Imagem: iStock/ Rawf8
O aguardado encontro entre Donald Trump e Vladimir Putin, agendado para hoje no Alasca, concentra as atenções do mercado na reta final do pregão, sustentando expectativas de possíveis avanços rumo a um acordo de paz na Ucrânia — ainda que um cessar-fogo imediato não esteja no horizonte (haveria resistência ucraniana aos termos russos).
Nos EUA, o índice de preços ao produtor (PPI) de julho veio ontem acima das projeções, reacendendo preocupações com o repasse das tarifas comerciais à inflação e, consequentemente, com a possibilidade de o Federal Reserve ter seu espaço para cortes de juros mais restrito. Nesse cenário, as vendas no varejo e outros indicadores de atividade e preços ganham peso adicional hoje para orientar a trajetória das Treasuries e do dólar, exercendo pressão sobre os ativos (inclusive brasileiros).
No panorama internacional, o sentimento dos mercados é misto. A China decepcionou com dados de produção industrial e vendas no varejo aquém do esperado, ampliando as incertezas sobre a capacidade de sua economia sustentar a demanda global. Ainda assim, na Ásia, as bolsas fecharam majoritariamente em alta, com exceção de Hong Kong, penalizada por quedas acentuadas no setor imobiliário. O petróleo recuou diante da combinação entre as expectativas para o encontro Trump-Putin e as preocupações renovadas com a demanda chinesa, reforçadas pelos números mais fracos de atividade que citei anteriormente. Na Europa, as bolsas avançam nesta manhã antes da cúpula no Alasca, em um pregão esvaziado de indicadores na região, com foco voltado aos dados dos EUA. Já os futuros americanos exibem desempenho misto.
· 00:56 — Gelo fino em terras tropicais
No cenário doméstico, seguimos particularmente sensíveis ao humor global, em especial às oscilações da moeda americana. No início da semana, dados de inflação ao consumidor nos EUA trouxeram alívio aos mercados, animando investidores e fortalecendo as apostas em cortes de juros pelo Federal Reserve. Contudo, esse otimismo foi parcialmente contido ontem (14), com a divulgação do índice de preços ao produtor de julho, que registrou alta acima do esperado. O dado reacendeu preocupações com o repasse das tarifas comerciais à inflação e colocou em dúvida a trajetória projetada para a política monetária americana. A mudança no clima internacional se refletiu de imediato nos ativos locais: o Ibovespa encerrou em queda, enquanto o dólar avançou. Tudo isso, claro, enquanto o mercado ainda assimila a temporada de resultados corporativos. Internamente, o resultado inesperado do setor de serviços — crescimento de 0,3% em junho, sustentado quase exclusivamente pelo transporte ligado ao escoamento de safras agrícolas e à produção mineral — reduziu o risco de revisão negativa para o PIB do 2º trimestre. Ainda assim, o dado não muda a leitura predominante de desaceleração da economia brasileira: embora marque a quinta alta mensal consecutiva e a maior expansão trimestral do ano, seis dos sete segmentos de serviços recuaram. Em outras palavras, ainda há espaço para que o corte de juros ocorra entre o fim deste ano e o início de 2026. Caso o Federal Reserve inicie seu ciclo de afrouxamento monetário entre setembro e outubro, não se pode descartar a possibilidade de já vermos uma redução em dezembro, por exemplo.
Apesar desse pano de fundo, chama atenção o bom desempenho dos ativos brasileiros em agosto, mesmo diante da piora relativa recente. Como venho ressaltando, na ausência de surpresas negativas no campo fiscal e comercial, havia espaço para que o mercado doméstico continuasse a performar bem. No entanto, os últimos dias trouxeram justamente o oposto. Primeiro, com o anúncio de um pacote de contingenciamento para auxiliar empresas afetadas pelo tarifaço, medida mal recebida pelo mercado (como falei ontem, mais uma exceção à meta do arcabouço, acompanhada de novos contornos para medidas parafiscais, daquelas que nascem com o rótulo de temporárias, mas acabam se tornando permanentes). Em seguida, com o tom mais agressivo adotado pelo governo brasileiro nas negociações comerciais, resgatando uma retórica de viés antiamericano (também culpada pelo tarifaço que experimentamos hoje). E, por fim, com as recentes declarações de Donald Trump, acusando o Brasil de tratar mal os EUA no comércio, criticando a legislação nacional e voltando a manifestar apoio ao ex-presidente Bolsonaro. Esses elementos combinados aumentam a tensão fiscal e diplomática, reduzem substancialmente a probabilidade de um avanço nas negociações comerciais no curto prazo — frustrando expectativas do próprio governo e de empresas prejudicadas — e reforçam a necessidade de vigilância quanto ao risco de uma escalada no conflito comercial.
- [Seleção “premium” de fundos imobiliários] Veja quais são os 5 FIIs recomendados pelo analista Caio Araujo para buscar ótimos dividendos mensais. Baixe aqui o relatório gratuito.
· 01:44 — Navegando com calma
Nos EUA, os principais índices acionários encerraram o pregão de quinta-feira praticamente inalterados, apesar de um dado de inflação ao produtor acima das expectativas, o que trouxe mais cautela às projeções para a trajetória de juros. O S&P 500 avançou discretos 0,03%, garantindo seu 18º recorde de fechamento no ano e a terceira alta consecutiva, enquanto o Dow Jones recuou 0,2% e o Nasdaq cedeu 0,1%. Em julho, o PPI subiu 0,9% no mês e 3,3% na comparação anual, com o núcleo acelerando para 3,7%. O avanço foi impulsionado pelo segmento de serviços — em especial trade services, transporte aéreo e serviços financeiros —, mas também contou com alta nos bens básicos (+0,4%), sinalizando efeitos indiretos das tarifas comerciais. Por ora, parte desse aumento de custos ainda não foi repassada ao consumidor, já que as empresas absorveram parte da pressão, mas esse cenário pode se reverter, elevando os preços ao varejo e dificultando cortes de juros pelo Federal Reserve. Ainda assim, a reação moderada do mercado foi interpretada de forma construtiva, sugerindo que a tendência de alta das ações pode ser sustentada mesmo sem cortes imediatos na taxa básica (se o corte vier apenas em outubro ao invés de setembro).
A divulgação do PPI reduziu levemente as apostas de corte de 25 pontos-base pelo Fed na reunião de setembro, que passaram de quase 100% para menos de 95%, segundo o CME Group. O mercado, por vezes, tende a um preciosismo excessivo. Alterar uma data de um mês para outro, em essência, não deveria provocar grande impacto. No entanto, diante de um ambiente em que todos estão extremamente sensíveis e ansiosos, vale registrar a observação — até porque movimentos assim podem, sim, gerar volatilidade no curto prazo. Agora, as atenções se voltam para o Simpósio de Jackson Hole, na semana que vem, quando Jerome Powell deverá apresentar sua visão para a economia, e para os próximos indicadores-chave — como mercado de trabalho e inflação — que serão determinantes para as decisões de política monetária. Antes do encontro de 17 de setembro, haverá ainda mais um conjunto relevante de dados de emprego e preços. No curto prazo, a expectativa é de que o mercado reaja de forma mais volátil às divulgações, especialmente em um contexto de valuations elevados. Entre os números de hoje, destacam-se as vendas no varejo de julho, com projeção de alta de 0,5% na base mensal (0,3% excluindo automóveis), e o índice de Sentimento do Consumidor da Universidade de Michigan para agosto, com consenso em 61,7. Além disso, o comportamento dos preços de importação será monitorado de perto: quedas mais acentuadas que a tendência e superiores às observadas em outras regiões indicariam capacidade dos importadores americanos de mitigar o impacto das tarifas comerciais sobre o consumidor.
· 02:32 — Estatismo?
O governo Trump estaria considerando a possibilidade de adquirir uma participação acionária na Intel. Embora fontes descrevam os planos como “fluidos”, a negociação envolveria o governo dos EUA assumindo parte do capital da fabricante de chips, com o propósito de viabilizar a construção de uma aguardada fábrica no estado de Ohio. Essa possível intervenção se encaixa no padrão recente de atuação da Casa Branca na intermediação de acordos estratégicos para o setor, como no caso da “golden share” da Nippon Steel sobre a US Steel e, mais recentemente, no arranjo que garante aos EUA 15% da receita da Nvidia proveniente das vendas do chip H20 para a China.
A efetivação do acordo estaria condicionada à permanência de Lip-Bu Tan no cargo de CEO da Intel. Caso se confirme, o movimento reforçaria a estratégia de Washington de ampliar o controle e a influência sobre setores considerados vitais para a segurança nacional e para a competitividade tecnológica americana, em meio à acirrada disputa global pela liderança na produção de semicondutores. No entanto, a abordagem revela uma faceta intervencionista estatista pouco condizente com um modelo econômico de mercado dinâmico e inovador como o americano, remetendo mais a práticas ultrapassada vistas na América Latina na segunda metade do século passado — mas que, ao que parece, é o jogo que o atual governo americano decidiu jogar.
· 03:25 — Boom de fábricas
Nos últimos anos, diversas economias avançadas — com destaque para os EUA e o Reino Unido — vivenciaram um expressivo ciclo de expansão na construção de fábricas. O aumento do porte dessas instalações sugere que uma fatia cada vez maior da produção manufatureira está sendo concentrada dentro dessas novas plantas. Curiosamente, países que nas últimas décadas tiveram um nível limitado de investimento nesse tipo de infraestrutura agora despontam como os mais propensos a direcionar capital para o setor. No entanto, esse avanço não tem se traduzido em crescimento significativo do emprego industrial, o que indica que boa parte desses recursos esteja sendo aplicada para substituir mão de obra por capital, em vez de gerar novos postos de trabalho. Ainda assim, o movimento sinaliza um reposicionamento estratégico das cadeias de produção. É a formação de uma nova dinâmica global.
Em alguns casos, políticas públicas desempenharam papel determinante, seja incentivando, seja impondo a construção de novas fábricas. Além disso, há um claro componente de relocalização produtiva, impulsionado por avanços tecnológicos que tornam mais eficiente produzir próximo ao consumidor final, reduzindo custos logísticos e riscos associados a cadeias de suprimento longas e complexas. Ainda assim, a recente desaceleração no ritmo de construção de fábricas nos Estados Unidos funciona como um lembrete importante: mesmo tendências estruturais aparentemente robustas podem ser enfraquecidas ou revertidas diante de mudanças abruptas ou incertezas prolongadas na condução da política econômica. E ela tem sido bem errática…
· 04:11 — Geopolítica em ponto de congelamento
A cúpula entre Donald Trump e Vladimir Putin, marcada para esta sexta-feira (15) em uma base militar no Alasca, terá como tema central a guerra na Ucrânia — mas ocorrerá sem a presença de Kiev à mesa de negociações. A ausência ucraniana torna qualquer possibilidade de acordo efetivo pouco provável, dado que o presidente Volodymyr Zelensky mantém firme a posição de não ceder territórios e insiste em participar diretamente das conversas. Do lado russo, as exigências incluem a entrega das regiões de Donetsk e Luhansk, que formam o Donbass, a garantia de que a Ucrânia não ingressará na OTAN e o alívio das sanções econômicas internacionais. Se atendidas, essas condições representariam uma vitória geopolítica expressiva para Moscou após anos de conflito. No terreno militar, avanços recentes das forças russas no leste ucraniano reforçam a percepção de que Putin chega ao encontro em posição de força, confiante para negociar a partir de uma postura dominante. Antes da reunião, Trump realizou uma videoconferência com líderes europeus e com Zelensky, descrevendo a conversa como “muito boa” e defendendo que qualquer plano de paz deva começar com um cessar-fogo e incluir a participação ucraniana — ainda que alguns aliados manifestem receio de que o presidente norte-americano adote um tom mais flexível após o encontro presencial com o líder russo. Algo a ser testado ainda.
O resultado desse diálogo também poderá repercutir de forma relevante sobre os mercados de energia. Nas últimas semanas, as cotações do Brent e do WTI recuaram cerca de 4%, refletindo o desequilíbrio entre oferta elevada e demanda moderada, enquanto o índice setorial de energia dos EUA caiu 1,2%. Nesse contexto, um avanço concreto rumo à paz poderia empurrar os preços do petróleo para a faixa de US$ 60 por barril (ou menos); por outro lado, um impasse nas negociações, acompanhado de novas sanções mais severas contra Moscou, poderia levar as cotações novamente acima de US$ 70 (ou algo mais perto de US$ 80). As restrições atualmente em vigor já limitam as exportações de petróleo russo para Europa e Estados Unidos, embora não as interrompam completamente, e Washington chegou a sinalizar a possibilidade de impor sanções secundárias à Índia caso continue adquirindo o produto russo. É importante lembrar que essa cúpula ocorre após o prazo de 8 de agosto fixado por Trump para que Putin aceitasse um cessar-fogo — ultimato que expirou sem resultado —, o que aumenta a expectativa sobre a disposição do presidente americano em adotar medidas punitivas mais duras caso as conversas não avancem.
· 05:07 — Dando sequência ao nosso giro pelos resultados
Com o encerramento da temporada de resultados do segundo trimestre de 2025 no Brasil, retomei ontem a análise de alguns nomes que figuram em minhas recomendações neste espaço desde o final de 2023. Como já destaquei anteriormente, não tivemos por aqui uma safra tão vibrante quanto a observada nos Estados Unidos — algo compreensível diante do atual patamar de juros domésticos, que naturalmente limita o ímpeto para grandes surpresas positivas. Ainda assim, não foi um período irrelevante: diversas companhias sob nosso acompanhamento entregaram desempenhos sólidos, mesmo enfrentando um ambiente macroeconômico desafiador, marcado por custos de capital elevados; outras, inclusive, superaram as estimativas de mercado, provando capacidade de execução diferenciada.
Entre os destaques…