Imagem: iStock.com/Igor Zhukov
A promessa de que “as instituições estão chegando”, repetida com fervor em 2021, revelou-se verdadeira — ainda que com um atraso grotesco. Após o colapso da FTX e a derrocada de Sam Bankman-Fried em 2022, o mercado de criptomoedas passou por seu pior momento, mas começou a dar sinais inequívocos de maturação institucional.
O resultado final veio na chamada “Crypto Week”, quando o Congresso dos EUA avançou com dois marcos regulatórios fundamentais: a sanção da primeira lei federal para stablecoins (GENIUS Act) e o progresso do CLARITY Act, que estrutura a infraestrutura de mercado. O movimento contou com raro apoio bipartidário, sinalizando um novo patamar de estabilidade regulatória para os ativos digitais — e, por tabela, para seu impacto no sistema financeiro tradicional.
GENIUS Act
O GENIUS Act (Guiding and Establishing National Innovation for U.S. Stablecoins) representa o primeiro marco regulatório federal dos Estados Unidos voltado exclusivamente às stablecoins — versões digitais lastreadas em dólar.
A nova legislação estabelece diretrizes claras para emissão, garantias e supervisão desses ativos, encerrando um longo período de incerteza regulatória. Com isso, oferece maior previsibilidade para empresas e investidores, reduzindo o risco jurídico e criando condições para um avanço mais estruturado da indústria.
Por ocuparem uma posição estratégica na interseção entre o universo cripto e o sistema financeiro tradicional, as stablecoins despertam o interesse direto de grandes instituições — como Visa (pagamentos), Apple (tecnologia) e Citi (finanças) — e do próprio governo americano, que vê nelas uma ferramenta geopolítica para reforçar a dominância do dólar.
Além dos ganhos de eficiência operacional — com menor custo de transação e maior agilidade em remessas —, as principais emissoras de stablecoins já figuram entre os maiores compradores de Treasuries. Na prática, isso amplia a demanda por dívida pública americana e consolida a moeda norte-americana como referência também no ambiente digital.
O gráfico abaixo ilustra a crescente relevância das stablecoins, mesmo enquanto operavam sob uma regulamentação ambígua — um fator que, até então, restringia sua adoção por agentes com maior capital e capacidade de distribuição.
Com o marco regulatório aprovado e sancionado, a expectativa é de aceleração significativa nesse movimento, ampliando a base de usuários e aprofundando a liquidez no ecossistema cripto. Trata-se de um passo relevante para institucionalizar a infraestrutura digital de pagamentos e fortalecer os EUA como polo de inovação financeira.

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CLARITY Act
O CLARITY Act (Crypto Legal Accountability, Regulatory Innovation, and Transparency for You Act) é uma proposta legislativa que visa estabelecer diretrizes regulatórias abrangentes para o mercado de criptoativos — definindo, de maneira objetiva, se um token deve ser classificado como valor mobiliário (security) ou mercadoria (commodity).
A ausência dessa clareza jurídica figurou, por anos, como um dos principais obstáculos ao desenvolvimento da indústria cripto nos Estados Unidos. Diversas empresas foram alvo de ações da SEC justamente por operarem em um ambiente regulatório indefinido, sendo compelidas a seguir exigências concebidas para ativos tradicionais — muitas vezes incompatíveis com a natureza descentralizada e tecnológica dos criptoativos.
O projeto busca preencher esse vácuo por meio de regras transparentes de classificação, definição explícita das competências entre os diferentes órgãos reguladores e a introdução de um período de adaptação regulatória para iniciativas em fase inicial — um modelo que equilibra proteção ao investidor com estímulo à inovação.
Já aprovado na Câmara dos Deputados, o CLARITY Act avança agora para o Senado, com perspectivas promissoras de sanção. A proposta conta com apoio bipartidário e está inserida em um ambiente político favorável, impulsionado pela atuação crescente de um lobby cripto cada vez mais estruturado e influente no Congresso americano.
Caso aprovado, o projeto deve representar um marco para o setor, ao prover segurança jurídica, destravar fluxos de capital e consolidar os Estados Unidos como ambiente institucionalmente preparado para liderar a próxima fase de crescimento da economia digital.
ETH e BTC Treasury Companies
Paralelamente ao avanço do eixo regulatório, observa-se uma crescente mobilização do investidor institucional — refletida tanto na aceleração da adoção por meio de ETFs quanto na proliferação de novas estruturas de exposição, criadas em resposta ao aumento do apetite por essa classe de ativos.
As chamadas proxies de cripto vêm ganhando protagonismo nos mercados tradicionais. No primeiro semestre deste ano, a Coinbase tornou-se a primeira empresa do setor a integrar o S&P 500, enquanto o IPO da Circle surpreendeu o mercado com uma das maiores aberturas de capital da década.
Em paralelo, a MicroStrategy mantém-se como referência na estratégia de alocação de criptoativos em tesouraria — um movimento que já se dissemina por centenas de instituições ao redor do mundo e que, cada vez mais, ultrapassa os limites do Bitcoin.
Acompanhando essa tendência, ativos como Ethereum (ETH) e Solana (SOL) começam a capturar uma parcela crescente desse fluxo institucional, sinalizando uma evolução da tese do “ouro digital” para uma abordagem mais ampla e sofisticada em torno do potencial estrutural dos criptoativos.

Ao mesmo tempo, cresce o apetite por uma nova geração de ETFs cripto. Mais de uma dezena de produtos — incluindo exposições a altcoins e estratégias temáticas — aguardam atualmente aprovação da SEC, que já sinaliza a construção de um novo framework regulatório para a classe.
A recente nomeação de Paul Atkins à presidência da agência, somada ao renovado otimismo dos analistas da Bloomberg, reforça a expectativa de que as autorizações ocorram ainda neste semestre — destravando uma nova frente de acesso institucional ao mercado de criptoativos.
Momento de arriscar?
À medida que o mercado de ativos digitais avança em sua institucionalização, intensifica-se sua correlação com os principais índices da bolsa americana — como o S&P 500 e o Nasdaq. Ainda assim, os criptoativos preservam momentos de descorrelação, refletindo dinâmicas próprias de ciclos, liquidez e efeitos de rede. Mas afinal, o que de fato move os preços nesse mercado?
Para responder a essa pergunta, é necessário voltar à origem: o próprio Bitcoin. Ao longo do tempo, o ativo passou a ser interpretado pelo mercado como um verdadeiro barômetro de liquidez. Com oferta programada, ausência de fluxo de caixa futuro e sem qualquer vínculo com lucros operacionais, o BTC reage de forma direta — e muitas vezes amplificada — às condições monetárias, funcionando como um termômetro altamente sensível ao apetite global por risco.
Mais do que isso, o Bitcoin atua como uma espécie de arauto dos ciclos do setor. Por ser a principal referência do mercado, seus movimentos costumam irradiar efeitos de segunda ordem sobre as altcoins, cuja performance apresenta forte correlação com ele.
Dessa forma, cria-se uma cadeia de causalidade clara: se a liquidez global impulsiona o Bitcoin — já que, por não ter um modelo de valuation tradicional, seu preço é essencialmente determinado pela expectativa de demanda futura —, e o Bitcoin, por sua vez, direciona os demais criptoativos, então a liquidez global emerge como o principal vetor dos ciclos no universo cripto.
Aqui, definimos liquidez global como a interação entre o custo do capital (representado pelas taxas de juros) e a quantidade de dinheiro em circulação (crédito e depósitos). No momento, os principais indicadores apontam para um ambiente construtivo e favorável ao risco: os spreads de crédito seguem em trajetória de queda, refletindo maior confiança na expansão da economia americana; as taxas de juros reais estão sob pressão descendente, impulsionadas pelo aumento das expectativas inflacionárias e pela busca por maiores retornos em ativos de risco; e os agregados monetários — como o M2 — voltaram a crescer após um período de contração.
O rali do Bitcoin e das demais criptomoedas coincide exatamente com o momento em que as expectativas inflacionárias começaram a subir, após a dissipação do temor tarifário, enquanto os spreads de crédito continuaram em queda — como ilustra o gráfico a seguir.

Esse tipo de ambiente pode ser observado com clareza no indicador desenvolvido internamente, que mede o apetite ou a aversão ao risco a partir da normalização de três variáveis-chave: o VIX (índice de volatilidade das ações), o MOVE (índice de volatilidade dos títulos do Tesouro) e os spreads de crédito (medidos pelo índice do BofA).
O resultado é representado graficamente por um gradiente de cores: tons de vermelho indicam aversão ao risco, verde sinaliza apetite, enquanto o amarelo representa zonas de transição.
Note como os períodos marcados em verde tendem a coincidir com as principais bull runs do mercado, refletindo o efeito multiplicador que a expansão da liquidez e a compressão da volatilidade exercem sobre os ativos de maior beta — como é o caso dos criptoativos.

Trata-se de uma combinação especialmente favorável de fatores técnicos, macroeconômicos e regulatórios — que não apenas justifica as recentes máximas registradas, como também reforça a probabilidade de continuidade do movimento.