor de avanços como a possibilidade de mulheres herdarem o trono imperial, mas tem minimizado esse discurso para ganhar apoio de alas mais conservadoras, assumindo também uma postura mais rígida sobre imigração. Essa disputa ocorre em um cenário de fortalecimento da extrema direita no país, que ganhou tração nas últimas eleições, e foi ainda mais conturbada por um escândalo na campanha de Koizumi, após denúncias de manipulação de comentários em seu favor, fato que levou aliados a cogitarem sua saída da corrida. Como a quarta maior economia do mundo, a escolha interna do partido tem peso suficiente para redefinir os rumos do Japão. Nos resta acompanhar.
· 05:07 — Mais um episódio de incerteza
A entrada do governo dos EUA em paralisação intensificou as incertezas no mercado e, como reflexo direto, impulsionou a demanda por ativos de proteção, com destaque para o ouro. Como disse antes, a ausência de consenso entre o presidente Trump e os líderes do Congresso compromete a divulgação de indicadores-chave, como o payroll de setembro — peça central para a definição dos próximos passos do Federal Reserve em relação à política monetária. Nesse ambiente conturbado, o ouro se valorizou mais de 10% apenas no mês, renovando sucessivos recordes e sendo negociado acima de US$ 3.880 por onça-troy na manhã de hoje, acumulando quase 50% de alta no ano. Ao mesmo tempo, a pressão sobre o dólar reforça o apelo do metal precioso como porto seguro e instrumento de diversificação, sobretudo em um cenário que combina cortes de juros no horizonte com ruídos políticos que fragilizam a previsibilidade da economia.
A mensagem para o investidor é clara…