
Imagem: iStock/Edson Souza
O clima azedou de novo nos mercados globais, com os temores fiscais nos EUA voltando ao centro do palco. O sell-off das Bolsas ontem (21) e a pressão renovada sobre os juros dos Treasuries mostram que o mercado cansou de fazer vista grossa ao rombo orçamentário americano. E não faltam motivos: em vez de qualquer tentativa de contenção do déficit, o Congresso americano se ocupa agora de debater o plano orçamentário de Donald Trump, que nada mais é do que uma proposta de expansão fiscal. O resultado? Pressão sobre o dólar, os juros e qualquer apetite a risco.
A votação do pacote na Câmara aconteceu nesta manhã (21) na Câmara, seguindo para o Senado, e o simples fato de o mercado estar atento ao tema já diz muito. A disfuncionalidade fiscal dos EUA, que passou anos sendo ignorada sob o manto do “excepcionalismo americano”, começa a cobrar sua conta. O reflexo mais imediato aparece nos mercados: queda generalizada nas Bolsas asiáticas durante a madrugada, perdas se espalhando pelas praças europeias e futuros americanos novamente no vermelho. No radar de hoje, além do risco fiscal, temos dados de atividade na Europa e as sempre sensíveis declarações de dirigentes monetários. O mundo acorda tenso.
· 00:52 — Driblando o corte de gastos
No Brasil, a agenda local desta quinta-feira (22) traz como destaque a divulgação do Relatório Bimestral de Receitas e Despesas. O documento, que deve ser apresentado junto a uma entrevista coletiva com a equipe econômica, é aguardado com atenção redobrada pelos mercados, que esperam dele ao menos um aceno de responsabilidade fiscal. A expectativa majoritária é de um contingenciamento de R$ 10 bilhões — valor considerado mínimo diante da deterioração das contas públicas. Vale lembrar: seriam necessários R$ 40 bilhões em bloqueios para zerar o déficit, ou pelo menos R$ 15 bilhões para alcançar a meta de piso do arcabouço (déficit de 0,25% do PIB). Mas o governo parece disposto a driblar esse esforço incluindo como receita o que espera arrecadar em um leilão futuro do pré-sal. Na prática, pode não haver nem os R$ 10 bilhões. Se for esse o caso, a sinalização será desastrosa: não se trata mais de incapacidade, mas de desinteresse explícito em promover o ajuste.
Ao mesmo tempo, Brasília segue mergulhada em sua própria dramaturgia fiscal. O Palácio do Planalto ensaia um novo pacote de medidas com viés populista e impacto orçamentário significativo (ainda que parafiscal), mesmo que em tese compensado por “engenharias” duvidosas. A nova MP da energia, por exemplo, promete gratuidade para 60 milhões de brasileiros, enquanto transfere o custo para a classe média e consumidores de energia renovável, que perderão benefícios. Outras medidas em estudo incluem crédito facilitado para MEIs, financiamento de motos para entregadores, extensão do Vale Gás e mais uma rodada de ampliação de programas sociais. Haddad tenta negar, mas o próprio governo desmente o ministro. A trajetória é conhecida — e perigosa. O receio é que, ao tentar conter a queda de popularidade, Lula esteja replicando a cartilha da Dilma, ignorando a conta que virá logo adiante (em 26 e 27).
Ainda assim, o Brasil segue no radar dos investidores, em especial os gringos. Em parte por méritos próprios — como o fluxo estrangeiro favorecido por um dólar globalmente mais fraco — e em parte por demérito alheio. A desorganização fiscal americana também tem contribuído para esse ambiente favorável a emergentes, como reforçado recentemente pelos upgrades de grandes bancos internacionais. Ontem, o Ibovespa realizou lucros após uma sequência de máximas históricas, enquanto os juros voltaram a subir e o câmbio apreciou. No campo institucional, ao menos um avanço: a aprovação, na CCJ do Senado, da PEC que põe fim à reeleição para cargos do Executivo. Um passo civilizatório. Falta agora limitar a apenas um mandato em vida para a presidência — o Brasil, com seu histórico de personalismo, precisa amadurecer.
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· 01:43 — Turbulência
Nos EUA, o protagonismo do dia foi do mercado de renda fixa, que assumiu o volante e jogou os principais índices acionários na maior queda em um mês. A pressão sobre os ativos de risco veio principalmente da curva longa dos Treasuries, impulsionada por mais um episódio de fraqueza na demanda por títulos do governo — desta vez, durante o leilão de papéis de 20 anos. Normalmente um evento técnico e burocrático, esse leilão específico acabou ganhando holofotes em meio à crescente preocupação com a solvência fiscal dos EUA e à deterioração contínua da percepção de risco soberano.
A cereja do bolo? O rebaixamento pela Moody’s ocorreu justamente enquanto a Casa Branca tenta emplacar uma proposta tributária que promete adicionar mais alguns trilhões ao déficit. No leilão, a fraca demanda obrigou o Tesouro a oferecer rendimentos mais altos para atrair compradores, resultando em queda nos preços dos títulos e repercutindo negativamente sobre o mercado acionário. A nota de 30 anos voltou a ultrapassar os 5%, e a de 10 anos já flerta novamente com 4,5%. Tudo isso compõe um pano de fundo cada vez mais desconfortável, no qual o investidor percebe que, se há uma âncora em risco neste momento, ela se chama Tesouro americano.
· 02:37 — E o problema é dos grandes
Nesta manhã, a Câmara dos EUA aprovou, por margem mínima de 215 a 214, o projeto orçamentário proposto por Donald Trump. Agora, a proposta segue para o Senado, onde os republicanos se veem diante de uma encruzilhada desconfortável: têm o controle formal, mas enfrentam divisões profundas sobre qual bandeira sustentar — a manutenção dos cortes de impostos ou o compromisso com alguma aparência de responsabilidade fiscal. Tudo isso em um contexto em que a deterioração das contas públicas já deixou de ser um risco e passou a ser uma realidade gritante. O pano de fundo fiscal, aliás, está longe de ser um detalhe técnico: é o elefante na sala.
O projeto em tramitação essencialmente prorroga os cortes tributários da era Trump iniciados em 2017, adicionando mais de US$ 5 trilhões ao déficit nos próximos anos. Os chamados “falcões fiscais” enxergam uma rara oportunidade para atacar o tamanho do Estado. Contudo, cortes verdadeiramente significativos exigiriam tocar em vacas sagradas do orçamento federal: Previdência Social, defesa, Medicare e Medicaid. Como os dois primeiros são politicamente intocáveis, sobram os dois últimos, em especial o Medicaid, que financia cuidados médicos para a população de baixa renda.
A proposta não passa ilesa aos olhos do mercado — e tampouco deveria. Afinal, fica cada vez mais evidente que o problema fiscal não é exclusividade de um ou outro país, mas um drama global que precisa ser urgentemente endereçado. Washington também está flertando com o abismo fiscal — e, ao que parece, de olhos bem abertos.
· 03:28 — Ao menos temos alguns avanços comerciais
A União Europeia decidiu dar mais um passo na tentativa de acalmar o sempre imprevisível presidente Donald Trump, compartilhando com Washington uma nova proposta comercial revisada. O objetivo declarado é destravar as negociações, mas o subtexto é mais claro: evitar que a retórica protecionista americana se transforme em tarifas punitivas de grande escala. O plano europeu contempla uma abertura gradual, tentando suavizar as tarifas que já ameaçam atingir cerca de US$ 108 bilhões em exportações dos EUA com novas taxas retaliatórias, numa resposta direta à famosa “reciprocidade” tarifária de Trump, que inclui uma alíquota de 25% sobre automóveis e autopeças — verdadeiro espantalho do setor industrial europeu.
Vale lembrar que a UE já havia suspendido temporariamente, por 90 dias, a implementação de um pacote de retaliações em resposta às tarifas americanas sobre aço e alumínio. A trégua informal surgiu após Trump concordar em reduzir, também por 90 dias, a sua taxa “recíproca” sobre a maioria das exportações europeias de 20% para 10%. Agora, a nova oferta europeia inclui itens que soam bem aos ouvidos de qualquer discurso populista: direitos trabalhistas internacionais, padrões ambientais genéricos, promessas vagas de segurança econômica e uma eventual eliminação de tarifas para bens industriais e produtos agrícolas não sensíveis. Em suma, os europeus estão oferecendo o possível — desde que não toque no que realmente importa para seus produtores mais protegidos. Ainda assim, é um avanço.
· 04:15 — Problemas com o turismo
Os Estados Unidos, por décadas líderes incontestes do turismo global, parecem agora decididos a abrir mão desse posto. As tensões diplomáticas, combinadas a uma crescente sensação de hostilidade ao estrangeiro — reforçada por casos de detenção arbitrária de visitantes — estão afastando viajantes e, junto com eles, bilhões de dólares em receita. Segundo o Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC), os EUA caminham para uma perda de US$ 12,5 bilhões em receitas com turismo em 2025. A queda representa 7% em relação ao ano anterior e nada menos que 22,5% abaixo do recorde de 2019. E há um detalhe embaraçoso: entre 184 países monitorados, os EUA são os únicos com projeção de retração no setor.
Os números do primeiro trimestre já deixam clara a tendência. Em março, os aeroportos norte-americanos registraram forte redução na chegada de turistas internacionais: queda de 15% nas visitas vindas do Reino Unido e da Coreia do Sul; 28% da Alemanha; entre 24% e 33% de mercados tradicionalmente relevantes como Espanha e Irlanda. É uma inversão desconcertante para o país que se prepara para sediar o Mundial de Clubes neste ano, a Copa do Mundo em 2026 e os Jogos Olímpicos em 2028. Os americanos precisam arrumar a casa para os mega eventos.
· 05:01 — Continua a brilhar
Em mais um episódio que desafia as correlações tradicionais, o Bitcoin voltou a subir com força justamente enquanto os juros globais pressionavam os mercados de risco.
Desta vez, o movimento não parece um simples soluço técnico, mas sim reflexo de algo mais estrutural: a perda de confiança na solvência fiscal dos Estados Unidos, agora explicitada com o rebaixamento da nota de crédito e o avanço de um pacote orçamentário agressivo. Em outras palavras, enquanto a credibilidade do dólar escorrega, o mercado começa a buscar abrigo…