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Bolsa brasileira segue no radar de investidores estrangeiros em dia de Relatório Bimestral de Receitas e Despesas; veja os destaques desta quinta (22)

Mercados globais reagem mal aos temores fiscias nos EUA, de olho no andamento de proposta de expansão fiscal.

Por Matheus Spiess

22 maio 2025, 09:25 - atualizado em 22 maio 2025, 09:25

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Imagem: iStock/Edson Souza

O clima azedou de novo nos mercados globais, com os temores fiscais nos EUA voltando ao centro do palco. O sell-off das Bolsas ontem (21) e a pressão renovada sobre os juros dos Treasuries mostram que o mercado cansou de fazer vista grossa ao rombo orçamentário americano. E não faltam motivos: em vez de qualquer tentativa de contenção do déficit, o Congresso americano se ocupa agora de debater o plano orçamentário de Donald Trump, que nada mais é do que uma proposta de expansão fiscal. O resultado? Pressão sobre o dólar, os juros e qualquer apetite a risco.

A votação do pacote na Câmara aconteceu nesta manhã (21) na Câmara, seguindo para o Senado, e o simples fato de o mercado estar atento ao tema já diz muito. A disfuncionalidade fiscal dos EUA, que passou anos sendo ignorada sob o manto do “excepcionalismo americano”, começa a cobrar sua conta. O reflexo mais imediato aparece nos mercados: queda generalizada nas Bolsas asiáticas durante a madrugada, perdas se espalhando pelas praças europeias e futuros americanos novamente no vermelho. No radar de hoje, além do risco fiscal, temos dados de atividade na Europa e as sempre sensíveis declarações de dirigentes monetários. O mundo acorda tenso. 

· 00:52 — Driblando o corte de gastos

No Brasil, a agenda local desta quinta-feira (22) traz como destaque a divulgação do Relatório Bimestral de Receitas e Despesas. O documento, que deve ser apresentado junto a uma entrevista coletiva com a equipe econômica, é aguardado com atenção redobrada pelos mercados, que esperam dele ao menos um aceno de responsabilidade fiscal. A expectativa majoritária é de um contingenciamento de R$ 10 bilhões — valor considerado mínimo diante da deterioração das contas públicas. Vale lembrar: seriam necessários R$ 40 bilhões em bloqueios para zerar o déficit, ou pelo menos R$ 15 bilhões para alcançar a meta de piso do arcabouço (déficit de 0,25% do PIB). Mas o governo parece disposto a driblar esse esforço incluindo como receita o que espera arrecadar em um leilão futuro do pré-sal. Na prática, pode não haver nem os R$ 10 bilhões. Se for esse o caso, a sinalização será desastrosa: não se trata mais de incapacidade, mas de desinteresse explícito em promover o ajuste.

Ao mesmo tempo, Brasília segue mergulhada em sua própria dramaturgia fiscal. O Palácio do Planalto ensaia um novo pacote de medidas com viés populista e impacto orçamentário significativo (ainda que parafiscal), mesmo que em tese compensado por “engenharias” duvidosas. A nova MP da energia, por exemplo, promete gratuidade para 60 milhões de brasileiros, enquanto transfere o custo para a classe média e consumidores de energia renovável, que perderão benefícios. Outras medidas em estudo incluem crédito facilitado para MEIs, financiamento de motos para entregadores, extensão do Vale Gás e mais uma rodada de ampliação de programas sociais. Haddad tenta negar, mas o próprio governo desmente o ministro. A trajetória é conhecida — e perigosa. O receio é que, ao tentar conter a queda de popularidade, Lula esteja replicando a cartilha da Dilma, ignorando a conta que virá logo adiante (em 26 e 27).

Ainda assim, o Brasil segue no radar dos investidores, em especial os gringos. Em parte por méritos próprios — como o fluxo estrangeiro favorecido por um dólar globalmente mais fraco — e em parte por demérito alheio. A desorganização fiscal americana também tem contribuído para esse ambiente favorável a emergentes, como reforçado recentemente pelos upgrades de grandes bancos internacionais. Ontem, o Ibovespa realizou lucros após uma sequência de máximas históricas, enquanto os juros voltaram a subir e o câmbio apreciou. No campo institucional, ao menos um avanço: a aprovação, na CCJ do Senado, da PEC que põe fim à reeleição para cargos do Executivo. Um passo civilizatório. Falta agora limitar a apenas um mandato em vida para a presidência — o Brasil, com seu histórico de personalismo, precisa amadurecer.

· 01:43 — Turbulência

Nos EUA, o protagonismo do dia foi do mercado de renda fixa, que assumiu o volante e jogou os principais índices acionários na maior queda em um mês. A pressão sobre os ativos de risco veio principalmente da curva longa dos Treasuries, impulsionada por mais um episódio de fraqueza na demanda por títulos do governo — desta vez, durante o leilão de papéis de 20 anos. Normalmente um evento técnico e burocrático, esse leilão específico acabou ganhando holofotes em meio à crescente preocupação com a solvência fiscal dos EUA e à deterioração contínua da percepção de risco soberano.

A cereja do bolo? O rebaixamento pela Moody’s ocorreu justamente enquanto a Casa Branca tenta emplacar uma proposta tributária que promete adicionar mais alguns trilhões ao déficit. No leilão, a fraca demanda obrigou o Tesouro a oferecer rendimentos mais altos para atrair compradores, resultando em queda nos preços dos títulos e repercutindo negativamente sobre o mercado acionário. A nota de 30 anos voltou a ultrapassar os 5%, e a de 10 anos já flerta novamente com 4,5%. Tudo isso compõe um pano de fundo cada vez mais desconfortável, no qual o investidor percebe que, se há uma âncora em risco neste momento, ela se chama Tesouro americano.

· 02:37 — E o problema é dos grandes

Nesta manhã, a Câmara dos EUA aprovou, por margem mínima de 215 a 214, o projeto orçamentário proposto por Donald Trump. Agora, a proposta segue para o Senado, onde os republicanos se veem diante de uma encruzilhada desconfortável: têm o controle formal, mas enfrentam divisões profundas sobre qual bandeira sustentar — a manutenção dos cortes de impostos ou o compromisso com alguma aparência de responsabilidade fiscal. Tudo isso em um contexto em que a deterioração das contas públicas já deixou de ser um risco e passou a ser uma realidade gritante. O pano de fundo fiscal, aliás, está longe de ser um detalhe técnico: é o elefante na sala.

O projeto em tramitação essencialmente prorroga os cortes tributários da era Trump iniciados em 2017, adicionando mais de US$ 5 trilhões ao déficit nos próximos anos. Os chamados “falcões fiscais” enxergam uma rara oportunidade para atacar o tamanho do Estado. Contudo, cortes verdadeiramente significativos exigiriam tocar em vacas sagradas do orçamento federal: Previdência Social, defesa, Medicare e Medicaid. Como os dois primeiros são politicamente intocáveis, sobram os dois últimos, em especial o Medicaid, que financia cuidados médicos para a população de baixa renda.

A proposta não passa ilesa aos olhos do mercado — e tampouco deveria. Afinal, fica cada vez mais evidente que o problema fiscal não é exclusividade de um ou outro país, mas um drama global que precisa ser urgentemente endereçado. Washington também está flertando com o abismo fiscal — e, ao que parece, de olhos bem abertos.

· 03:28 — Ao menos temos alguns avanços comerciais

A União Europeia decidiu dar mais um passo na tentativa de acalmar o sempre imprevisível presidente Donald Trump, compartilhando com Washington uma nova proposta comercial revisada. O objetivo declarado é destravar as negociações, mas o subtexto é mais claro: evitar que a retórica protecionista americana se transforme em tarifas punitivas de grande escala. O plano europeu contempla uma abertura gradual, tentando suavizar as tarifas que já ameaçam atingir cerca de US$ 108 bilhões em exportações dos EUA com novas taxas retaliatórias, numa resposta direta à famosa “reciprocidade” tarifária de Trump, que inclui uma alíquota de 25% sobre automóveis e autopeças — verdadeiro espantalho do setor industrial europeu.

Vale lembrar que a UE já havia suspendido temporariamente, por 90 dias, a implementação de um pacote de retaliações em resposta às tarifas americanas sobre aço e alumínio. A trégua informal surgiu após Trump concordar em reduzir, também por 90 dias, a sua taxa “recíproca” sobre a maioria das exportações europeias de 20% para 10%. Agora, a nova oferta europeia inclui itens que soam bem aos ouvidos de qualquer discurso populista: direitos trabalhistas internacionais, padrões ambientais genéricos, promessas vagas de segurança econômica e uma eventual eliminação de tarifas para bens industriais e produtos agrícolas não sensíveis. Em suma, os europeus estão oferecendo o possível — desde que não toque no que realmente importa para seus produtores mais protegidos. Ainda assim, é um avanço. 

· 04:15 — Problemas com o turismo

Os Estados Unidos, por décadas líderes incontestes do turismo global, parecem agora decididos a abrir mão desse posto. As tensões diplomáticas, combinadas a uma crescente sensação de hostilidade ao estrangeiro — reforçada por casos de detenção arbitrária de visitantes — estão afastando viajantes e, junto com eles, bilhões de dólares em receita. Segundo o Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC), os EUA caminham para uma perda de US$ 12,5 bilhões em receitas com turismo em 2025. A queda representa 7% em relação ao ano anterior e nada menos que 22,5% abaixo do recorde de 2019. E há um detalhe embaraçoso: entre 184 países monitorados, os EUA são os únicos com projeção de retração no setor.

Os números do primeiro trimestre já deixam clara a tendência. Em março, os aeroportos norte-americanos registraram forte redução na chegada de turistas internacionais: queda de 15% nas visitas vindas do Reino Unido e da Coreia do Sul; 28% da Alemanha; entre 24% e 33% de mercados tradicionalmente relevantes como Espanha e Irlanda. É uma inversão desconcertante para o país que se prepara para sediar o Mundial de Clubes neste ano, a Copa do Mundo em 2026 e os Jogos Olímpicos em 2028. Os americanos precisam arrumar a casa para os mega eventos.

· 05:01 — Continua a brilhar

Em mais um episódio que desafia as correlações tradicionais, o Bitcoin voltou a subir com força justamente enquanto os juros globais pressionavam os mercados de risco.

Desta vez, o movimento não parece um simples soluço técnico, mas sim reflexo de algo mais estrutural: a perda de confiança na solvência fiscal dos Estados Unidos, agora explicitada com o rebaixamento da nota de crédito e o avanço de um pacote orçamentário agressivo. Em outras palavras, enquanto a credibilidade do dólar escorrega, o mercado começa a buscar abrigo…

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.