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Day One

O Fed e as duas economias americanas

Temos que tentar entender o que o Fed está fazendo neste momento.

Por Tony Volpon

29 set 2025, 13:53

Atualizado em 29 set 2025, 13:53

O Fed e as duas economias americanas

Imagem: Edição CanvaPro

Dada a importância do ciclo de política monetária nos EUA para a economia e os mercados globais – para a tristeza de alguns, ainda vivemos sob um padrão monetário e financeiro regido pelo dólar americano – temos que tentar entender o que o Fed está fazendo neste momento.

Obviamente tem muito ruído ao redor do Fed e sua relação com o governo Trump. Acho temores que sua independência operacional esteja sendo comprometida. A corte Suprema, que em muitos casos tem apoiado a expansão dos poderes do Executivo perseguidas por Donald Trump, tem deixado claro que o Fed é um caso à parte. Assim, a melhor hipótese neste momento é projetar que sua atuação será técnica no cumprimento do seu mandato.

O que não podemos esquecer quando se fala do Fed é que, diferente da maioria dos outros bancos centrais, o Fed leva seu duplo mandato a sério. Enquanto os outros BCs com mandatos focados na inflação (como o nosso Banco Central) olham para o mercado de trabalho como um importante insumo na questão da inflação e tentam implicitamente levar a inflação à meta nominal e o mercado de trabalho ao equilíbrio do pleno emprego sustentável, a diferença com o Fed é que, com seu mandato duplo, se pode explicitamente privilegiar um mandato sobre o outro.

Isso explica por que o Fed pode iniciar um processo de corte de juros com a inflação rodando acima da sua meta – neste caso, com o núcleo do PCE rodando em 2,9% para agosto. Um BC com mandato inflacionário único provavelmente não cortaria a taxa de juros com a inflação nesse patamar e uma meta de 2%.

O que o Fed está vendo do outro lado do seu mandato? Um mercado de trabalho bem mais fraco do que parecia alguns meses atrás: para o período entre abril de 2024 e março de 2025, a estimativa de novos empregos caiu em 911 mil, a maior revisão desde 2002. Em agosto, onde a estimativa de novos empregos foi de somente 22 mil, houve revisões para junho e julho que baixaram a estimativa em 19 mil empregos, com o dado de junho agora negativo em 13 mil.  

Esses dados foram a grande “nova novidade” do momento. Vou adiante explicar o sentido desses dados e o que eles dizem sobre o momento da economia americana, mas vamos primeiro ver como o Fed está reagindo a eles.

Primeiro ponto importante: esses dados, por mais surpreendentes que sejam, não indicam uma economia caindo em recessão, mas sim um enfraquecimento material no mercado de trabalho. Essa diferenciação é importante para ditar a velocidade e tamanho do ciclo de queda de juros.

Segundo ponto importante: o Fed acredita que a postura atual, usando as palavras de Jay Powell depois da última reunião, é “levemente restritiva”.

E, finalmente, o Fed acredita que as expectativas de inflação estão bem ancoradas e que o choque tarifário não deve alterar este fato.

Em um momento, como o atual, onde há contradição entre os dois mandatos, o Fed age como um gerenciador de riscos – uma estratégia que vem desde o período do Alan Greenspan.

O ciclo de corte é uma resposta clara à novidade de um mercado de trabalho mais fraco. Sem essas revisões recentes, acredito que o Fed não teria cortado a taxa de juros. Enquanto esses dados não indicam um risco iminente de uma recessão, esse risco claramente é mais alto, e assim o Fed “faz um hedge” diminuindo o nível de restrição monetária, confiando que a ancoragem das expectativas de inflação deve impedir uma deterioração da inflação.

O fato que o risco de uma recessão não parece ser iminente como o fato de que a inflação está acima da meta e dita um ritmo cauteloso no ajuste monetário, com a possibilidade que o “ponto de pausa” ainda seja de uma leve postura restritiva, a depender dos dados. Um ressurgimento de pressões inflacionárias ou fraqueza adicional inesperada no mercado de trabalho podem levar o Fed a abortar ou acelerar o ciclo de queda de juros.

Agora o que tudo isso nos diz sobre a economia americana? Como convivemos com as bolsas nas máximas e um mercado de trabalho flertando com uma recessão?

A explicação é uma piora da divergência entre parte da economia e mercado ligado a temática da inteligência artificial, que está “bombando”, e o resto da economia que está perdendo momento. Hoje é como se tivéssemos duas economias convivendo, mas de forma divergentes.

Considere que os planos de investimentos das Mag 7 neste ano devem ser na ordem de US$ 359 bilhões, aumentando em 26% para US$ 454 bilhões em 2026. Somente essas empresas devem responder por cerca de 12% de todos os investimentos na economia americana e, incrivelmente, cerca de 35-40% de todos os investimentos feitos pelas grandes empresas do S&P 500.

Isso é obviamente importante para a economia como um todo de forma direta e indireta mas não impede que o resto da economia não enfrente dificuldades.

Cito aqui o velho ditado “a bolsa não é a economia”. Isso certamente é menos verdade nos EUA do que a maioria dos outros países, mas neste momento realmente a bolsa americana, inflada pela aposta em AI, não reflete o resto da economia.

Mas aqui há então um outro risco para o Fed: se, por qualquer razão, esses planos de investimento não forem à frente, isso quase certamente levaria a economia americana a uma recessão. Assim, como todos nós, o Fed deve ficar bem atento às oscilações da bolsa, e uma forte correlação negativa entre o mercado acionário e o mercado de renda fixa deve ser a regra agora em diante. O melhor hedge para o investidor neste momento é nosso bom e velho conhecido mercado de Treasuries.

Professor-adjunto da Georgetown University, Tony Volpon atuou como diretor da Área Internacional do Banco Central do Brasil entre 2015 e 2016. Foi economista-chefe do UBS e estrategista-chefe na WHG, além de professor do Mestrado Profissional em Economia da Fundação Getúlio Vargas (EESP-FGV) . Também trabalhou como chefe de pesquisas para as Américas do Nomura Securities International em Nova York (2009-2015), e como operador de renda fixa para o Bank of America, Banco Safra e Banco de Boston em São Paulo, Chicago e Londres. Estudou economia na McGill University e fez sua pós-graduação na Western University, ambas no Canadá. Publicou "Globalização e a política: de FHC a Lula", em 2003.