Investimentos

Quais são as consequências práticas do ‘teatro tarifário’ de Donald Trump?

Novas tarifas anunciadas passam a valer em 1º de agosto, data reconfigurada por Trump como novo prazo-limite para acordos

Por Matheus Spiess

08 jul 2025, 09:25 - atualizado em 08 jul 2025, 09:25

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Imagem: Wikimedia Commons

Donald Trump inaugurou uma nova rodada de tarifas comerciais. Desta vez, a alíquota de 25% recaiu, por exemplo, sobre produtos vindos da Coreia do Sul e do Japão — dois dos principais fornecedores dos Estados Unidos, juntos responsáveis por 8,5% das importações americanas no último ano. A ofensiva, porém, não parou por aí: outros países também foram atingidos, num gesto que reforça a lógica de confronto que pauta a atual política externa americana. A retórica é agressiva e volátil: os anúncios são feitos como ultimatos, mas voltam atrás com a mesma rapidez com que foram proferidos. O pano de fundo: quem não começou a negociar depois das tarifas de abril virou alvo de nova ameaça — e se houver retaliação, a tarifa será dobrada. A consequência: o risco inflacionário volta a rondar os EUA, justamente no momento em que o Federal Reserve busca espaço para cortar juros no segundo semestre do ano.

As novas tarifas passam a valer em 1º de agosto, data reconfigurada por Trump como novo prazo-limite para acordos, com o objetivo de negociar com os países ainda relutantes. O mercado, já habituado aos sobressaltos da política comercial americana, assiste com a combinação de cautela e desconfiança. No fundo, é mais um capítulo da já conhecida coreografia trumpista: eleva o tom, ameaça com sanções, posterga decisões e mantém os mercados sob tensão contínua. Enquanto isso, o relógio corre, os prazos se renovam, e a única certeza que se tem é a de que incertezas continuarão sendo precificadas. As bolsas europeias abriram estáveis, refletindo mais um certo esgotamento emocional do que qualquer tipo de convicção. Já no mercado de commodities, o petróleo opera em queda, pressionado pela combinação de estoques elevados, redução das tensões geopolíticas e temores de uma nova escalada comercial — o último ponto ampliaria o risco de desaceleração da atividade global.

· 00:54 — O pêndulo político brasileiro balança por conta própria — e não precisa de plateia internacional

No Brasil, o Ibovespa iniciou a semana em queda, após ter tocado pela primeira vez os 141 mil pontos no último pregão. O movimento de realização por aqui acompanha o aumento da incerteza comercial no exterior, agravado por novas declarações do presidente americano, Donald Trump, a respeito do Brasil e do BRICS. Como mencionei ontem, Trump sinalizou que aplicaria uma tarifa adicional de 10% sobre qualquer país que demonstrasse alinhamento ao bloco — o que, para ele, se tornou sinônimo de antagonismo ao Ocidente. Em seguida, numa escalada deliberada de tensão política, o presidente ainda publicou mensagens de apoio a Jair Bolsonaro, alegando que este estaria sendo alvo de perseguição. A intenção era clara: provocar o atual presidente Lula em plena Cúpula dos BRICS — parece ter irritado Trump. Mas ao atacar o judiciário, Trump acabou, na prática, oferecendo um presente político a Lula.

Isso porque um dos riscos para a tese de inflexão política em 2026 — com a derrota do lulopetismo e a eleição de um governo mais reformista e pró-mercado — é justamente uma eventual interferência desastrosa e mal calibrada de Trump. A postagem de ontem, embora pequena em termos práticos, materializa esse risco. Se os Estados Unidos resolverem intervir no debate político brasileiro, mesmo que simbolicamente, podemos entregar de mão beijada a eleição que poderia representar uma verdadeira guinada estrutural no país. O histórico está aí para quem quiser ver: em quase toda eleição onde Trump tentou interferir, o resultado foi a vitória da esquerda. Casos como os do Canadá e da Austrália são particularmente curiosos — ainda que marcados por contextos específicos, como a língua, a proximidade geográfica e o protagonismo que os nomes dessas nações têm para o eleitorado americano, o paralelo é válido.

Lula, até então em trajetória de desgaste e com dificuldade de articulação, pode saber aproveitar a deixa. Transformou a crítica externa em discurso interno de defesa da soberania nacional, afirmando que Trump deveria “cuidar da própria vida” e lembrando que “este país tem lei, tem regra e tem um dono: o povo brasileiro”. O tom nacionalista casa perfeitamente com a estratégia lulista de reativar o antagonismo “nós contra eles”, que radicaliza a militância, amplia o engajamento digital e fortalece o discurso de enfrentamento — mesmo que pouco eficaz para vencer eleições, é útil para uma oposição em formação (depois de 2026). Como se não bastasse, essa retórica casou com o uso coordenado de inteligência artificial e robôs em redes sociais para resgatar a velha narrativa de “ricos contra pobres”, que vem agitando a bolha digital da esquerda.

Nesse contexto, o STF declarou que não responderá oficialmente à publicação de Trump. E nem precisa, sejamos sinceros. A postagem poderia ser considerada irrelevante, mas tem efeito simbólico poderoso — o suficiente para reorganizar ânimos na base bolsonarista fanática, ainda que sem qualquer consequência jurídica real. Foi, tecnicamente, a primeira manifestação direta de Trump em defesa de Bolsonaro, e só veio à tona como reação à insatisfação americana com a Cúpula dos BRICS. O conteúdo, inclusive, é mais autopromocional do que substantivo, encerrando com a frase plastificada: “deixem Bolsonaro em paz”. Trump não vai impedir condenação, muito menos prisão, nem romper relações diplomáticas se a eleição brasileira não for vencida por um de seus aliados — especialmente se houver um nome da direita com algum nível de viabilidade eleitoral. Foi um agrado simbólico, nada mais do que isso.

Apesar disso, a publicação causou euforia nos setores mais radicais da oposição, ofuscando momentaneamente nomes que vinham ganhando força dentro da direita. O cenário-base segue de pé: a vitória da oposição em 2026 ainda parece mais provável do que a reeleição de Lula. Mas o desafio continua sendo construir uma candidatura capaz de unir três pilares: a popularidade da base bolsonarista, a credibilidade técnica da centro-direita liberal e a governabilidade articulada com o Centrão. Um nome da família Bolsonaro ou excessivamente radicalizado tenderia a gerar altos índices de rejeição, jogando contra a própria oposição. A insistência em candidaturas de desgaste elevado — ou a recusa em convergir para uma figura com menor rejeição e maior viabilidade — pode acabar servindo à manutenção do lulopetismo no poder.

Enquanto a direita se divide e se sabota, Lula recupera fôlego. Mesmo com popularidade em baixa e enfrentando um Congresso pouco receptivo, o presidente reencontra uma narrativa agregadora, ao assumir o papel de “defensor da soberania nacional” contra ingerências externas. Ao mesmo tempo, vídeos e memes de guerra de classes multiplicam o engajamento de sua base nas redes — o que, no médio prazo, pode dificultar a articulação legislativa, mas fortalece o discurso de militância. Nada disso muda, por ora, o cenário principal: ainda estamos diante de uma disputa em aberto. Mas a postagem de Trump trouxe ruído desnecessário, elevou a temperatura e jogou água no moinho do discurso petista. O timing não poderia ser pior: justo quando o governo ensaiava nova queda de braço com o Congresso ao ameaçar vetar o projeto que aumenta o número de deputados (de 513 para 531) — mesmo com a audiência de reconciliação entre Planalto e Legislativo marcada por Alexandre de Moraes para 15 de julho —, Trump resolve improvisar política externa em 280 caracteres. Em suma, Lula estava fraco e desgastado — mas agora, com base radicalizada, engajada e com discurso nacionalista renovado, ganha inesperado reforço. E tudo isso por causa de um post mal calculado. A lição: o pêndulo político brasileiro se movimenta por dinâmicas internas. E não precisa — nem se beneficia — de torcida organizada estrangeira.

· 01:49 — Tentando pegar fôlego

Nos EUA, os mercados iniciaram a semana no vermelho, com o tema das tarifas voltando a dominar o noticiário e os humores dos investidores. Depois de algum estresse inicial, o mercado havia assimilado — talvez de forma excessivamente complacente — a ideia de um novo piso tarifário em torno de 10%. Mas o otimismo foi prematuro. O presidente Donald Trump enviou uma nova leva de cartas a diversos países, sinalizando que as alíquotas podem subir além do que se imaginava. O movimento, embora ruidoso, não chega a ser surpreendente — e talvez por isso as quedas tenham sido contidas, após os índices renovarem máximas na semana anterior. Já se tornou padrão: a Casa Branca sobe o tom, gera tensão e, depois, recua parcialmente — o mercado já começa a precificar como um novo “modus operandi”.

Trump parece confortável em assustar os mercados com exigências abruptas, apenas para revê-las mais adiante — uma estratégia de barganha onde o caos é parte do método. Os investidores, calejados, agora operam com a expectativa de que esse ciclo se repita. E, de fato, há um alívio momentâneo: embora esta quarta-feira fosse a data-limite para o fim da pausa tarifária recíproca de 90 dias, o governo americano anunciou uma prorrogação até 1º de agosto. Uma boa notícia? Em parte. A extensão do prazo oferece alguma margem para negociação, mas também perpetua o limbo no qual empresas e consumidores se encontram — à espera de definições que nunca chegam. O custo da incerteza segue pesando. E, para o Federal Reserve, que ainda ensaia cortes de juros no segundo semestre, a deterioração do ambiente comercial global não ajuda em nada. A tese de afrouxamento monetário continua viva — mas cada nova cartada comercial de Trump adiciona um obstáculo a mais no caminho.

· 02:31 — Novas tarifas

A Casa Branca confirmou ontem o que já se tornara previsível: Donald Trump decidiu adiar, mais uma vez, a imposição das novas tarifas comerciais — empurrando o deadline para 1º de agosto, pouco antes do vencimento oficial da pausa de 90 dias, que se encerraria nesta quarta-feira. A prorrogação, no entanto, veio acompanhada de novas cartas enviadas a diversos países, agora recheadas de ameaças específicas: tarifas de 25% para Japão, Coreia do Sul, Malásia e Cazaquistão; 30% sobre produtos sul-africanos; e, no caso de Laos e Mianmar, um escalonamento ainda mais agressivo, com alíquota de 40%. Em outras palavras, a diplomacia tarifária de Trump continua a operar no modo “morde e assopra”, com mais “morder” do que qualquer outra coisa.

Com o novo prazo em vigor, governos asiáticos se mobilizam às pressas para tentar reverter o cenário. A Coreia do Sul anunciou que ajustará suas regulações para atender às demandas americanas — um esforço apressado para evitar que as ameaças se concretizem. O Japão, por sua vez, pela voz do primeiro-ministro Shigeru Ishiba, declarou estar engajado em buscar um acordo que beneficie ambas as partes, após a aplicação de tarifas de 25% sobre produtos japoneses. A mensagem da Casa Branca é clara: ou assina o acordo que Washington quer, ou paga caro por isso. Agora, com cerca de três semanas no relógio, os países alvo dessas medidas correm contra o tempo — não exatamente em busca de melhores termos, mas tentando minimizar os danos. Como disse, a incerteza é ruim para a percepção de inflação no curto prazo.

· 03:23 — Shadow Fed?

E já que o tema é inflação e política monetária, vale destacar um novo ruído vindo de Washington: a Casa Branca está acelerando os bastidores para nomear um novo presidente para o Federal Reserve. Embora a atual gestão negue qualquer decisão iminente, os mercados captaram o sinal de alerta — até porque, quando o assunto é Donald Trump, a distância entre “não está nos planos” e “está feito” costuma ser curta. O mandato de Jerome Powell termina apenas em maio do ano que vem, e não há indicação formal de que esse calendário será antecipado. Mas o simples fato de discutir sucessores com antecedência já alimenta especulações de ingerência política.

Se Trump decidir anunciar o nome agora, mesmo sem mandato concluído, o movimento será lido como tentativa de instaurar um “Shadow Fed” — uma espécie de presidente paralelo do banco central, posicionado para pressionar a autoridade monetária a agir segundo os caprichos da Casa Branca do lado de fora, trabalhando as expectativas do mercado para 2026. Isso comprometeria a percepção de independência do Fed, elemento-chave para a credibilidade da política monetária americana. Entre os nomes cotados estão Kevin Warsh (ex-membro do Board), Kevin Hassett (diretor do Conselho Econômico Nacional) e Scott Bessent (atual secretário do Tesouro). Warsh desponta como favorito — e, justiça seja feita, seria uma escolha muito respeitável. Mas, ainda assim, o simples debate sobre a sucessão antecipada já é suficiente para reacender a volatilidade e manter os investidores em estado de vigilância. Afinal, política monetária e populismo raramente formam uma boa dupla.

· 04:12 — Um novo partido

Elon Musk decidiu jogar gasolina no barril já inflamável da política americana. Irritado com o “Big Beautiful Bill” — proposta legislativa que, segundo ele, feriu diretamente seus interesses —, o bilionário anunciou publicamente a intenção de fundar o “Partido América”, uma alternativa ao sistema bipartidário (ou, como ele chama, unipartidário) que perpetua o gasto governamental. A ruptura com o Partido Republicano foi selada quando o projeto de lei retirou incentivos fiscais robustos para veículos elétricos e, na prática, ainda apagou seu papel no governo (no DOGE). Musk, que gastou cerca de US$ 300 milhões para ajudar Trump a retornar à Casa Branca, agora percebe que, ao apostar no cavalo errado, pode ter enfraquecido a si mesmo e sua ideia de país.

Segundo Musk, bastaria conquistar algo como três cadeiras no Senado e dez na Câmara para influenciar legislações controversas. A ideia, embora ainda embrionária, não é trivial — e seu potencial de adesão deve ser levado a sério. No curto prazo, o Partido América pode corroer os republicanos, mas o establishment democrata também não escaparia ileso caso continue cedendo espaço a candidatos cada vez mais progressistas, identitários (woke) ou abertamente socialistas. A resposta de Trump veio no tom esperado: minimizou a iniciativa e disse que “terceiros partidos nunca funcionam nos EUA”. Pode ser. Mas este, vindo de alguém com dinheiro, megafone e base engajada, tem tudo para se tornar uma pedra incômoda no sapato da velha política de Washington. Para investidores, o recado é claro: o embate entre Musk e Trump não é só barulho de bastidor — ele aprofunda as incertezas políticas.

· 05:05 — Novos ataques cibernéticos

A Cybernews revelou o que já se tornou rotina no mundo digital, mas em escala inédita: mais de 16 bilhões de senhas foram expostas em uma violação de dados recorde, comprometendo o acesso a serviços como Facebook, Google, Apple e praticamente qualquer outro nome imaginável. Com esse arsenal, cibercriminosos passam a ter um passe livre para invadir contas, roubar identidades e orquestrar ataques de phishing altamente direcionados. A cada novo vazamento, o questionamento se repete — empresas e indivíduos se perguntam se estão realmente protegidos. Como já ficou claro, porém, não existe entidade grande ou sofisticada o bastante que esteja a salvo.

O custo global do cibercrime ultrapassou US$ 8 trilhões em 2023, superando o PIB da maioria dos países — e deve chegar a US$ 14 trilhões até 2028, segundo projeções. Se fosse uma economia, o cibercrime já seria a terceira maior do planeta, atrás apenas de EUA e China. E quanto se gasta hoje para combater esse monstro? Aproximadamente…

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.