Investimentos

Tarifas de Trump voltam a gerar incertezas nos mercados globais; no Brasil, Ibovespa enfrenta desafios domésticos — veja os destaques do dia

Ainda assim, há uma fagulha de otimismo: especula-se a possibilidade de um diálogo entre Trump e Xi Jinping nos próximos dias

Por Matheus Spiess

03 jun 2025, 09:59 - atualizado em 03 jun 2025, 09:59

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Imagem: x.ia (grok, IA do X)

A incerteza voltou a dar as caras nos mercados globais, desta vez reacendida pelos novos ruídos em torno da agenda tarifária de Donald Trump. O presidente norte-americano ressurgiu com ameaças veladas de ampliar barreiras comerciais, colocando mais uma vez o mundo em compasso de espera. Ainda assim, há uma fagulha de otimismo: especula-se a possibilidade de um diálogo entre Trump e Xi Jinping nos próximos dias, o que tem servido de trégua emocional para os investidores mais sensíveis a qualquer gesto diplomático. Não à toa, os mercados asiáticos reagiram positivamente nesta madrugada, embalados por essa esperança volátil de que a retórica beligerante possa dar lugar, ainda que brevemente, a um tom conciliador.

O alívio, porém, é frágil e se apoia em terreno instável. Dois focos de preocupação seguem no radar:

  • i) a atividade manufatureira chinesa voltou a decepcionar, atingindo o menor nível desde setembro de 2022; e
  • ii) as eleições na Coreia do Sul adicionam mais um componente de incerteza, com possíveis implicações geopolíticas dependendo do grau de alinhamento que o novo governo adotar em relação a Washington.

Na Europa, os mercados operam de forma errática nesta manhã, sem direção clara, enquanto os futuros americanos recuam levemente — talvez sinalizando que o entusiasmo com eventuais acenos entre EUA e China ainda não é suficiente para dissipar o nevoeiro. 

· 00:52 — De poço em poço, o Tesouro enche o bolso

No Brasil, o Ibovespa prolongou a ressaca de sexta-feira e voltou a cair ontem, refletindo o humor azedo dos investidores diante de um cenário interno ainda mais desafiador (o corte no preço da gasolina para as distribuidoras impediu que a Petrobras acompanhasse a alta do barril de petróleo). Para hoje, o destaque é a divulgação da produção industrial de abril, que deve desacelerar, sinalizando uma economia que começa a desacelerar gradualmente. Enquanto isso, em Brasília, as atenções se voltam às negociações conduzidas por Fernando Haddad com o Congresso, na tentativa de encontrar um “plano B” que suavize o impacto do aumento do IOF e, ao mesmo tempo, lance alguma isca de medidas estruturantes para os parlamentares. Após o estrago político e reputacional causado pelo decreto, a Fazenda agora admite “ajustar” a medida. O episódio forçou debates estruturais que o governo evitava.

Um dos temas que pode voltar à mesa é a desoneração da folha de pagamentos, que hoje custa R$ 22 bilhões anuais aos cofres públicos. Esse, no entanto, é apenas um entre os muitos gastos tributários que drenam o orçamento — as chamadas “renúncias fiscais” já ultrapassam R$ 800 bilhões por ano. Embora seja justo revisitar esses benefícios, o governo mais uma vez opta por aumentar a arrecadação sem mexer na raiz do problema: o crescimento contínuo e descontrolado das despesas obrigatórias. Outros temas espinhosos que exigiriam coragem — como a revisão dos supersalários do funcionalismo ou das regras de aposentadoria das Forças Armadas — seguem em banho-maria, dado o evidente déficit de capital político da atual gestão. 

Diante disso, o governo volta seus olhos — e sua fome arrecadatória — para onde sempre há margem: o setor de óleo e gás. Em pauta na ANP, uma proposta de revisão das regras que definem os preços de referência do petróleo para cálculo das participações governamentais (como royalties) pode render até R$ 10 bilhões por ano aos cofres públicos. Trata-se de uma operação de engenharia fiscal digna dos tempos de heterodoxia explícita da era Dilma: um malabarismo tributário travestido de modernização regulatória. A medida, que está em discussão desde 2023, é agora apresentada como alternativa mais palatável ao impopular aumento do IOF — um “plano de arrecadação de emergência” disfarçado de ajuste técnico.

Mas a imaginação arrecadatória não para por aí. O Ministério de Minas e Energia está tentando emplacar um pacote mais amplo de medidas sobre o setor de petróleo, que pode adicionar mais de R$ 20 bilhões ao caixa, incluindo receitas de leilões de áreas não contratadas do pré-sal, venda de óleo da União pela PPSA e outras medidas regulatórias. Em resumo, o governo se desdobra para encontrar novas receitas sob qualquer pedra, sem demonstrar disposição real para revisar gastos. O vício arrecadatório segue firme, enquanto o ajuste verdadeiro continua sendo empurrado para o próximo da fila — como de costume. A trajetória atual torna 2027 cada vez mais preocupante, com risco crescente de colapso fiscal contratado pelo governo atual. O que impede, por ora, uma correção mais drástica nos preços de mercado é a expectativa implícita de alguma inflexão relevante nas eleições de 2026.

· 01:49 — Começa a temporada dos dados de emprego

Com os mercados americanos aparentemente imunizados ao barulho geopolítico, as bolsas encerraram a segunda-feira em alta, mesmo com o recrudescimento das tensões comerciais entre EUA e China. O drama tarifário — que dominou as manchetes nos últimos dois meses — parece ter perdido parte de sua capacidade de gerar pânico. As ameaças recentes, embora ruidosas, não conseguiram virar o jogo. 

Em parte, o alívio veio da força renovada do setor de tecnologia, que voltou a embalar o humor dos investidores. Ainda assim, o dia não começou exatamente promissor: os mercados abriram em baixa após a China acusar formalmente a Casa Branca de “prejudicar gravemente” o acordo firmado em Genebra. As críticas surgiram como resposta direta aos comentários do presidente Donald Trump, que, na sexta-feira, afirmou que Pequim “violou completamente” os termos negociados. Em suma, segue o roteiro já conhecido: ruídos geopolíticos de um lado, euforia com tecnologia do outro.

Na agenda, começa a temporada de dados do mercado de trabalho, com a divulgação do relatório JOLTS (“Job Openings and Labor Turnover Survey”, ou “Pesquisa de Vagas de Emprego e Rotatividade de Mão de Obra”), que mede a quantidade de vagas em aberto e a rotatividade da força de trabalho. A expectativa do mercado é de 7,1 milhões de vagas em abril, uma leve queda frente aos 7,2 milhões observados em março. Caso os números venham mais fracos que o esperado, aumentam as apostas de que o Fed pode finalmente abrir espaço para discutir cortes de juros.

· 02:36 — Um telefonema

As investidas protecionistas de Donald Trump voltaram a deixar suas impressões digitais na economia global — e, segundo a OCDE, o estrago não é pequeno. De acordo com a nova projeção da entidade, o crescimento mundial deve desacelerar de 3,3% em 2024 para 2,9% neste ano (o ritmo mais fraco desde a pandemia). E, ironicamente, os próprios EUA estão entre os mais prejudicados por sua cruzada tarifária. Em outras palavras: a guerra comercial que pretendia proteger a economia americana pode, na prática, estar puxando o freio de mão do crescimento global.

No campo diplomático, há rumores de uma possível conversa entre Trump e o presidente chinês Xi Jinping ainda nesta semana. A Casa Branca já ventilou a possibilidade, mas Pequim permanece em silêncio — e, até agora, não há sinais concretos de que um avanço real esteja no horizonte. Se o diálogo acontecer, será o primeiro contato formal entre os dois líderes desde janeiro, antes da posse de Trump. Mesmo que a ligação se confirme, a chance de um entendimento rápido é pequena. 

Enquanto isso, os EUA tentam acelerar negociações com outros países, potencialmente recorrendo a instrumentos de coerção que, mais uma vez, podem elevar a temperatura da incerteza global. Para agravar o quadro, ainda há dúvidas jurídicas sobre a legalidade de parte das tarifas impostas por Trump, especialmente à luz de uma decisão recente do Tribunal de Comércio Internacional americano. Em suma: além de imprevisível, o tabuleiro comercial está perigosamente instável — e os próximos lances do presidente americano podem custar caro.

· 03:23 — Um dólar mais fraco

O Dollar Index até ensaia uma recuperação nesta manhã. Mas isso está longe de reverter a tendência mais ampla das últimas semanas. O que temos visto, na prática, é um movimento coordenado de fortalecimento das principais moedas do G10 — notadamente o euro, a libra e o iene — em um cenário que expõe a fragilidade relativa do dólar. A posição comprada das dez principais moedas globais contra o dólar atingiu, inclusive, seu maior patamar desde 2023, sugerindo que, salvo solavancos pontuais, a moeda americana pode seguir em rota de desvalorização.

O diagnóstico é compartilhado por grandes casas. O Morgan Stanley, por exemplo, projeta uma queda de até 9% no valor do dólar até meados de 2025, impulsionada por uma combinação de desaceleração econômica nos EUA e expectativa de cortes de juros por parte do Fed. Já o Goldman Sachs vai além: seus modelos indicam que o dólar estaria supervalorizado em até 15%, o que abre espaço para uma reprecificação significativa à medida que os fluxos de capitais globais forem realocados.

Na prática, o mundo começa a repensar sua dependência estrutural do dólar — e não apenas por razões geopolíticas, mas também por pragmatismo. Prova disso é que alguns dos maiores gestores de recursos já começaram a evitar os títulos longos do Tesouro americano, optando por papeis de curto prazo, menos sensíveis a volatilidade nas curvas de juros. Isso, no entanto, não significa abandonar o dólar em carteiras internacionais. Significa, sim, diversificar. O investidor brasileiro que busca exposição global precisa olhar para além dos EUA e considerar outras moedas e regiões. 

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· 04:11 — Sinal vindo a europa

Após um bimestre dominado por movimentos eleitorais mais alinhados à esquerda — em meio à turbulência gerada pela escalada tarifária de Donald Trump —, o pêndulo político global parece ter retomado sua inclinação em direção a agendas mais conservadoras. A vitória de Karol Nawrocki nas eleições presidenciais da Polônia, no último fim de semana, representa um revés expressivo para o primeiro-ministro pró-União Europeia, Donald Tusk. Trata-se de mais um capítulo da estratégia internacional de Trump, que há tempos tenta exportar sua marca MAGA como catalisadora de lideranças ideologicamente simpáticas à sua retórica.

É importante lembrar que o país vive um grau de polarização digno de manual — assim como o Brasil —, onde os votos se distribuem entre zonas urbanas progressistas e interiores fortemente conservadores. Nawrocki surfou nesse antagonismo: atacou a Alemanha, minimizou a adesão da Ucrânia à OTAN e assumiu um discurso abertamente cético em relação à União Europeia, angariando apoio dos nacionalistas. Seu triunfo, portanto, é mais uma rachadura na já fragilizada coesão europeia.

Seguimos monitorando com atenção se esse movimento global do pêndulo político encontrará eco nas eleições brasileiras de 2026. Por ora, o vento que sopra de Varsóvia levanta a poeira de um cenário internacional cada vez mais volátil — e, para os mercados, volatilidade política costuma ser só outro nome para prêmio de risco.

· 05:03 — Todo mundo quer um pouco de cripto

Nos EUA, fundos negociados em bolsa (ETFs) têm registrado uma migração expressiva de recursos do ouro para o Bitcoin, refletindo uma mudança curiosa de percepção: com o arrefecimento das tensões comerciais, diminuiu a procura pelo refúgio tradicional, enquanto os temores em torno da saúde fiscal dos EUA vêm impulsionando o apetite pela criptomoeda. Nas últimas cinco semanas, os ETFs de Bitcoin já somam entradas superiores a US$ 9 bilhões — com destaque para o iShares Bitcoin Trust da BlackRock —, enquanto os fundos lastreados em ouro amargaram saídas de mais de US$ 2,8 bilhões. Isso não enterra a tese do ouro — que continua robusta —, mas escancara um movimento técnico de curto prazo que merece atenção.

Mais do que os ETFs, o entusiasmo parece ter contagiado o mundo corporativo: empresas listadas em bolsa estão acumulando Bitcoin. De abril para cá, o número de companhias de capital aberto com Bitcoin em seus balanços saltou de 89 para 114. Todas tentando, de alguma forma, replicar a estratégia da outrora obscura MicroStrategy — agora rebatizada apenas de Strategy —, que já acumula mais de 580 mil bitcoins e abandonou de vez sua vocação original de empresa de software para se tornar, essencialmente, uma holding de criptomoeda com um legado tecnológico. O entusiasmo não é apenas corporativo — é também político. O lobby pró-cripto agora ocupa cadeiras de alto escalão. Durante discurso recente, o vice-presidente JD Vance prometeu que pretende revogar regulações federais sobre criptoativos e aprovar legislação que autorize a negociação de stablecoins.

Diante desse novo contexto — de legitimidade regulatória crescente, adoção institucional mais ampla e apoio político declarado —, faz sentido abrir espaço, ainda que tático, para criptoativos dentro de portfólios diversificados. Para perfis compatíveis com maior volatilidade, alocações entre 1% e 5% continuam razoáveis. Há, inclusive, caminhos regulados e acessíveis para fazer isso com segurança, como o…

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.