Imagem: iStock.com/sankai
Os mercados globais tiveram um pregão marcado pela aversão ao risco, com tensões fiscais e disputas tarifárias nos Estados Unidos adicionando uma dose extra de volatilidade. Após um tribunal de apelações declarar ilegais a maior parte das tarifas impostas pelo governo Trump, o presidente reagiu convocando uma reunião de emergência para acionar a Suprema Corte, alegando que a perda dessa fonte de arrecadação poderia ampliar ainda mais o déficit fiscal americano, hoje estimado em US$ 1,7 trilhão.
A incerteza se somou ao estresse fiscal na Europa e desencadeou uma nova rodada de liquidação no mercado global de títulos. Os rendimentos de longo prazo dispararam para níveis não vistos em anos: no Reino Unido, Alemanha e França as taxas renovaram máximas recentes, enquanto nos EUA os Treasuries de 30 anos chegaram a flertar com o patamar de 5%. Esse salto nos juros longos aumentou significativamente os riscos de perdas para detentores de títulos e reforçou a busca por proteção, com o ouro renovando recordes e superando os US$ 3.599 por onça.
Em paralelo, a expectativa dos investidores se volta hoje para a divulgação do relatório JOLTS e do Livro Bege nos EUA, embora a baixa taxa de resposta das empresas limite a qualidade dos dados de emprego. O quadro geral ainda aponta para um mercado de trabalho que desacelera contratações, mas sem avanço relevante das demissões, preservando a sustentação do consumo das famílias.
Entre as empresas, o destaque foi a Alphabet: em decisão histórica no campo antitruste, a Justiça americana determinou que o Google poderá manter o navegador Chrome, mas terá de compartilhar parte de seus dados de busca com concorrentes, medida que impulsionou suas ações em mais de 7%.
Nos mercados asiáticos, o dia foi de quedas generalizadas em Xangai, Shenzhen e Hong Kong, em meio a incertezas políticas no Japão, enquanto Taiwan e Coreia do Sul destoaram com ganhos moderados. Já na Europa, as bolsas mostraram recuperação parcial nesta manhã, aliviando a forte venda dos títulos da véspera, ainda que o quadro fiscal siga como um dos principais fatores de atenção.
· 00:55 — Começou o desembarque
No Brasil, o Ibovespa encerrou a sessão de ontem em queda de 0,67%, aos 140.335 pontos, em um pregão marcado por dois fatores de grande relevância: a divulgação do PIB do segundo trimestre e o início do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Segundo o IBGE, a economia brasileira cresceu 0,4% no 2º trimestre de 2025, levemente acima das projeções de mercado, com destaque positivo para o setor de serviços e a indústria extrativa. Por outro lado, investimentos e consumo das famílias apresentaram perda de fôlego, reflexo do ambiente de juros elevados e das incertezas fiscais. Embora o resultado tenha surpreendido marginalmente, ele representa forte desaceleração em relação ao primeiro trimestre, reforçando os sinais de que a política monetária restritiva começa a produzir seus efeitos. Nesse contexto, o dado de produção industrial que será divulgado hoje pode confirmar a moderação da atividade, ao apontar retração em julho. Para o restante do ano, o crescimento deve seguir em ritmo moderado. O quadro abre espaço para cortes de juros em dezembro, desde que a atividade confirme fraqueza adicional, a inflação mostre trajetória qualitativamente mais benigna e o Federal Reserve também avance em seu ciclo de flexibilização.
No campo político, as atenções estão voltadas para a retomada do julgamento de Bolsonaro no STF, que gera apreensão adicional nos mercados diante do risco de retaliações por parte dos EUA — não por acaso, hoje acontece a primeira audiência pública no Escritório do Representante de Comércio norte-americano, em que o governo brasileiro deve defender uma saída negociada. A tensão política se soma a um cenário de governabilidade cada vez mais complexo para Lula em Brasília: as cúpulas do União Brasil e do PP anunciaram a saída da base, comunicando que apoiarão o projeto de anistia a Bolsonaro — movimento confirmado até pelo líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias, ao reconhecer o fortalecimento da proposta. A saída dos ministros André Fufuca (Esporte) e Celso Sabino (Turismo) cristaliza a fragilidade política, ampliando o risco de maior volatilidade nos ativos domésticos, justamente em um momento em que os debates fiscais permanecem sem solução clara.
- LEIA TAMBÉM: Veja as 10 ações que podem impulsionar seu patrimônio em setembro. Confira o relatório gratuito disponibilizado pela equipe da Empiricus Research aqui.
· 01:46 — Começou confirmando a tradição
Como destaquei ontem (2), setembro carrega a reputação de ser o mês mais desafiador para a bolsa americana — e o início deste ano confirmou a tradição: S&P 500, Nasdaq e Dow Jones encerraram em queda, em linha com o padrão histórico de recuo médio em torno de 1% neste período. Ainda assim, é importante não superestimar a sazonalidade. O que de fato direciona os preços são variáveis estruturais, como política monetária e cenário macroeconômico. Nesse sentido, vale notar que o mercado de juros já precifica até cinco cortes do Federal Reserve até 2026, e, em perspectiva histórica, ciclos de redução de juros costumam sustentar o desempenho das ações, oferecendo um contraponto relevante à narrativa de fragilidade sazonal.
Apesar disso, o ambiente segue permeado por incertezas. As disputas judiciais sobre as tarifas impostas por Donald Trump, a crescente pressão sobre a independência do Fed, rumores de uma possível paralisação do governo e indicadores econômicos ainda mistos compõem um pano de fundo delicado. O relatório de empregos que será divulgado na sexta-feira assume papel central, podendo redefinir as apostas sobre o ritmo da política monetária e, consequentemente, ditar se o rali de verão terá fôlego para se estender ou se cederá lugar a um outono mais turbulento. Paralelamente, fatores corporativos e regulatórios — como a decisão judicial favorável ao Google, que levou as ações da Alphabet a dispararem mais de 7% — acrescentam volatilidade adicional, reforçando o caráter pouco trivial do atual momento de mercado.
· 02:32 — Tom duro diante da judicialização
O presidente Donald Trump voltou a adotar um tom mais duro em relação ao comércio internacional, descartando qualquer possibilidade de redução das tarifas sobre importações da Índia — ainda que tenha ressaltado manter uma boa relação com o país. Segundo ele, a balança comercial com Nova Déli segue “desequilibrada” e agravada pelas compras de energia russa, que, em sua visão, minam a efetividade das sanções contra Moscou. Trump também ampliou as críticas a Brasil e China, acusando-os de “matar os EUA” com tarifas excessivas — lembrando que, no caso brasileiro, o saldo comercial vem sendo deficitário com os americanos há mais de uma década. As declarações acontecem em meio a uma disputa judicial decisiva sobre a legalidade das tarifas implementadas por seu governo, após o tribunal de apelações classificar a maioria delas como ilegais, como já comentei aqui, mas mantê-las em vigor até 14 de outubro, prazo em que a Casa Branca deve recorrer à Suprema Corte.
O debate ganhou contornos ainda mais tensos após o assessor comercial da Casa Branca, Peter Navarro, afirmar que a dissidência registrada na decisão judicial oferece um roteiro para convencer a Suprema Corte de que existe uma emergência nacional — justificada tanto pelo déficit comercial quanto pela crise do fentanil. Enquanto isso, o setor empresarial e parte do Congresso pressionam por uma definição rápida, diante da insegurança que paralisa investimentos e afeta exportadores e importadores. Ao mesmo tempo, apenas em julho, o governo arrecadou US$ 28 bilhões em tarifas, valores que têm ajudado a mitigar um déficit orçamentário superior a US$ 1,7 trilhão. Uma eventual reversão desse fluxo não apenas comprometeria a arrecadação, mas também poderia pressionar os rendimentos dos Treasuries, como já se observou ontem. Em paralelo, o Congresso se prepara para enfrentar outro desafio imediato: a negociação do financiamento do governo antes de 30 de setembro, em mais uma batalha orçamentária que promete elevar a tensão política e os riscos fiscais.
· 03:27 — Não conseguem isolar
Os esforços da União Europeia para isolar economicamente a Rússia sofreram um duro revés com o recente anúncio de um novo acordo estratégico entre Moscou e Pequim. A Gazprom fechou com a China a construção do gasoduto Power of Siberia 2, projeto que aprofunda a cooperação energética entre os dois países e consolida a presença russa em economias asiáticas em expansão. O acerto, firmado durante a cúpula da Organização de Cooperação de Xangai, soma-se a outros vinte pactos bilaterais, incluindo a isenção de vistos para cidadãos russos em território chinês, e reforça a aproximação entre Vladimir Putin e Xi Jinping em meio à tentativa ocidental de sufocar financeiramente o esforço de guerra russo na Ucrânia. Trata-se de um gesto pragmático, que mostra não apenas a resiliência da parceria, mas também a disposição de ambos em criar alternativas ao sistema econômico do Ocidente.
Enquanto isso, a União Europeia segue em busca de novas formas de pressão, discutindo sanções secundárias e restrições adicionais a exportações consideradas estratégicas. A Alemanha chegou a sugerir que o bloco interrompa as vendas de sucata de cobre à China — insumo essencial para cadeias industriais ligadas à transição energética, como a de baterias. O risco, porém, é que tais medidas acabem atingindo setores vitais da própria economia europeia, acentuando vulnerabilidades em um momento de desaceleração. A mensagem transmitida pela reunião sino-russa é cristalina: China e Rússia pretendem demonstrar que detêm massa crítica e influência global suficientes para resistir às pressões de Europa e EUA, buscando reposicionar-se como polos alternativos de poder em um mundo cada vez mais fragmentado.
· 04:11 — O desfile
O desfile militar em Pequim, realizado para marcar os 80 anos da derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial, transformou-se em uma vitrine cuidadosamente orquestrada por Xi Jinping para projetar o poder militar e a crescente influência diplomática da China. Ao lado de chefes de governo como Vladimir Putin e Kim Jong Un, o líder chinês buscou enviar uma mensagem clara de desafio à ordem internacional liderada pelos Estados Unidos, ocupando o Portão da Paz Celestial enquanto tanques, mísseis e tropas marchavam em perfeita sincronia pela imensa praça. Sem dúvida, foi teatral.
Mais do que a exibição de força bruta, o evento simbolizou a disposição de China, Rússia e Coreia do Norte em coordenar-se de forma mais explícita e estratégica diante do Ocidente, no Eixo das Ditaduras. A presença de estrangeiros acompanhando o desfile reforçou ainda mais a dimensão global dessa mensagem, sublinhando o caráter geopolítico do espetáculo preparado por Pequim. O impacto político foi imediato. Em Washington, Donald Trump reagiu acusando Xi, Putin e Kim de conspirarem contra os EUA, num contexto em que a Rússia acaba de avançar no acordo para construir o gasoduto Power of Siberia 2 em direção à China, como comentei anteriormente.
Para Xi, o desfile serviu como prova de sua tentativa de liderança global em meio a um ambiente de tensão crescente. O episódio, carregado de simbolismo, reforça a percepção de que vivemos uma nova Guerra Fria, marcada por alinhamentos explícitos e um clima de enfrentamento que, ao que tudo indica, tende a se intensificar.
· 05:09 — Decisão favorável
O julgamento antitruste contra o Google trouxe uma decisão que, embora imponha restrições relevantes, preserva a espinha dorsal do modelo de negócios da companhia. O pior cenário foi afastado: apesar do reconhecimento de que a empresa manteve um monopólio ilegal no mercado de buscas, a proposta do Departamento de Justiça de forçar a venda do navegador Chrome ou do sistema Android foi considerada desproporcional e, portanto, descartada. Em vez disso, a Corte determinou que o Google não poderá mais firmar contratos de exclusividade — como os acordos com a Apple — e terá de compartilhar parte dos dados usados em seus resultados de busca. Na prática, a sentença protege os ativos mais estratégicos da companhia, preservando sua estrutura central, mas impõe limites a práticas que reforçavam sua posição.
A reação do mercado foi imediata e positiva. As ações do Google avançaram no after hours com o alívio de que não houve…