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A terça-feira (29) amanhece cheia de expectativas no front internacional. O destaque do dia é a divulgação do relatório JOLTS de junho, que traz detalhes sobre a rotatividade da força de trabalho nos Estados Unidos e deve ajudar a ajustar as apostas do mercado para o payroll de sexta-feira (1º). A ansiedade se soma à espera pelas decisões de política monetária do Copom e do Federal Reserve, que serão conhecidas na quarta.
No Brasil, a agenda de dados econômicos segue esvaziada, mas o noticiário político ganha corpo: o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, concede entrevista à CNN em meio às negociações tarifárias com os EUA. O governo brasileiro insiste que não sairá da mesa, mas a cada dia que passa sem progresso — a poucos dias do prazo fatal imposto por Trump —, a disposição soa mais como esperança do que estratégia.
No exterior, os índices ocidentais iniciam o dia em tom moderadamente positivo, embalados por sinais de distensão nas tensões comerciais, enquanto os mercados asiáticos fecharam sem direção clara. Os EUA mantêm conversas com a China, após selarem um acordo com a União Europeia e avançarem nas negociações com o Japão — tratativas que, embora nitidamente favoráveis aos interesses americanos, ajudam a mitigar o risco de uma escalada protecionista. O petróleo opera em alta, refletindo a percepção de menor risco comercial. Ainda assim, o ambiente de curto prazo segue exigindo cautela, com os investidores aguardando o discurso de Jerome Powell, amanhã (30), e os desdobramentos da complexa frente fiscal e comercial brasileira.
· 00:57 — Cuidado com o fogo amigo
Por aqui, com a proximidade do prazo final para a implementação das tarifas — previsto para 1º de agosto — e sem qualquer sinal concreto de avanço nas negociações, os ativos locais continuam operando sob pressão, com desempenho inferior ao de seus pares globais. O desconforto se materializa nos preços: o Ibovespa recuou novamente ontem para a faixa dos 132 mil pontos. A percepção predominante é a de que dificilmente o governo Trump recuará ou postergará a aplicação da taxação de 50% sobre os produtos brasileiros. Como já mencionei na segunda-feira (28), o chanceler Mauro Vieira cumpre agenda diplomática nos EUA, mas não há sequer previsão de uma reunião com a Casa Branca. O Brasil, ao que tudo indica, segue fora da lista de prioridades da administração americana. E o tempo segue passando sem avanços relevantes ou agendas marcadas com autoridades de fato influentes.
Na iminência da tarifa, circula a ideia de redirecionar nossas exportações para outros mercados como forma de mitigar os danos. Mas não é assim que o mundo real funciona. Trocar de destino comercial exige anos de adaptação, investimento e diplomacia — e abandonar o mercado americano está longe de ser uma estratégia inteligente. Por que não tratamos essa crise com o mesmo pragmatismo que adotamos com a Argentina? Todos sabem que os presidentes de Brasil e Argentina não se toleram politicamente, e ainda assim o comércio bilateral prospera: no primeiro semestre de 2025, as exportações brasileiras para o país vizinho aumentaram 55,4%, alcançando US$ 9,1 bilhões, com destaque para veículos, autopeças e carne bovina, que saltou de US$ 1 milhão em 2024 para US$ 22,9 milhões este ano. Ideologia de lado, comércio à frente. Lula, no entanto, oscila entre o discurso conciliador e uma retórica agressiva. Teria razões para suavizar o tom, especialmente porque depende da interlocução com o setor empresarial e sabe que uma escalada da guerra comercial seria nociva para sua própria governabilidade. Ainda assim, demonstra hesitação.
As reações à medida de Trump oscilam entre a indignação generalizada e o apoio isolado de aliados ideológicos do próprio presidente americano — notadamente a ala de Eduardo Bolsonaro. O tarifaço, na prática, expõe o estilo intempestivo de Trump, que desafia a ordem global que os próprios Estados Unidos ajudaram a construir. Mas a culpa não pode ser terceirizada: a diplomacia brasileira contribuiu, sim, para o agravamento do cenário. A retórica antiamericana, o alinhamento agressivo aos BRICS e a insistência em agendas escancaradamente desalinhadas aos interesses estratégicos ocidentais colocaram o Brasil em rota de colisão — enquanto países como a Índia, com pragmatismo, avançavam em acordos comerciais bilaterais com os EUA.
Cada grupo tenta agora instrumentalizar a crise conforme seus próprios interesses. A ala radical bolsonarista ostenta a proximidade com o trumpismo, ignorando que isso pode ter contribuído para a hostilidade da carta. Já o governo Lula falha sistematicamente em construir pontes e coleciona gestos diplomáticos desastrosos, como os novos ataques retóricos a Israel ou a tolerância seletiva com autocracias antiocidentais. Some-se a isso a atuação hipertrofiada do Judiciário — que há tempos extrapola sua função constitucional — e temos o retrato de um ambiente institucional esgarçado, no qual o tarifaço opera como catalisador das divisões internas.
No fim das contas, os prejudicados são os de sempre: brasileiros e brasileiras. Empresários, trabalhadores, consumidores e investidores, todos reféns de uma espiral de deterioração das expectativas, desvalorização cambial, alta nos juros futuros e perda de acesso a um mercado estratégico. Enquanto isso, os extremos seguem ocupados em seu teatro autofágico. E para piorar, o que tenho chamado de principal risco à tese do “trade eleitoral” se intensifica: o fogo amigo dentro da própria oposição. A ala mais radical do bolsonarismo segue cada vez mais isolada — embora tipicamente muito barulhenta — e multiplica ataques a figuras do mesmo campo político, como Tarcísio de Freitas, Ratinho Jr. e até Nikolas Ferreira. Essa desorganização atrapalha, ainda que não inviabilize completamente, a expectativa de uma guinada em 2026.
Enquanto isso, a política monetária segue contracionista, já produzindo efeitos sobre a atividade e o crédito. A inadimplência das famílias voltou a subir e a tendência é de piora, especialmente com a manutenção da Selic nesta quarta-feira. O Banco Central não tem outra escolha: diante da omissão fiscal, é ele quem precisa continuar ancorando a confiança. Para horizontes de 12 a 18 meses, o cenário segue construtivo — os valuations continuam atrativos, o dólar permanece estruturalmente mais fraco lá fora e talvez vejamos até alguma moderação do Fed nesta semana. Mas a travessia até o final de 2026 não será tranquila. E o Brasil parece navegar contra a corrente.
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· 01:43 — Pisando com cuidado
O acordo comercial firmado entre Estados Unidos e União Europeia no fim de semana chegou a animar os mercados inicialmente, mas o entusiasmo não resistiu. A nova tarifa de 15% sobre as importações europeias — aquém dos 30% que Donald Trump ameaçava impor — cobre a maioria dos setores, embora alguns segmentos estratégicos, como matérias-primas e aeronaves, tenham escapado ilesos. A princípio, o entendimento parecia sinalizar estabilidade e previsibilidade. No entanto, a reação morna dos mercados — com o S&P 500 e o Nasdaq registrando altas discretas e o Dow Jones em leve queda — reflete uma percepção mais sóbria: por trás da “normalização”, o que se vê é a confirmação de que Washington continua disposto a redesenhar unilateralmente as regras do jogo, sempre que lhe for conveniente.
Nesse contexto, a aparente calmaria nos mercados pode esconder riscos. O impacto acumulado das tarifas e o desgaste progressivo do consumidor americano após anos de inflação crescente não podem ser subestimados. Além disso, paira sobre o mercado a sombra de um volume colossal de vencimentos de títulos públicos — cerca de US$ 9 trilhões — que, por ora, não vem recebendo atenção proporcional ao seu peso. O Federal Reserve, atento a esse quadro delicado, tende a manter uma postura prudente na reunião desta semana, sem abrir espaço para cortes precipitados. Ainda assim, há apostas mais otimistas: algumas casas revisaram para cima a projeção do S&P 500 em 2025, mirando 7 mil pontos — sustentadas por lucros corporativos e menor ruído comercial. É um cenário possível, mas que pressupõe alguma complacência com a volatilidade. A agenda desta terça-feira (29), aliás, reserva a divulgação do relatório JOLTS, que pode oferecer pistas importantes sobre a temperatura da economia americana — ainda resiliente, é verdade, mas já exibindo sinais discretos de arrefecimento. A dúvida: os indícios serão suficientes para convencer o Fed a cortar juros?
· 02:36 — Não foi unanimidade
O processo de negociações tarifárias nos EUA segue em curso — e com ele, a retórica volátil de Donald Trump. O presidente norte-americano voltou a sinalizar que poderá impor uma tarifa geral entre 15% e 20% sobre importações de países que não firmarem novos acordos comerciais com Washington, elevando o tom em relação aos 10% anunciados em abril. O movimento mais recente, envolvendo a União Europeia, está longe de ser unânime. Embora o anúncio conjunto feito no domingo por Trump e pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tenha sido bem recebido por parte do setor privado — visto como uma alternativa à escalada rumo a uma guerra comercial — o desfecho provocou forte resistência entre os líderes políticos europeus.
França e Alemanha, por exemplo, as duas maiores economias do bloco, não esconderam sua insatisfação. A chanceler alemã alertou que o acordo poderá prejudicar substancialmente as finanças do país, enquanto o primeiro-ministro francês foi ainda mais direto, classificando o plano como um gesto de submissão. A crítica não ficou restrita aos principais países: líderes de outras nações europeias, como o húngaro Viktor Orbán, também engrossaram o coro de reprovação. Enquanto isso, representantes dos EUA e da China voltaram à mesa de negociações em Estocolmo, em mais uma tentativa de distensionar as relações entre as duas maiores potências econômicas do planeta — ainda que sem garantias de sucesso duradouro.
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· 03:21 — Cessar-fogo?
Na semana passada, mencionei o risco de mais um conflito internacional — desta vez no Sudeste Asiático. Felizmente, ao que tudo indica, a tensão não escalou para um impasse prolongado: Tailândia e Camboja chegaram a um acordo de cessar-fogo incondicional durante as negociações de paz realizadas na Malásia, pondo fim a dias de confrontos intensos ao longo da fronteira. O embate tem raízes históricas profundas, com mais de um século de disputas territoriais, mas esse foi o episódio mais violento em mais de dez anos: ao menos 33 mortos e cerca de 150 mil pessoas deslocadas.
As negociações de paz foram coorganizadas pelos Estados Unidos e pela Malásia, com participação também da China — em um raro momento de convergência diplomática. Antes do encontro, Donald Trump havia deixado claro que não retomaria as tratativas comerciais com nenhum dos dois países até que fosse firmado um cessar-fogo, condicionando explicitamente as conversas tarifárias à estabilidade regional. Uma postura que, mesmo criticada, acabou por exercer pressão suficiente para destravar o diálogo. O mundo escapou de mais uma frente de instabilidade.
· 04:12 — Nada de novo no front
Na última sexta-feira (25), comentei sobre um processo eleitoral especialmente delicado em Taiwan — e os desdobramentos do fim de semana apenas reforçaram a complexidade do tabuleiro político local. Uma tentativa inédita de destituir aproximadamente 20% do Parlamento fracassou de forma contundente: os 24 parlamentares do Kuomintang (KMT), principal partido de oposição e tradicionalmente mais alinhado a Pequim, mantiveram seus mandatos após os votos de revogação. A primeira onda de votações, portanto, frustrou completamente a ofensiva articulada pelo Partido Democrático Progressista (PDP), legenda atualmente no poder e defensora de uma agenda pró-independência. Outras sete votações estão marcadas para 23 de agosto, mas dificilmente o resultado será diferente. A estratégia visava abrir espaço para que o presidente William Lai revertesse a maioria legislativa opositora, mas deu errado.
O fracasso do plano representa mais do que um tropeço momentâneo: mina a tentativa do governo de ampliar sua base parlamentar e, de quebra, fortalece a disposição da oposição em dificultar qualquer avanço da agenda presidencial. Com os parlamentares pró-China fortalecidos, a coalizão liderada pelo KMT tende a intensificar o bloqueio institucional, alimentando o impasse político. Para William Lai, que já lidava com um cenário desafiador, o revés representa mais do que uma derrota tática — é um alerta sobre a resiliência das forças opositoras e a dificuldade de se impor em meio à fragmentação do Legislativo. Em uma ilha onde os ventos da independência sopram contra o pano de fundo da crescente tensão geopolítica com a China, o tempo para construir pontes políticas está cada vez mais curto. Vale ficar acompanhando de perto.
· 05:05 — Atenção para a infraestrutura
O debate sobre infraestrutura global parece ter chegado a um ponto de virada determinante, impulsionado simultaneamente pela urgência e pela inovação. A incorporação acelerada de tecnologias disruptivas — como inteligência artificial generativa, veículos autônomos e elétricos, energia renovável e novas soluções em defesa — está criando ventos francamente favoráveis para um novo ciclo de investimentos em infraestrutura. Ao mesmo tempo, economias desenvolvidas lidam com dilemas cada vez mais evidentes: redes envelhecidas, riscos climáticos intensificados e gargalos históricos demandam reformas abrangentes e imediatas.
Nos países emergentes, o panorama é diferente, mas não menos relevante. Na Índia, por exemplo…