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A quarta-feira (23) começou com um raro alívio nos mercados globais, embalado por uma notícia positiva no front comercial: Donald Trump anunciou um acordo tarifário com o Japão, reduzindo significativamente as alíquotas sobre o setor automotivo nipônico. A medida, embora pontual, foi recebida como um gesto de distensão em meio a um cenário internacional tenso, destravando promessas de investimento japonês nos EUA e reacendendo expectativas de acertos semelhantes com outros parceiros estratégicos — China, Reino Unido, Filipinas e Indonésia passaram a figurar no radar de Washington. O impacto foi imediato e, como de costume, assimétrico. A bolsa de Tóquio liderou os ganhos na Ásia, com o índice Nikkei 250 em forte alta, impulsionado pelo otimismo em torno da redução tarifária e da intensificação dos fluxos de capital.
Na Europa, os mercados seguem a mesma trilha, reagindo com entusiasmo à perspectiva de um acordo entre Bruxelas e Washington. O setor automotivo, sensível ao tema, puxa os índices para cima, em um movimento que ecoou o bom humor asiático. Em Nova York, os futuros também operam em alta, sustentados pela crença de que novos acordos comerciais possam ser anunciados até o simbólico prazo de 1º de agosto. Fora isso, com uma agenda econômica anêmica — restrita a dados pontuais como o índice de confiança do consumidor na Zona do Euro, vendas de imóveis usados nos EUA e o fluxo cambial do BC por aqui —, os holofotes recaem sobre a temporada de resultados corporativos. O dia é de pesos-pesados: lá fora, após o fechamento, vêm Alphabet e Tesla. Por aqui, a WEG (WEGE3) solta ainda pela manhã.
· 00:52 — Sem rumo e sem freio: a insustentável trajetória fiscal
Por aqui, o pregão de ontem (22) só não foi pior porque os papéis de mineradoras e siderúrgicas serviram de amortecedor, aliviando parte das perdas e evitando um tombo mais expressivo. Enquanto os acordos comerciais anunciados no exterior trouxeram algum alento aos mercados globais, por aqui o impasse em torno da tarifa de 50% imposta pelos EUA continua sem qualquer avanço — um silêncio diplomático que pesa. Ainda assim, o Ibovespa teve um dia de relativa estabilidade, apesar de um gosto amargo deixado pelas surpresas do Relatório Bimestral de Receitas e Despesas.
O governo brasileiro decidiu liberar R$ 20,6 bilhões em novos gastos neste ano, reduzindo a contenção prevista de R$ 31,3 bilhões para apenas R$ 10,7 bilhões. Essa “folga” foi viabilizada pela inclusão de receitas extraordinárias — como o aumento do IOF e antecipações do leilão do pré-sal — que adicionaram R$ 27,1 bilhões ao caixa. O saldo aparente: uma projeção revisada de déficit primário de R$ 26,3 bilhões (0,2% do PIB) para 2025, muito próximo de zero. Mas a aparência, neste caso, engana.
Na prática, o movimento é negativo — tanto do ponto de vista técnico quanto de sinalização. A reversão do contingenciamento compromete a margem de manobra para 2026, quando a meta fiscal é mais ambiciosa: superávit de R$ 34,5 bilhões (0,25% do PIB). A decisão de “queimar cartucho” em 2025 com receitas não recorrentes pode custar caro no próximo ano, sobretudo porque a receita líquida projetada crescerá 8,5%, enquanto as despesas devem avançar 10%. O aumento do IOF, longe de representar esforço de ajuste, apenas alimentará novos gastos (gatilho do próprio arcabouço). Fica difícil convencer alguém de que há compromisso real com responsabilidade fiscal sob esse tipo de lógica. Perdeu-se a oportunidade de ancorar expectativas, fortalecer a confiança e contribuir para a queda de juros e inflação.
Mais grave: mesmo desconsiderando os precatórios, as contas públicas de 2026 já flertam com um déficit entre R$ 50 e R$ 60 bilhões, o que aumenta o risco de a meta precisar ser revisada ou simplesmente descumprida. O governo insiste que a meta será mantida, mas a sensação predominante é a de um orçamento construído no improviso. E, como se não bastasse, o próprio resultado apresentado repousa sobre receitas de natureza transitória — especialmente ligadas ao petróleo — tornando a trajetória atual fiscalmente insustentável. Todos sabem: o ajuste de verdade só virá em 2027, se vier.
Até lá, viveremos de bloqueios e contingenciamentos sucessivos, à espera de um novo regime fiscal. O problema é que, no meio desse caminho, há uma eleição. E, caso o próximo presidente não tenha um projeto reformista e comprometido com o equilíbrio das contas públicas, dificilmente haverá convicção política ou apoio parlamentar suficiente para implementar o ajuste necessário. Para piorar, a oposição continua fragmentada, incapaz de se organizar minimamente. Enquanto isso, até a questão comercial — que deveria ser tratada como política de Estado — virou arma na arena político-eleitoral. A chance de um desfecho positivo nas eleições ainda existe. Mas é bom deixar claro: o trajeto até lá não será tranquilo. Falei sobre na edição de ontem do Market Makers. Caso não tenha assistido, deixo aqui o link para conferir.
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· 01:46 — Recesso americano e temporada de resultado
O presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Mike Johnson, optou por encerrar os trabalhos legislativos antes do previsto, evitando assim uma votação que poderia obrigar o Departamento de Justiça a divulgar arquivos ligados a Jeffrey Epstein. Oficialmente, o recesso legislativo já começou, embora o timing tenha deixado clara a intenção de esvaziar o quórum. Johnson acusou os democratas de “jogos políticos” ao pressionarem por transparência em um tema sensível e potencialmente explosivo. Curiosamente, alguns republicanos — inclusive aliados do presidente Donald Trump — aderiram à iniciativa, num raro gesto bipartidário. Vale lembrar que o próprio Trump chegou a prometer a liberação desses documentos durante sua campanha, mas abandonou o tema. Pode parecer um assunto periférico, mas o caso Epstein ainda assombra os bastidores do poder americano, alimenta teorias conspiratórias e afeta, sim, a percepção pública de governabilidade — um elemento que pode ganhar peso nas eleições legislativas de meio de mandato, previstas para daqui a 16 meses.
Enquanto isso, os mercados seguem ancorados na temporada de balanços, com números robustos até aqui. Ontem, General Motors, D.R. Horton e PulteGroup entregaram bons resultados, superando as expectativas de lucro e receita. Coca-Cola e Philip Morris também vieram acima do esperado no lucro, sustentando o apetite por risco. Hoje, os holofotes se voltam para Alphabet (GOGL34) e Tesla (TSLC34), que divulgam seus números após o fechamento. Mas o cardápio corporativo do dia é vasto: AT&T, Chipotle, CME, Crown Castle, CSX, Freeport-McMoRan, General Dynamics, Hasbro, IBM, Moody’s e T-Mobile também estão na agenda. É um dia de peso — e o mercado, como sempre, reagirá não só aos números em si, mas aos sinais para os próximos trimestres.
· 02:37 — Saiu um acordo
Donald Trump anunciou, na terça-feira (22), um novo acordo tarifário com o Japão, impondo uma alíquota de 15% sobre as importações — inclusive de automóveis, que respondem, de longe, pela maior fatia do déficit comercial bilateral. O gesto tem peso simbólico e prático: além de sinalizar firmeza na política comercial americana, impõe um custo relevante sobre um setor-chave da economia japonesa. Em paralelo, acordos similares começaram a se multiplicar na região. As Filipinas aceitaram uma tarifa de 19%, mesmo patamar negociado com a Indonésia e ligeiramente inferior aos 20% impostos ao Vietnã — o que sugere que a maior parte do Sudeste Asiático deverá seguir pelo mesmo caminho, compondo uma malha tarifária comedida.
Enquanto isso, o secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, confirmou que se reunirá na próxima semana com autoridades chinesas em Estocolmo para a terceira rodada de conversas bilaterais. O objetivo é claro: estender a trégua tarifária em vigor e expandir o escopo das negociações. Os sinais são de distensão. Os EUA aliviaram recentemente as restrições à venda de semicondutores, enquanto Pequim retomou as exportações de terras raras — um gesto interpretado como tentativa de normalização. Passados seis meses de tensões e ameaças, que chegaram a inflar tarifas a impressionantes 145% sobre produtos chineses e até 50% para outros exportadores asiáticos, parece emergir um raro momento de previsibilidade. O mercado respondeu com alívio: as bolsas asiáticas fecharam com os maiores ganhos em um mês, celebrando o que, por ora, soa como uma trégua mais coordenada do que improvisada.
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· 03:21 — Quem paga pelas tarifas?
Até o momento, quem mais tem arcado com os custos da política tarifária de Donald Trump não são os exportadores estrangeiros — mas sim as próprias empresas e consumidores dos Estados Unidos. A General Motors foi a mais recente a colocar isso no papel: em seu resultado divulgado ontem, a montadora informou que as tarifas já reduziram seus lucros em mais de US$ 1 bilhão. Em vez de repassar os custos de imediato, a empresa optou por absorver parte do impacto — uma estratégia que ajuda a explicar por que os preços de automóveis não apareceram com força nos dados de inflação da semana passada. Já em outros segmentos, como brinquedos e eletrodomésticos, a história é diferente: aumentos expressivos indicam que o custo das tarifas vem sendo integralmente repassado ao consumidor final.
Ou seja, quem está efetivamente pagando pelas tarifas de Trump é o cidadão americano — e não as empresas, como o discurso sugere. Na prática, isso significa que novas pressões inflacionárias já estão contratadas e devem se materializar entre outubro de 2025 e janeiro de 2026. O caminho é previsível: tarifas incidem nos altos elos da cadeia de suprimento, mas seu peso chega, com defasagem, ao carrinho de compras. Por outro lado, a assinatura de novos acordos reduz incertezas para as empresas, o que pode, ao menos em tese, destravar investimentos e contratações. A dúvida que paira no ar — e que define o grau de alívio — é se esses acordos vão durar ou se serão mais um capítulo na política comercial errática do atual governo dos EUA.
· 04:14 — Pêndulo político em movimento
A polarização política é uma constante nas democracias contemporâneas, mas no Chile ela atinge contornos particularmente agudos às vésperas das eleições presidenciais de novembro. O atual presidente Gabriel Boric, de esquerda, está impedido de disputar a reeleição, e o cenário que se desenha nas pesquisas é de fragmentação no primeiro turno — com favoritismo inicial da candidata de esquerda Jeanette Jara, seguida de perto por três nomes conservadores: José Antonio Kast, Evelyn Matthei e Johannes Kaiser. A configuração sugere um padrão cada vez mais comum na região: múltiplas candidaturas à direita pulverizam os votos no início, mas tendem a se aglutinar no segundo turno em torno de um nome com discurso mais firme contra a esquerda. Um roteiro que, não por acaso, também ronda o Brasil.
Entre os principais temas da eleição chilena, destaca-se o avanço da criminalidade — catalisada por gangues e redes transnacionais —, que empurra o debate público para a direita. A sensação de insegurança tem o poder de reordenar preferências eleitorais e realinhar coalizões políticas, fenômeno que já se insinua também no Brasil. A mensagem por trás dessa dinâmica é clara: por mais caótico que pareça o noticiário de curto prazo, o pêndulo político sul-americano está longe de estacionar. Nos próximos 18 meses, cinco eleições presidenciais ocorrerão no continente — uma janela que promete manter os mercados da região em alerta e exigir dos investidores mais atenção aos humores da política do que às curvas dos ciclos econômicos.
· 05:03 — Mais uma no clube do trilhão
Após mais um trimestre de resultados robustos, as ações da Taiwan Semiconductor Manufacturing (TSMC) renovaram máximas históricas, levando a gigante dos chips a ultrapassar a simbólica marca de US$ 1 trilhão em valor de mercado. A empresa surfa com maestria a onda da inteligência artificial — e, apesar da correção pontual de ontem, volta a subir no pré-market desta quarta-feira, reforçando a nova faixa de preço. Líder global em fabricação de chips sob demanda, a TSMC opera com os processos mais avançados da indústria e tem entre seus principais clientes nomes como Apple, Nvidia e AMD. O início do ano, porém, foi tudo menos suave.
Logo após o anúncio das tarifas sobre produtos de Taiwan feito por Donald Trump…