Você já ouviu frases do tipo: “As aparências enganam”; “Pense bem antes de agir”; “Quanta verdade se esconde detrás de um palpite?”; “Inteligência intuitiva existe?” e “Por que sabemos a verdade em dois segundos?”.
Perguntas como essas motivaram o jornalista Malcolm Gladwell a analisar a fundo a ciência que se esconde por trás das primeiras impressões. Em “Blink”, o autor se baseia em fundamentos científicos para nos mostrar como podemos julgar, decidir e fazer escolhas sem refletir muito a respeito ‒ “em um piscar de olhos”, como o próprio título diz.
Ao contrário do que assume o senso comum, as primeiras impressões não se resumem a simpatizar ou não com uma pessoa logo de cara. Em “Blink”, vemos que esse recurso intuitivo pode servir para muito mais do que uma mera questão de afinidade.
A obra nos mostra o exemplo do diretor do Metropolitan Museum, que, com uma simples olhada, rejeitou a autenticidade de uma estátua kouros (jovem nu masculino) da antiga Grécia, adquirida pelo Getty da década de 1980, por sentir que havia algo de “fresco” na peça. Ou ainda o caso de um cientista norte-americano que consegue saber em poucos minutos se determinado casal acabará por se separar ou se manterá sua união, após anos analisando o comportamento de casais em uma discussão.
Fatiar fino: como nosso inconsciente nos ajuda a encontrar padrões
Decisões tomadas muito depressa podem ser tão boas quanto decisões tomadas de forma cautelosa e deliberada. Para nos ajudar a fazer escolhas rápidas, porém espertas, o autor traz uma ferramenta muito interessante, chamada de “Fatiar Fino”.
“Fatiar Fino” refere-se à capacidade do inconsciente de encontrar padrões em situações e comportamentos com base em fatias muito finas de experiência. Mesmo que você nunca tenha ouvido falar dessa expressão, você “fatia fino” a todo momento de sua vida: quando conhece uma pessoa e quando se defronta com uma situação nova, por exemplo.
Mas você pode estar se perguntando: como é possível colher informações necessárias para um bom julgamento em tão pouco tempo?
O livro traz diversos exemplos e estudos de como tornar isso possível, inclusive com testes práticos. E o melhor: esta é uma habilidade que pode ser desenvolvida voluntariamente por qualquer pessoa.
“A capacidade de fatiar fino não é um dom divino: é uma parte fundamental da estrutura humana. […] Nós fatiamos fino porque somos obrigados a fazê-lo, e aprendemos a ter confiança nesta habilidade porque existem muitas ameaças no mundo exterior, e porque existem diversas situações em que o exame detalhado dos dados obtidos com o ato de fatiar fino pode nos fornecer informações valiosas, ainda que em questão de dois ou três segundos.” ‒ Trecho de “Blink”, de Malcolm Glawell
Uma das teorias que “Blink” propõe é que fazemos conexões entre pares de ideias que já estão relacionadas em nossas mentes de uma forma mais rápida do que entre pares de ideias que nos são estranhas.
Nós podemos fazer essas associações em dois níveis diferentes :
- O primeiro é quando temos nossas atitudes conscientes: crenças e valores declarados que conduzem nosso comportamento;
- O segundo nível está no inconsciente: associações imediatas e automáticas que surgem antes de podermos raciocinar.
Para exemplificar o primeiro caso, escolhi um interessante teste de Harvard que ilustra esses níveis de consciência: o teste de associação implícita, chamado de IAT. Caso queira experimentar, você pode entrar no site, onde existem diversos outros testes, inclusive o mais famoso: o Race IAT.
Porém a boa notícia é que não estamos indefesos diante de nossas primeiras impressões. Elas podem vir do inconsciente, mas o simples fato de uma coisa estar fora do consciente não significa que está fora de controle. Aqui vai uma dica que tirei do livro: nossas primeiras impressões são geradas pelas experiências e pelo ambiente, então isso significa que podemos mudar nossas primeiras impressões “fatiando fino”, ou seja, mudando as experiências que compõem essa impressão.
“O computador gigante que é nosso cérebro digere silenciosamente todos os dados das experiências que tivemos, das pessoas que conhecemos, das lições que aprendemos, dos livros que lemos, dos filmes que assistimos e assim por diante, e forma sua opinião.” ‒ Trecho de “Blink”, de Malcolm Glawell
O segundo teste apresentado na obra funciona da seguinte maneira: duas dúzias de homens e mulheres se reuniram no salão dos fundos de um bar em Manhattan para participar de um ritual um tanto quanto peculiar, “um encontro rápido”.
Todos estavam com crachás numerados e cada casal tinha seis minutos para se conhecer. Depois do encontro, eles assinalavam se tinham gostado ou não da pessoa, conforme os números. Caso desse “match”, 24 horas depois eles receberiam a informação por e-mail e poderiam se encontrar novamente.
Mas o curioso é o seguinte: as pessoas, quando questionadas pelas escolhas, não sabiam explicar o motivo de suas preferências e ficavam bem confusas ao tentar explicar.
Então, dois professores, Fisman e Iyengar, repetiram as noites de encontro rápidas
para tentar entender a confusão na hora de explicar suas escolhas. As noites são idênticas às noites de encontros rápidos, exceto por uma regra: os participantes não se limitam em marcar quadrinhos de sim ou não, eles precisam preencher um questionário de 1 a 10, com o que buscam em um parceiro em potencial.
O exemplo de Mary
Mary diz no início da noite que desejava alguém inteligente e sincero, mas o teste mostra que isso não significa que ela será atraída somente por homens inteligentes e sinceros. Além disso, durante a noite, ela pode se atrair por um homem atraente e divertido, por exemplo. No dia seguinte, quando questionada novamente sobre sua preferência para homens, pode mudar de opinião e dizer que prefere alguém divertido e atraente.
Parece confuso. Afinal, o que Mary deseja em um homem? O verdadeiro é o descrito por ela, o que ela diz que realmente procura ou o que ela escolheu por meio das ações?
Os cientistas não chegaram a uma resposta certa. Nenhuma das respostas de Mary está errada, mas ambas estão sim incompletas. O consciente diz aquilo que acredita querer quando pensa no assunto. As ações, no entanto, estão atrás de uma porta trancada ‒ o inconsciente ‒ e aí não é possível ter certeza do critério que determina essas escolhas.
Quem é Malcolm Gladwell?
Malcolm Gladwell é um jornalista britânico que iniciou sua carreira jornalística numa revista em Indiana, depois de ser rejeitado por várias agências de publicidade. Ele trabalhou durante quase uma década no The Washington Post, na cobertura de temas de ciência e negócios e foi lá que começou a ler revistas acadêmicas e estudos em busca de ideias para reportagens, coisa que sustenta boa parte do seu trabalho hoje.
Desde 1996, Gladwell é colunista da The New Yorker e, em seus trabalhos, ele mistura jornalismo, pesquisa científica, história e filosofia. Entre seus livros de sucesso, estão “Fora de série”, “Davi e Golias” e “Falando com estranhos”. Como ele mesmo diz: “Abordo questões do senso comum e, a partir de argumentos contra intuitivos, busco formas interessantes de apresentar pontos de vista radicais”.
Decisões conscientes e inconscientes no mundo das finanças
“Blink” nos mostra como “fatiar fino”, ter uma intuição mais apurada e nos ajuda a perceber o quanto o viés pode atrapalhar as suas escolhas. É uma leitura rápida e direta ao ponto, que traz diversos exemplos do cotidiano. Para quem se interessa pelo assunto, vale a pena ler também “Rápido e Devagar”, de Daniel Kahneman, que fala sobre nossa forma de pensar, trazendo mais pesquisas e comprovações científicas.
Entender como nosso cérebro entende o processo de tomada de decisões é essencial para ser mais certeiro no campo dos negócios, das finanças pessoais e dos investimentos. Por isso, muitos autores têm se dedicado ao tema da economia comportamental, que está diretamente relacionada às nossas ações conscientes e inconscientes.
Resenha escrita por Priscila Vieira.