Imagem: iStock/ Gabriele Maltinti
Os mercados globais encerraram a terça-feira (23) sob a influência de dois vetores principais: política internacional e política monetária. No campo geopolítico, Donald Trump voltou a gerar ruído em seu primeiro discurso presencial na ONU em seis anos. O presidente americano adotou tom combativo, criticando a própria organização, questionando sua relevância e disparando provocações sobre temas como energia, imigração e mudanças climáticas — que chegou a classificar como “um golpe”. O momento mais surpreendente, no entanto, veio quando mudou de posição em relação à guerra na Ucrânia, afirmando acreditar que o país pode derrotar a Rússia e recuperar territórios perdidos. As declarações adicionaram um prêmio de risco ao petróleo, ainda que os investidores tenham reagido com cautela para evitar exageros. No mesmo palco, chamou atenção a inesperada reaproximação entre EUA e Brasil: Trump elogiou Lula e o convidou para um encontro, gesto que animou os mercados locais. Ontem destaquei a possibilidade de um breve encontro informal entre os dois líderes — e ele de fato se concretizou, trazendo reflexos positivos para o mercado doméstico.
No campo econômico, o foco esteve no presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, que reforçou o caráter incerto da trajetória dos juros nos Estados Unidos. Em discurso, descreveu a conjuntura como “desafiadora”, marcada por riscos bilaterais: de um lado, a inflação que segue resiliente; de outro, sinais de enfraquecimento no mercado de trabalho. Embora o Fed tenha promovido recentemente um corte de 0,25 ponto percentual, Powell evitou sinalizar próximos passos, lembrando que a política monetária não segue um curso predefinido e dependerá da evolução dos dados. A ausência de clareza esfriou o rali das bolsas, especialmente do setor de tecnologia, já considerado esticado por muitos gestores. O mercado ainda precifica a possibilidade de dois cortes adicionais até o fim do ano, mas segue dividido quanto a um eventual terceiro em janeiro. O alerta de Powell sobre valuations elevados reforçou a necessidade de cautela, em especial diante da alta acelerada puxada pela inteligência artificial. Enquanto isso, na Ásia, a China registrou alta nas bolsas, impulsionada pelo entusiasmo com o Alibaba e com o setor de semicondutores, ao passo que a Europa opera em queda nesta manhã, reagindo ao tom conservador do Fed.
· 00:54 — Tom mais suave
No Brasil, o Ibovespa renovou seu recorde nominal na terça-feira (23), embalado pela reação positiva dos investidores diante de uma inesperada trégua entre os presidentes Trump e Lula. À margem da Assembleia Geral da ONU, como eu disse ser possível ontem, os dois tiveram uma breve interação nos bastidores, descrita por Trump como amistosa. Segundo ele, o encontro durou menos de um minuto, mas foi suficiente para trocar um abraço, criar uma boa impressão e revelar uma “excelente química” entre ambos. O republicano ainda confirmou que pretende conversar formalmente com Lula na próxima semana, gesto que chamou atenção por romper meses de tensão, sanções e recusa ao diálogo. Até então, Lula era o único chefe de governo do G20 que não havia interagido com Trump desde sua posse. A simples sinalização de aproximação trouxe alívio imediato aos ativos locais: o dólar, que já recuava após a divulgação da ata do Copom reforçando a postura cautelosa da autoridade monetária, aprofundou as perdas e encerrou o dia em queda de 1,10%, a R$ 5,28 — o menor nível do ano.
Naturalmente, há cautela em Brasília. O governo brasileiro teme que uma conversa direta com Trump possa se converter em constrangimento político, como já ocorreu com outros líderes, como Volodymyr Zelensky, da Ucrânia, e Cyril Ramaphosa, da África do Sul. Para mitigar riscos, o chanceler Mauro Vieira adiantou que o contato da próxima semana deve ocorrer por telefone ou videoconferência, em caráter preliminar, deixando espaço para um eventual encontro bilateral mais estruturado em um segundo momento, talvez durante a cúpula do G20 em novembro. Ainda assim, creio que o simples gesto animou os mercados por dois motivos. Primeiro, porque reduz a probabilidade de sanções generalizadas contra a economia brasileira, restringindo o campo de ação americano a medidas direcionadas e individualizadas, com impacto mais limitado sobre os ativos. Em segundo lugar, porque enfraquece a ala mais radical da oposição, rejeitada pelo eleitorado para as eleições de 2026 e hoje representada sobretudo por Eduardo Bolsonaro, que enfrenta risco de perder o mandato, após ter sua indicação como líder da minoria rejeitada pelo presidente da Câmara, Hugo Motta, e responde a um processo disciplinar no Conselho de Ética. Esse movimento abre espaço para uma oposição mais moderada, como tenho dito aqui, que poderia se tornar competitiva nas eleições e trazer para o debate eleitoral a necessidade de reformas estruturais. A leitura é clara: não basta apenas vencer a eleição para então promover os ajustes, pois o lado derrotado inevitavelmente subiria ao palanque contra qualquer medida impopular. É fundamental que a necessidade de reformas seja colocada de forma transparente já no processo eleitoral, assumida por diferentes candidaturas, inclusive a do incumbente. Isso só será viável se houver um projeto genuinamente reformista e fiscalmente responsável, competitivo e crível perante a sociedade. Em minha avaliação, esse cenário ganhou força após os eventos de ontem.
No front fiscal, as discussões também avançaram. A Medida Provisória que cria alternativas à arrecadação do IOF deve ter hoje seu relatório publicado. Entre os pontos em análise, estão o aumento da alíquota de tributação das LCAs e LCIs de 5% para 7,5%, ao lado da isenção de IR para debêntures incentivadas, CRIs e CRAs (mantendo a isenção também para FIIs e Fiagros). O texto deve ainda estabelecer uma alíquota fixa de 17,5% de IR para os demais investimentos e criar duas faixas para a CSLL, de 15% e 20%, extinguindo a atual alíquota reduzida de 9%. Paralelamente, o governo discute medidas de socorro às empresas afetadas pelo recente tarifaço e a votação, prevista para 1º de outubro, do projeto que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil mensais. As frentes fiscais seguem intensas, mas nenhuma dessas medidas elimina a necessidade de um debate mais profundo sobre reformas estruturais, que só devem ganhar corpo a partir de 2027.
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· 01:45 — Esfriou?
O mercado americano encerrou a terça-feira em território negativo após declarações do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, que esfriaram o otimismo recente dos investidores. O S&P 500 recuou 0,6%, o Dow Jones perdeu 0,2% e o Nasdaq, mais pressionado pelo desempenho das empresas de tecnologia, caiu quase 1%. Ao longo do pregão, observou-se um movimento de realização de lucros em ações ligadas à inteligência artificial, com parte dos recursos migrando para papéis considerados mais defensivos, como small caps, empresas de valor e ações pagadoras de dividendos. O ambiente de cautela foi reforçado pela preocupação com uma possível paralisação do governo americano, após o presidente Donald Trump cancelar uma reunião com parlamentares democratas em meio ao impasse sobre o orçamento federal.
Em discurso realizado em Rhode Island, Powell classificou a conjuntura econômica como “desafiadora”. Segundo ele, o corte de 25 pontos-base nos juros promovido na semana passada não deve ser interpretado como início de uma flexibilização agressiva, mas sim como uma medida de “gestão de risco”, em resposta ao enfraquecimento do mercado de trabalho, mesmo com a inflação ainda elevada. Powell chamou atenção para os chamados “riscos bilaterais”: de um lado, a persistência de pressões inflacionárias; de outro, sinais de deterioração no emprego. Não existe um caminho livre de riscos para a política monetária e o Fed não está preso a um roteiro fixo, devendo seguir calibrando suas decisões conforme a evolução dos dados. A ausência de pistas mais claras sobre os próximos passos aumentou a incerteza entre os investidores, levando os índices a acelerarem as quedas durante sua fala.
· 02:33 — Risco de “shutdown”
O Congresso americano volta a flertar com a possibilidade de uma paralisação do governo — o chamado shutdown — a partir de 1º de outubro, após democratas e republicanos bloquearem a proposta de financiamento temporário. De um lado, os democratas pressionam por maiores recursos destinados à saúde; de outro, os republicanos defendem a manutenção de gastos contidos, aceitando apenas uma extensão simples até 21 de novembro. O cenário se complica ainda mais pelo calendário legislativo: o Senado entrou em recesso e só deve retomar os trabalhos em 29 de setembro, o que reduz a margem de negociação. Entre os republicanos, prevalece a expectativa de que os democratas acabem cedendo para evitar o desgaste de serem responsabilizados por uma interrupção dos serviços públicos.
O impasse ficou evidente na última sexta-feira, quando o Senado rejeitou tanto a proposta republicana quanto a democrata, elevando de forma significativa o risco de uma paralisação parcial. A Câmara, controlada pelos republicanos, havia aprovado um projeto de extensão do orçamento, mas o texto não alcançou os 60 votos necessários no Senado. O ponto central de discórdia é a destinação de recursos para segurança: os republicanos propuseram US$ 88 milhões adicionais, em resposta ao assassinato do ativista político Charlie Kirk, enquanto os democratas apresentaram um pacote mais amplo, de US$ 326 milhões, que incluía ainda a prorrogação dos subsídios do Obamacare e a reversão de cortes no Medicaid. Com o atual financiamento prestes a expirar e um Congresso paralisado, cresce de forma concreta a probabilidade de que o governo americano enfrente uma paralisação parcial já no início de outubro.
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· 03:29 — O efeito das tarifas
A OCDE divulgou ontem um relatório reforçando que a economia global ainda deverá sentir, de forma mais contundente, os impactos das tarifas impostas pelo presidente Trump. Embora o efeito inicial tenha sido menor do que o previsto, a instituição projeta uma desaceleração do crescimento nos próximos anos. Nos EUA, a expansão do PIB deve cair de 2,8% em 2024 para 1,8% em 2025 e 1,5% em 2026, à medida que as empresas exaurem os estoques de produtos importados e a pressão das tarifas se torna mais evidente. No plano global, as projeções também foram revistas: a estimativa de crescimento passou para 3,2% em 2025 e 2026, pouco acima dos 2,9% previstos em junho, mas ainda sinalizando uma trajetória de perda gradual de dinamismo.
Parte da resiliência da economia americana tem origem nos fortes investimentos em inteligência artificial realizados pelas grandes empresas de tecnologia, o que tem sustentado parte da atividade no curto prazo. No entanto, há sinais crescentes de fragilidade nos mercados de trabalho em diversas economias, incluindo os próprios EUA, além dos riscos adicionais capazes de aprofundar a desaceleração — entre eles, a imposição de novas tarifas ou uma correção nos mercados globais. Complementando esse diagnóstico, uma pesquisa conduzida pela Yale revelou que 71% dos CEOs entrevistados relataram prejuízos diretos decorrentes das tarifas de Trump, reforçando a percepção de que a política comercial americana, demasiadamente protecionista em sua retórica, tem gerado custos relevantes e duradouros para o ambiente corporativo.
· 04:12 — Algum fôlego
O presidente argentino Javier Milei não conseguiu garantir recursos diretos dos contribuintes americanos, mas obteve promessas de maior celeridade no repasse de verbas já aprovadas por organismos multilaterais. O Banco Mundial, por exemplo, deve antecipar US$ 4 bilhões de um pacote total de US$ 12 bilhões anunciado em abril. Além disso, Milei recebeu respaldo político de Donald Trump e do secretário do Tesouro, Scott Bessent, que sinalizaram disposição para oferecer todas as opções de estabilização, incluindo a possibilidade de empréstimos diretos. Tais medidas ajudam a aliviar a pressão de curto prazo e dão algum fôlego ao governo, mas estão longe de endereçar os problemas estruturais do país, que continuam marcados pela desconfiança dos credores, tensões políticas internas (as eleições de meio de mandato em outubro) e o risco iminente de esgotamento das reservas internacionais.
Apesar de ter cumprido a promessa de reduzir a inflação — que caiu de 26% em um só mês em 2023 para 1,9% no mês passado —, a estratégia de valorização do peso frente ao dólar trouxe efeitos colaterais significativos. O desemprego avançou em meio a uma economia em retração, enquanto o banco central foi obrigado a queimar reservas para sustentar a moeda: apenas na semana passada, foram gastos US$ 1,1 bilhão, de um total que não passa de US$ 20 bilhões. Para 2026, o país precisará enfrentar vencimentos de cerca de US$ 9,5 bilhões em dívidas, um desafio colossal diante da fragilidade das contas externas. O quadro se agrava com o fechamento de empresas e a deterioração do mercado de trabalho, fatores que corroem a popularidade de Milei, principalmente depois do escândalo envolvendo sua irmã. O risco político cresce justamente no momento em que o presidente mais precisa de apoio no Congresso, ampliando a incerteza sobre a sustentabilidade de sua agenda econômica reformista, que vinha entregando resultado, mas agora sofre com a sombra do kirchnerismo.
· 05:01 — Peça central em tempos de incerteza
O ouro voltou a avançar ontem, renovando tanto os recordes de fechamento quanto as máximas intradiárias. O movimento reflete, em grande parte, as apostas do mercado em novos cortes de juros nos Estados Unidos, mesmo que as falas do presidente do Federal Reserve não tenham oferecido sinais mais contundentes sobre a reunião de outubro. A leve queda global do dólar ajudou a impulsionar o metal precioso: o contrato para dezembro subiu mais de 1%, encerrando a US$ 3.815,70 por onça-troy, após tocar US$ 3.824,60 na máxima do dia. Nesta manhã, o ouro recua levemente, em ajuste técnico, mas ainda permanece próximo da marca simbólica de US$ 3.800. Trata-se de uma tese que seguimos acompanhando de forma…