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Ibovespa começa semana em queda aguardando IPCA de maio e bolsas globais balançam com dúvidas sobre o excepcionalismo dos EUA; confira os destaques desta terça-feira (10)

Líderes dos EUA e China continuam negociações comerciais em Londres nesta terça-feira (10). Leia mais.

Por Matheus Spiess

10 jun 2025, 09:17 - atualizado em 10 jun 2025, 09:27

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Imagem: iStock/ metamorworks

O cenário internacional desta terça-feira (10) é dominado pelo segundo dia de negociações comerciais entre EUA e China, agora em andamento em Londres. Representantes das duas potências voltaram à mesa com promessas públicas de progresso, o suficiente para animar os mercados em busca de qualquer alívio em meio às turbulências. As lideranças americanas, em especial, ensaiaram um discurso otimista, sugerindo avanços. Neste contexto, vimos um fechamento misto na Ásia, com as bolsas de Taiwan e Tóquio registrando ganhos, enquanto os índices chineses recuaram.

O pano de fundo é menos sobre a reunião em si e mais sobre o desgaste acumulado. A nova temporada de atritos vindos da Casa Branca sob Donald Trump — em seu segundo mandato e agora com ainda menos freios institucionais — começa a alterar padrões. Por mais de uma década, os fluxos globais privilegiaram os ativos americanos, em boa parte graças ao chamado excepcionalismo dos EUA. Mas 2025 marcou o início de uma inflexão. Desde janeiro, ações fora dos Estados Unidos têm superado seus pares americanos em retorno — um sinal de que parte do capital global começa a redescobrir o resto do mundo. É uma mudança estrutural, não conjuntural. 

Ainda que as tratativas entre Washington e Pequim tragam algum alívio momentâneo aos mercados ocidentais, dificilmente alterarão a lógica de rotação regional em nível internacional que está em curso. Investidores globais parecem menos dispostos a apostar em hegemonias instáveis e mais interessados em diversificar riscos. A ideia de que “só os EUA valem a pena” começa a perder força. E isso muda bastante coisa.

· 00:53 — A aparente saída contábil

No Brasil, a semana começou com o Ibovespa em queda, em linha com o que antecipamos por aqui, refletindo a reação negativa do mercado à mais recente tentativa do governo de ajustar as contas públicas — mais uma, aliás, construída sobre a premissa de que é mais fácil arrecadar do que cortar. A proposta liderada por Haddad, e que deve ser apresentada hoje (10) ao presidente Lula, busca substituir a controversa alta do IOF por uma série de novas cobranças: entre elas, a elevação de impostos sobre bets, fintechs e aplicações antes isentas. A Medida Provisória que está sendo preparada incluiria uma alíquota única de 17,5% para o Imposto de Renda sobre aplicações financeiras, abandonando a tabela regressiva atual, além da taxação de 5% sobre instrumentos hoje isentos como LCIs, LCAs, CRIs e CRAs — embora com a ressalva de que o estoque emitido até o fim de 2025 seria poupado da mordida. Debêntures de infra, fundos imobiliários e Fiagros também devem entrar no escopo.

O mercado, no entanto, não comprou a ideia. Aparentemente, o governo mais uma vez optou pela solução fácil da arrecadação em detrimento de um verdadeiro enfrentamento do desequilíbrio estrutural das contas públicas. Nenhuma medida foi apresentada para conter a escalada dos gastos com Fundeb e BPC, entre outras coisas. Os temas realmente relevantes, como a reforma da previdência dos militares, a limitação dos supersalários ou a desvinculação do salário mínimo das aposentadorias, continuam sendo tratados como tabu. Aliás, os primeiros a se opor às reformas estruturais foram justamente os parlamentares da base governista — PT e aliados. O resultado é um pacote que pode até aliviar temporariamente a arrecadação de 2025 e 2026, mas que falha em endereçar a raiz do problema. E o mais irônico é que nem mesmo essa proposta tem garantia de aprovação: ela ainda terá que passar pelo Congresso, onde enfrentará uma oposição bem treinada na retórica de que a nova tributação “encarece a comida do povo” e “acaba com o sonho da casa própria”.

No fim das contas, o que se desenha é mais um capítulo da já conhecida desordem fiscal brasileira. A Medida Provisória em questão terá validade de 120 dias. Passado esse prazo, pontos sensíveis — como a tributação sobre ativos até então isentos — tendem a caducar. Além disso, as medidas sequer terão efeito imediato (leva um tempo). Ou seja, trata-se de uma saída contábil, pensada para garantir que o arcabouço fiscal siga de pé — ao menos no papel. A sensação é clara: a oportunidade de um ajuste estrutural sério foi, mais uma vez, postergada — empurrada para um futuro incerto, que começa em 2027 e dependerá diretamente de quem estiver à frente do Executivo. Até lá, o investidor terá de conviver com soluções de curtíssimo prazo, marcadas por excesso de arrecadação e ausência de reformas estruturais na dinâmica de gasto público. É um modelo que exaure a confiança sem resolver o grave problema.

Fora do tema político, o destaque do dia é o IPCA de maio, que deve desacelerar de 0,43% para algo em torno de 0,34%, influenciado pela queda nos preços de alimentos e pela deflação das passagens aéreas. Caso a média dos núcleos confirme a tendência de descompressão, o número pode reforçar a narrativa de corte da Selic no fim do ano — embora ainda haja espaço, como já alertado neste espaço, para uma alta residual de 25 pontos-base na reunião do Copom marcada para o dia 18 de junho.

· 01:41 — Sem muita agitação

Nos EUA, o mercado acionário iniciou a semana oscilando entre altos e baixos, em um cenário esvaziado de notícias relevantes. No entanto, o setor de tecnologia voltou a roubar a cena — em parte impulsionado por Jensen Huang, CEO da Nvidia, cuja fala na London Tech Week soou como pregação para os devotos da inteligência artificial. Em contraste, o aguardado início da Conferência Mundial de Desenvolvedores da Apple, que deveria incendiar expectativas, gerou apenas um tímido calor: a ausência de novidades robustas em IA pesou sobre o entusiasmo dos investidores.

Enquanto isso, as negociações comerciais entre China e Estados Unidos, que já vinham em banho-maria, empacaram mais uma vez. A rodada de ontem (9) terminou sem acordo, e os diálogos seguem hoje (10), ainda em Londres, sob expectativas modestas.

Mesmo com esse cenário morno e sem grandes catalisadores, o S&P 500 conseguiu manter-se acima da marca simbólica dos 6.000 pontos, a poucos passos de retomar a máxima registrada em fevereiro. Trata-se de uma reviravolta relevante, sobretudo quando lembramos da correção enfrentada em abril — e como de costume, há quem enxergue nesses solavancos abruptos um típico sinal de compra. O tempo dirá.

· 02:32 — O segundo dia

China e Estados Unidos voltaram à mesa de negociações em Londres, com holofotes voltados para possíveis anúncios nos próximos dias. As conversas ocorrem na imponente Lancaster House, a poucos passos do Palácio de Buckingham. São as primeiras tratativas desde a reunião em Genebra, no mês passado, quando as duas potências selaram um armistício tarifário provisório de 90 dias. Apesar da ausência de resultados concretos, Donald Trump preferiu pintar o quadro com tintas otimistas, afirmando que só tem recebido “boas notícias” dos representantes americanos. 

Washington acena com a possibilidade de aliviar restrições a exportações tecnológicas, desde que Pequim flexibilize seus controles sobre as remessas de terras raras — uma moeda de troca crítica e pouco substituível. A ansiedade de Trump por garantir a autossuficiência americana esbarra justamente aí: nas entranhas do subsolo chinês, onde repousa quase 70% da produção mundial desses elementos (e 90% do refino desses materiais). De smartphones a caças militares, passando por reatores nucleares, a economia moderna depende desses minérios discretos e estratégicos.

Neste jogo, o que está em jogo não são apenas tarifas ou chips, mas o controle do amanhã. As negociações continuam enquanto você lê estas linhas, com o S&P 500 ganhando fôlego à medida que rumores de progresso circulam. Mas há um limite para o quanto os EUA estão dispostos a ceder — e ele, ao que tudo indica, está bem mais adiante do que qualquer comunicado oficial ousaria admitir.

· 03:27 — Problema na Costa Oeste

Como se o rombo fiscal e a tensão comercial já não fossem problemas suficientes, a Casa Branca agora precisa lidar com mais um foco de incêndio político — desta vez, nas ruas de Los Angeles. A cidade tornou-se palco de protestos contra a política de deportação do governo Trump. As imagens que circulam são impactantes, e não apenas pela massa nas ruas: o presidente decidiu enviar 700 fuzileiros navais à cidade. Embora os protestos, por ora, permaneçam restritos em escala, a imprensa internacional já se encarregou de amplificar o episódio. O resultado é previsível: um descompasso crescente entre a percepção doméstica e a imagem que o investidor estrangeiro passa a construir sobre a estabilidade institucional dos EUA.

E o cerco deve apertar. Há rumores de que, ainda nesta manhã, Trump enviaria mais dois mil soldados da Guarda Nacional para reforçar a presença federal em Los Angeles. O objetivo declarado é conter os atos, mas o subtexto é outro: reafirmar autoridade.

A Califórnia, por sua vez, respondeu no campo jurídico, processando o governo federal por usurpação de prerrogativas estaduais. Em resposta, Trump — nunca afeito à diplomacia — sugeriu que o governador Gavin Newsom fosse preso. Em meio a essa guerra política, os mercados tentam fingir normalidade. 

· 04:15 — Uma marca impressionante

A OpenAI alcançou a impressionante marca de US$ 10 bilhões em receita recorrente anual — um feito notável para uma empresa que, há menos de três anos, lançou o ChatGPT e redesenhou a fronteira entre humanos e máquinas. O número engloba a receita dos produtos voltados ao consumidor final, soluções empresariais via ChatGPT, e o uso de sua API. Ficam de fora da conta as receitas de licenciamento com a Microsoft e contratos únicos de grande porte, conforme informou um porta-voz da empresa. Ou seja, trata-se de um retrato conservador — e ainda assim relevante.

Para fins de comparação: no ano passado inteiro, a OpenAI operava com uma receita recorrente anual em torno de US$ 5,5 bilhões. Dobrar esse número em tão pouco tempo exige mais do que genialidade algorítmica — exige capital. Muito capital. Só em 2024, a empresa teria amargado um prejuízo de US$ 5 bilhões. Isso mesmo: um rombo bilionário sustentando um crescimento igualmente bilionário. O plano? Chegar a US$ 125 bilhões em receita anual até 2029. É exatamente isso que está na prancheta.

Esses números ajudam a justificar o valuation da companhia. Em março, a OpenAI levantou US$ 40 bilhões numa rodada privada — o maior acordo já registrado no setor de tecnologia. À luz das métricas atuais, a empresa está sendo precificada a aproximadamente 30 vezes a receita. Para os seus investidores — Microsoft, SoftBank, Altimeter, Coatue, Thrive e cia. — é o bilhete dourado para um futuro dominado pela inteligência artificial generativa. Num mercado onde promessas valem mais que lucros e onde narrativas substituem balanços, a OpenAI personifica o zeitgeist da IA.

· 05:04 — Obstáculos na China

A Nvidia (NVDC34) está deixando US$ 8 bilhões por trimestre na mesa por conta das restrições impostas ao comércio com a China — e não está exatamente tentando esconder esse incômodo. Na última teleconferência de resultados, o termo “China” foi mencionado 27 vezes — mais do que nos quatro trimestres anteriores somados. É o tipo de ênfase que não se faz por acaso…

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.