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Dominó dos juros: Europa inicia cortes, enquanto EUA e Brasil aguardam seu momento; veja para onde apontam os holofotes do mercado nesta quinta-feira (5)

O Banco Central Europeu iniciou o corte de juros após dados amargos de inflação no varejo e produção europeias. Leia mais.

Por Matheus Spiess

05 jun 2025, 09:30 - atualizado em 05 jun 2025, 09:30

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Imagem: iStock/ @daboost

A quinta-feira (5) amanhece com o Banco Central Europeu finalmente puxando o gatilho e cortando os juros, embalado por uma sequência de dados decepcionantes de inflação — tanto no varejo quanto na produção. A decisão em Frankfurt, embora tardia, pode acabar pavimentando o caminho para que o Federal Reserve, mesmo a contragosto, também reduza os juros até o fim do ano — ainda que só uma vez, por enquanto.

Nos EUA, a economia segue exibindo sinais cada vez mais nítidos de esfriamento. Os números mais recentes reforçaram a tese de desaceleração e alimentaram especulações de que o ciclo de flexibilização monetária pode ser retomado. Nesse cenário, a narrativa de que o Brasil já deveria encerrar sua própria escalada de juros ganha tração. Se os cortes lá fora se materializarem, uma última redução da Selic na reunião final do Copom de 2025 deixaria de parecer ousadia para soar como consenso.

Na Ásia, os mercados fecharam sem direção clara: enquanto a bolsa do Japão recuou, pressionada pelo temor de que a nova rodada de tarifas de Trump esteja começando a corroer os fundamentos globais, outras praças mantiveram algum apetite. Na Europa, por sua vez, o corte de juros do BCE trouxe fôlego renovado aos índices acionários.

Já entre as commodities, o petróleo tenta recuperar parte das perdas de ontem, sustentado por um coquetel de riscos geopolíticos e incêndios florestais no Canadá. Ainda assim, a perspectiva de um mercado sobreabastecido no segundo semestre continua pairando no ar, como uma nuvem densa sobre qualquer otimismo precipitado.

· 00:51 — Cheiro de ceticismo no ar

No Brasil, a quarta-feira (4) foi de queda para o Ibovespa, pressionado principalmente pelo desempenho da Petrobras. A estatal sofreu duplamente: de um lado, a queda no preço internacional do petróleo; de outro, o novo temor dos investidores com a intenção do governo federal de extrair até R$ 40 bilhões adicionais do setor de óleo e gás entre 2025 e 2026. O plano inclui uma série de medidas, entre elas a reavaliação da fórmula de cálculo do Preço de Referência do Petróleo (PRP) pela ANP, o que pode elevar artificialmente os custos para empresas que operam sob regime de concessão.

Outras propostas envolvem arrecadar R$ 9 bilhões via mudanças no Imposto da Participação Especial, além de R$ 15 bilhões com um novo leilão de áreas ainda não contratadas. O pacote, pouco detalhado e mal comunicado, espalhou pessimismo e contaminou os ativos locais — com destaque para a valorização do dólar frente ao real.

E por falar na agenda fiscal, os mercados seguem operando sob expectativa em relação às medidas que o Ministério da Fazenda deverá apresentar como alternativa ao malfadado aumento do IOF. Confesso: minhas expectativas eram tão baixas que qualquer esboço de racionalidade já surpreende positivamente. O mercado, inclusive, chegou a ensaiar um alívio entre o fim da terça-feira e o início da quarta, mas o entusiasmo durou pouco. O cheiro de ceticismo no ar é forte e justificado.

Primeiro, porque a convicção reformista do presidente Lula é frágil — já vimos esse filme no final de 2024, quando o discurso de ajuste evaporou diante do desconforto político. Segundo, porque o que foi ventilado até agora é apenas um rascunho: medidas sem articulação assegurada, nem clareza sobre quais delas avançarão.

As propostas dividem-se entre medidas de curto prazo (para 2025) e outras mais estruturais, com horizonte mais dilatado. No campo imediato, o governo aposta no leilão de excedentes de petróleo, aumento da tributação sobre apostas esportivas (“bets”), regulação de operações com criptoativos e duas pautas sensíveis no Congresso: a reforma da previdência dos militares e o fim dos supersalários. Esta última pode funcionar como uma espécie de microrreforma administrativa — ainda que tímida, é um aceno interessante. Caso alguma dessas frentes avance, o governo deve recuar de parte do decreto do IOF, como o risco sacado ou a taxação do VGBL.

Para o longo prazo, fala-se em corte de até R$ 30 bilhões anuais em renúncias fiscais. A ampliação das restrições ao acesso ao BPC e a contenção dos gastos do Fundeb também foram citadas — embora a desvinculação ao salário mínimo, por mais necessária que seja, pareça improvável neste governo. Naturalmente, algumas dessas ideias provocam feudos de interesse poderosos, que buscam alternativas de compensação: ampliação da transferência de dividendos do BNDES, por exemplo. 

Expectativas foram criadas. Mas o mercado aprendeu, com certa dor, a não confiar cegamente: se nada concreto vier, a decepção será precificada. O mais paradoxal é que o próprio governo, que há poucos meses dizia estar “arrumando a casa”, agora admite que as contas públicas estão em colapso. Algo que já denunciávamos há tempos. O discurso apenas mudou porque a realidade atropelou a narrativa.

Olhando o quadro maior, sabemos que nenhuma dessas medidas — isoladamente — será suficiente para resolver o desequilíbrio fiscal brasileiro. O país amarga a pior deterioração nas expectativas fiscais entre os emergentes, com projeções de déficit primário para 2025 e 2026 se agravando notavelmente. O elevado patamar atual da dívida, somado à deterioração contínua do quadro fiscal, acende alertas legítimos sobre a sustentabilidade das contas públicas. O pacote, ainda que tenha apresentado um ou outro ponto que superou as baixas expectativas, está longe de representar uma guinada. No máximo, pode ser considerado um puxadinho mais bem-acabado — ainda assim, provisório. O teto continua vazando, e o alívio, se vier, será apenas até 2027.

· 01:42 — Sinais mistos

Nos EUA, o S&P 500 encerrou a quarta-feira (4) em alta, ainda que com fôlego reduzido diante do vaivém de humores provocado pelas disputas fiscais e pela recepção ambígua ao Livro Bege do Fed. O dia começou mal, com a divulgação de um dado fraco do mercado de trabalho: a ADP informou a criação de apenas 37 mil empregos no setor privado em maio — bem abaixo dos 60 mil revisados de abril e ainda mais distante das expectativas de consenso, que projetavam 130 mil novas vagas. 

Como de costume, o presidente Donald Trump reagiu com rapidez, desviando o foco de suas políticas tarifárias e direcionando a culpa para um alvo já recorrente: Jerome Powell. O mercado, por sua vez, fez o que pôde para relativizar o impacto do número da ADP. Afinal, esses dados historicamente não têm a melhor correlação com o payroll oficial. Mas a sensação de desconforto ganhou nova força quando o Fed divulgou a mais recente edição do Livro Bege. A leitura foi clara: o pessimismo com a economia americana aumentou. A percepção de que o ciclo de expectativas positivas foi revertido pela escalada protecionista de Trump agora se consolida. 

Diante desse quadro, o Federal Reserve segue com discurso de cautela. Ainda prefere esperar por mais evidências concretas sobre os impactos reais da política comercial na inflação e na atividade. Mas a narrativa está mudando. A porta para um corte de juros começa a se abrir. A desaceleração não é mais uma hipótese; é uma realidade.

· 02:38 — Problema fiscais não só no Brasil, mas nos EUA também

Enquanto os senadores seguem debatendo ajustes no megaprojeto tributário “grande e bonito” promovido por Trump, um alerta de peso foi lançado ontem pelo Escritório de Orçamento do Congresso. A entidade apartidária estima que, se aprovado como está, o pacote ampliaria dramaticamente o déficit fiscal ao longo da próxima década, reduzindo a arrecadação em US$ 3,75 trilhões. O impacto seria suficiente para empurrar a dívida pública americana rumo à marca estarrecedora de US$ 40 trilhões.

Ainda que a Câmara dos Deputados tenha aprovado a proposta com o apoio dos republicanos, o texto enfrenta resistência no Senado — inclusive dentro da própria base trumpista. Alguns senadores conservadores, sensíveis à deterioração fiscal, expressam reservas. E até mesmo um dos maiores entusiastas de Trump, Elon Musk, resolveu pular fora do trem. Como comentei ontem, Musk não apenas criticou publicamente o plano, como tem feito lobby nos bastidores para tentar derrubar o projeto. No fim das contas, o que se desenha é uma bomba fiscal americana inflando.

· 03:23 — Novo integrante

No mesmo dia em que o BCE anunciou seu aguardado corte de juros, vale destacar um movimento estrutural que caminha na direção oposta à desintegração institucional que marca o espírito do tempo: a Bulgária está prestes a se tornar o 21º membro da Zona do Euro. Com seus 6,4 milhões de habitantes, o país obteve o aval da Comissão Europeia para adotar a moeda única a partir de 2026 — uma espécie de coroação de um esforço iniciado há quase duas décadas, quando ingressou na União Europeia.

A Bulgária conseguiu cumprir os principais critérios formais exigidos: inflação sob controle, dívida pública em níveis adequados e integração macroeconômica suficiente com o bloco. Ainda restam obstáculos técnicos e políticos, claro — a decisão final exige a aprovação dos governos dos demais países-membros e do Parlamento Europeu. 

É interessante observar que, em um momento global de crescente desconfiança sobre o multilateralismo e avanço de políticas econômicas isolacionistas, especialmente nas grandes potências, há ainda quem deseje apertar os laços. A adesão à moeda comum não é apenas um movimento técnico — é uma escolha política com implicações fiscais, monetárias e de soberania. Não por acaso, a ala nacionalista búlgara vocifera contra o projeto, em nome de uma autonomia que há muito já foi negociada em troca de estabilidade econômica. Mas o fato é que, enquanto grandes economias parecem flertar com o desmonte institucional e a fragmentação de acordos históricos, pequenos países como a Bulgária ainda enxergam no euro um abrigo — e não uma prisão. 

· 04:17 — A iniciativa chinesa

A China se prepara para ativar mais um de seus tradicionais instrumentos de resposta à adversidade externa: uma nova alocação de cerca de US$ 70 bilhões em capital, destinada a impulsionar projetos de infraestrutura em larga escala. A medida é interpretada como um escudo anticíclico, uma espécie de barreira defensiva contra o endurecimento das tarifas americanas — mais uma rodada do jogo de empurra entre as duas maiores economias do mundo. Sob o guarda-chuva de uma “nova ferramenta de política de financiamento”, os três principais bancos de fomento chineses atuarão como catalisadores do investimento: captarão recursos no mercado, por meio da emissão de títulos ou outros instrumentos, e comprarão participações em projetos selecionados. Trata-se de um modelo já testado — e, em muitos casos, eficaz — de alavancagem indireta: ao entrarem com capital inicial, os bancos atraem novos financiamentos, multiplicando o impacto do valor original.

Esse tipo de arquitetura financeira permite que os investimentos reais superem em múltiplos a cifra inicial, funcionando como estímulo direto à atividade em um momento em que o setor externo passa por turbulência. Afinal, a nova iniciativa surge em um contexto de renovada tensão comercial: poucas semanas depois de uma trégua tarifária de 90 dias entre Washington e Pequim, as hostilidades voltaram a se intensificar — e os sinais são de que não haverá descompressão tão cedo. Na prática, a China tenta acelerar a locomotiva doméstica para compensar a desaceleração da locomotiva exportadora. O plano é claro: se as exportações não poderão ser a âncora de crescimento por causa do novo protecionismo americano, então o consumo interno e os investimentos públicos devem cumprir esse papel. E, ao que tudo indica, Pequim está disposta a puxar os trilhos — mesmo que isso signifique inflar ainda mais a dívida.

· 05:04 — Um passo importante

A Direcional (DIRR3) deu um salto estratégico ao atrair a gestora Riza como sócia da Riva, sua subsidiária dedicada ao segmento de habitação para a classe média. O acordo, lastreado em um valuation de R$ 2,65 bilhões para a Riva, começou com a venda de 9,98% do capital por R$ 264 milhões — mais do que o dobro do valor inicialmente esperado para esta primeira tranche. Além disso, a operação trouxe à Direcional um dividendo de R$ 150 milhões oriundo da Riva, dos quais R$ 65 milhões já foram pagos em maio. A Riza ainda poderá exercer o direito de ampliar sua fatia até 15% até outubro, o que elevaria o investimento total para quase R$ 400 milhões.

Mais do que a entrada de capital, a transação escancara um…

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.