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Os mercados globais atravessam um período de maior cautela após a revisão do PIB dos Estados Unidos para +3,8% no 2º trimestre — acima da expectativa de +3,3% — reduzir as apostas em cortes adicionais de juros ainda neste ano. A atenção agora se concentra no PCE de agosto, indicador de inflação preferido do Federal Reserve, que será divulgado hoje. Um resultado mais pressionado pode diminuir ainda mais a probabilidade de um corte em outubro, movimento que já vem pesando sobre as bolsas, elevando os rendimentos dos Treasuries e fortalecendo o dólar. No campo político, Trump voltou a agitar os mercados ao anunciar novas tarifas — chegando a 100% sobre medicamentos de marca, além de tributos sobre caminhões pesados e móveis — reacendendo receios em torno do comércio global. Ao mesmo tempo, diplomatas europeus elevaram o tom contra Moscou, avisando que a OTAN está disposta a abater aviões russos em caso de novas violações de espaço aéreo.
Esse ambiente de incerteza levou Wall Street a acumular três sessões consecutivas de queda. Ainda assim, é importante lembrar que correções pontuais são naturais em mercados de alta prolongada e podem até abrir oportunidades de entrada, especialmente em tecnologia. No campo corporativo, seguem avançando as negociações para um acordo de cerca de US$ 14 bilhões envolvendo Oracle, Silver Lake e o fundo soberano de Abu Dhabi para investir no TikTok. Já no mercado de commodities, o petróleo volta a cair nesta manhã, após encerrar a sessão anterior praticamente estável, sustentado pela queda dos estoques nos EUA que reforçou preocupações de oferta restrita, ainda que o horizonte de curto prazo aponte para excesso de produção global. Na Ásia, as bolsas recuaram em bloco diante do impacto das novas tarifas americanas sobre medicamentos, enquanto a Europa tenta se recuperar nesta manhã, movimento também seguido pelos futuros em Nova York.
· 00:54 — Visão turva
No Brasil, o mercado voltou a acompanhar o humor externo e encerrou a quinta-feira em queda. O movimento refletiu a frustração dos investidores com a postura mais cautelosa do Federal Reserve diante de dados de atividade mais fortes, que arrefeceu o entusiasmo com cortes de juros nos EUA, ainda que o diferencial de taxas siga favorável ao Brasil, mantendo atrativo o fluxo de carry trade. No campo doméstico, o IPCA-15 de setembro apresentou alta de 0,48%, levemente abaixo do esperado e com composição bastante benigna: núcleos e serviços registraram desaceleração, alimentos voltaram a entrar em deflação e o índice de difusão recuou. Ou seja, a Selic em 15% segue cumprindo seu papel de conter pressões inflacionárias. Ainda assim, o Relatório de Política Monetária do Banco Central manteve tom hawkish, projetando inflação acima da meta nos próximos trimestres diante de expectativas desancoradas e de um hiato do produto ainda positivo, revisado para 0,7% no 2º trimestre, em função da resiliência do mercado de trabalho. Nesse contexto, um corte de juros em dezembro ainda é possível, mas menos provável, com maior chance de o ciclo começar na primeira ou segunda reunião de 2026. Esse quadro doméstico contrasta com movimentos de outros pares, como o México, cujo banco central reduziu sua taxa em 25 pontos-base, para 7,5% ao ano, projetando convergência inflacionária em 2026.
O desafio fiscal, no entanto, continua sendo uma das principais travas para cortes mais consistentes no Brasil. Sobre isso, inclusive, o governo federal deve recorrer ao TCU para justificar que, em função do “Orçamento impositivo”, mira o piso da meta fiscal — argumento já advertido pela Corte como irregular. O ponto é simples: a meta é o centro da meta, não a banda inferior. Para 2025, a meta é de déficit zero, com tolerância entre –R$ 31 bilhões e +R$ 31 bilhões. A equipe econômica, contudo, projeta déficit de R$ 30,1 bilhões, praticamente no limite inferior, mantendo o contingenciamento de R$ 12,1 bilhões. Caso prevaleça o entendimento do TCU, o Executivo precisará buscar R$ 30 bilhões adicionais em receitas, cortar despesas ou combinar ambas as medidas.
No fundo, entretanto, a solução fiscal estrutural só virá a partir de 2027, se houver espaço político para uma agenda de reformas mais profundas. O problema é que, até aqui, a oposição não conseguiu se organizar para oferecer um projeto reformista crível. Muito pelo contrário: os sinais têm sido de atrito interno. Segundo Bela Megale, do Globo, Jair Bolsonaro tem se mostrado incomodado com as declarações do filho Eduardo, avaliando que sua retórica excessiva acaba prejudicando mais do que ajudando. O deputado, por sua vez, radicalizou o discurso após o esvaziamento de sua ala e o recente flerte entre Trump e Lula, voltando a atacar o governador Tarcísio de Freitas, que deve se reunir com Bolsonaro na próxima segunda-feira. Esse quadro de fragmentação oposicionista, paradoxalmente, tem ajudado o governo: pesquisa do Ipespe mostrou que a desaprovação de Lula caiu de 51% para 48%, ainda elevada, mas em tendência de melhora. A partir do próximo sábado, 4 de outubro, entraremos na janela oficial de 12 meses para as eleições, período em que o rali eleitoral deve ganhar corpo. O ponto central, contudo, permanece: a alternância de poder em 2026 dependerá menos de erros do governo e muito mais da capacidade da oposição de se estruturar em torno de um discurso viável, competitivo, reformista e fiscalista.
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· 01:42 — O que o PCE vai nos contar?
O mercado americano entrou em um processo de correção natural após um início de setembro de performance atipicamente robusta. Na sessão de ontem, os três principais índices recuaram pela terceira vez consecutiva, ainda que todos sigam acumulando ganhos no mês. O movimento reflete uma combinação de fatores macroeconômicos que reforçam a resiliência da economia, mas reduzem o espaço para cortes agressivos de juros por parte do Federal Reserve. A leitura final do PIB do 2º trimestre foi revisada para cima (3,8%, ante 3,3% anteriormente), os pedidos semanais de seguro-desemprego caíram para 218 mil (abaixo dos 232 mil anteriores) e os sinais de inflação persistente permanecem no radar. Como consequência, as apostas em um terceiro corte de 25 pontos-base ainda em 2025, em dezembro, diminuíram para 60%, contra 80% na semana passada, comprimindo múltiplos e reduzindo o apetite por risco.
Esse ajuste penalizou principalmente papéis de empresas que vinham liderando os ganhos recentes, como Oracle, Tesla e Micron, revelando fragilidades setoriais diante da reprecificação monetária. Além disso, o setor de tecnologia voltou a enfrentar pressões regulatórias: a Alphabet (Google) pode ser multada pela primeira vez sob a nova lei antitruste da União Europeia, após acusações de favorecer seus próprios mecanismos de busca — um lembrete de que riscos jurídicos também pesam sobre valuations já esticados. Nesse contexto, os investidores voltam suas atenções para a divulgação do PCE de agosto, prevista para esta sexta-feira. Como métrica de inflação preferida pelo Fed, o dado será determinante para calibrar expectativas sobre a trajetória de juros e, portanto, sobre o fôlego da bolsa americana no curto prazo.
· 02:33 — Recado duro
Diplomatas europeus elevaram o tom contra Moscou, enviando um recado direto de que a OTAN está pronta para reagir de forma plena a novas violações de seu espaço aéreo — inclusive recorrendo ao abate de aeronaves russas, se necessário. O aviso foi motivado pela recente incursão de três caças MiG-31 no espaço aéreo da Estônia, classificada por britânicos, franceses e alemães como uma ação deliberada, ordenada por altos comandos militares russos. A resposta do Kremlin veio de imediato: um diplomata russo advertiu que tal medida poderia significar “guerra”, ampliando ainda mais o nível de tensão em uma relação já marcada por desconfiança e instabilidade.
O pano de fundo político adiciona outra camada de incerteza. Nos EUA, o presidente Trump — maior voz dentro da aliança — mantém uma postura ambígua. De um lado, já declarou que apoiaria aliados europeus no abate de caças russos em caso de violação; de outro, seu histórico de admiração por Vladimir Putin e de críticas à própria OTAN, chegando a sugerir que não defenderia determinados membros em caso de ataque, alimenta dúvidas sobre a real disposição de Washington. Essa combinação reforça a percepção entre autoridades europeias de que Moscou pode optar por intensificar o uso de “operações híbridas” — como ataques cibernéticos, sabotagem e ações de difícil atribuição — em vez de ofensivas militares convencionais, explorando justamente a ambiguidade para testar os limites da aliança e expor potenciais fissuras internas.
· 03:21 — Novas metas
A China, maior emissora de gases de efeito estufa do planeta, apresentou novas metas climáticas, comprometendo-se a reduzir entre 7% e 10% as emissões em relação aos níveis máximos projetados para a próxima década. O ponto crítico, porém, está nos detalhes: Pequim não deixou claro quando esse “pico” será efetivamente atingido, o que levanta dúvidas sobre a efetividade e a credibilidade da meta. Hoje, o país responde por mais de 31% das emissões globais de CO₂ — três vezes o volume dos EUA — e consome mais carvão do que todo o restante do mundo somado. Apesar desse quadro, o governo anunciou um plano ambicioso para multiplicar por seis sua capacidade instalada de energia eólica e solar em comparação a 2020, alcançando cerca de 3.600 gigawatts em dez anos. Esse esforço colocaria a China responsável por aproximadamente 60% de toda a nova capacidade global em energias renováveis, ampliando ainda mais seu domínio em cadeias produtivas estratégicas: atualmente, o país detém entre 70% e 90% da manufatura mundial de painéis solares, turbinas eólicas, baterias de lítio e refino de terras raras (insumos para a transição energética).
Esse avanço contrasta de forma marcante com o discurso do presidente Donald Trump na ONU, onde classificou a mudança climática como “a maior fraude já perpetrada no mundo” e ironizou os esforços chineses, destacando sua forte dependência do carvão. Ainda assim, o movimento de transição energética não é exclusividade da China e vem ganhando tração também nos Estados Unidos, independentemente da retórica política. O mercado já reflete essa tendência: o S&P Global Clean Energy Index acumula alta de 32% no ano, enquanto ETFs temáticos de energia limpa superaram amplamente o desempenho do setor energético tradicional, cujo S&P 500 Energy Sector Index avançou apenas 5,5%. Para 2025, a expectativa é de recordes tanto na instalação de capacidade solar quanto no armazenamento em baterias nos EUA, reforçando que energias renováveis e tecnologias de armazenamento se consolidaram como vetores centrais de crescimento e diferenciação em portfólios globais de investimento.
· 04:18 — Vai renovar?
A Lei de Crescimento e Oportunidades para a África (AGOA), em vigor desde 2000, chega à sua data de expiração já na próxima semana, e ainda não há clareza se Donald Trump irá renová-la. O pacto concede a 32 países da África Subsaariana acesso preferencial ao mercado americano, tendo sido concebido no governo Bill Clinton como instrumento de estímulo ao comércio e de difusão de valores democráticos no continente. Apesar dos avanços iniciais, o impacto da AGOA tem sido desigual: em muitos países, as exportações via acordo representam menos de 1% do PIB. Em contrapartida, alguns casos se destacam. A África do Sul foi, em termos absolutos, a maior beneficiária, com exportações de US$ 56 bilhões entre 2001 e 2022, sobretudo no setor automotivo. A Nigéria aparece em seguida, com US$ 11,2 bilhões no mesmo período. Já Lesoto representa o exemplo mais sensível: o setor têxtil, erguido a partir do acesso proporcionado pela AGOA, responde por cerca de 10% de seu PIB. O fim do pacto, combinado às tarifas adicionais de 15% recentemente implementadas, poderia devastar sua já frágil economia. A exclusão do programa já mostrou efeitos severos em outros países: a Etiópia perdeu mais de dez mil empregos após ser suspensa em 2022 por violações de direitos humanos, enquanto Madagascar viu seu PIB encolher 11% quando ficou temporariamente de fora, em 2010.
Para Washington, o alcance da AGOA vai além do discurso de substituir “ajuda” por “comércio”: trata-se de um mecanismo estratégico para contrabalançar a crescente influência da China e da Rússia na África, sobretudo em setores críticos como mineração e energia. Cinco das 15 maiores fontes globais de terras raras estão localizadas em países beneficiários, e a República Democrática do Congo responde sozinha por mais de 70% da produção mundial de cobalto, insumo vital para baterias elétricas. Não renovar o acordo significaria restringir o acesso americano a esses recursos, além de colocar em risco cerca de US$ 42 bilhões em comércio bilateral. Ainda assim, a lógica de Trump — que considera injusto conceder isenções sem contrapartidas às empresas americanas — e sua política externa de viés isolacionista tornam a continuidade do pacto incerta. Infelizmente, porém, o processo está muito atrasado: se houvesse disposição real, a discussão teria sido iniciada meses atrás.
· 05:07 — A cisão
O presidente Donald Trump assinou ontem um decreto executivo que estabelece a base legal para a cisão do TikTok em duas versões distintas: uma voltada exclusivamente ao mercado americano e outra internacional. A medida foi apresentada como necessária para resguardar a segurança nacional dos Estados Unidos e dá continuidade à lei aprovada em 2024, que obriga a ByteDance — controladora do aplicativo — a se desfazer da operação nos EUA ou enfrentar o banimento em lojas de aplicativos. O decreto também enquadra a operação como uma “alienação qualificada”, reforçando os instrumentos jurídicos que darão sustentação ao processo de separação.
Após meses de adiamentos, um acordo definitivo parece finalmente próximo. A expectativa é de que…