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Investimentos

Acho que este texto não é para você

Faço questão da ressalva porque a recomendação aqui contida destina-se exclusivamente àqueles dispostos a correr um pouco mais de risco.

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Data de publicação
9 de junho de 2017
Categoria
Investimentos

Talvez o texto de hoje não seja para você. Nesta oportunidade, falo apenas com aqueles que, necessariamente:

i. têm horizonte de longo prazo (> três anos);
ii. toleram a volatilidade;
iii. não entende a variação patrimonial dia a dia como um bem posicional, ou, em outras palavras, não liga para a opinião do vizinho; e
iv. conseguem ser maltratados pela impiedosa marcação a mercado e, ainda assim, dormir à noite, convencidos de que risco e volatilidade são coisas diferentes.

Se você não se enquadra nas quatro condições simultaneamente, desculpe. Esta newsletter não é pra você. Não se avexe, não. Final de semana é tempo de temperatura máxima. Na segunda-feira, voltamos ao normal, ainda com a tela quente.

Faço questão da ressalva porque a recomendação aqui contida destina-se exclusivamente àqueles dispostos a correr um pouco mais de risco, com a contrapartida óbvia de maior retorno potencial. Também deixo claro que essa é uma sugestão de cunho estritamente pessoal, que afronta o consenso, sendo de caráter bastante contrarian – suspeito que quase a integralidade dos analistas pensam diferente.

Talvez eu seja acusado de sincericídio, pois “a pessoa física não é capaz de tolerar uma volatilidade deste nível, nem de pensar a longo prazo.” Dou de ombros. Partilho da postura de Ray Dalio e sua transparência radical. Por mais que tente me afastar disso, minha dor é perceber que, apesar de termos feito tudo que fizemos, ainda somos os mesmos.

Não me importa o que os jornalistas, os gestores, os pseudoconcorrentes pensam da Empiricus. Aprendi lendo o Jeff Bezos que se você se foca no seu concorrente, e não no seu cliente, não vai a lugar algum. E aprendi com minha mãe que implorar para a Luciana Seabra para aparecer no relatório de fundos, receber uma gentil negativa e, logo depois, falar mal pelas costas é muito feio.

Devo satisfações a você e a mim mesmo. Por isso escrevo só e tudo o que penso. E eu penso, desafiando totalmente o consenso, que a verdadeira porrada na renda fixa brasileira está no juro longo, e não no curto. Mais especificamente, no juro real longo. Dai decorre a sugestão pragmática de investimento em NTN-B 2050 – reitero: por favor, atente-se às quatro condições explicitadas lá no começo. Esteja ciente também que este negócio vai pular feito um cabrito e a marcação a mercado pode lhe impor perdas elevadas no curto prazo.

Meu racional é de que o Brasil caminha para conviver, no médio e longo prazo, com patamares de juro real bem menores do que os atuais 5,70 por cento ao ano hoje oferecidos por esses papéis. Como a duration dos papéis é elevada, o potencial de ganho de capital aqui é brutal.

Cedo ou tarde, faremos as reformas fiscais necessárias para dar à dívida pública uma trajetória sustentável, pois essa pauta se impõe naturalmente. Não há alternativa. É isso ou precipício.

Em 2013, povo foi para rua para pedir mais serviço público, querendo mamar mais um pouquinho na teta do Estado. Apenas quatro anos depois, a discussão mudou para o espectro liberal, e se discute livremente privatização, controle do gasto público, eficiência, por ai vai.

Sendo esse o caso, necessariamente conviveremos com prêmios de risco muito menores. Ainda que o mundo flerte, na margem, com restrição dos incentivos monetários dos últimos anos (principalmente no caso europeu) e o Fed esteja subindo juros, conviveremos com taxas de juros baixas em esfera global por bastante tempo, porque a dinâmica mundial é, no geral, deflacionária, com novas tecnologias, ganhos de produtividade ditadas pelo avanço da inteligência artificial e dinâmica demográfica.

“Ah, mas e se as reformas não passarem? Vejo apresentações de grandes gestores sugerindo uma explosão da dívida pública brasileira nesse cenário..”

Sim, é verdade. A dinâmica fiscal é mesmo perversa. Tem razão. Mas o risco da NTN-B 2050 (de novo, preenchidas as condições lá de cima) pode ser menor do que parece.

Dois argumentos principais:

1-Volatilidade e risco são coisas diferentes. Se você acompanhar a variação dos preços da NTN-B 2050 em alta frequência, possivelmente terá momentos de susto e até mesmo desespero. Esteja ciente disso. No entanto, se o mercado caminhar desfavoravelmente a você, há sempre a possibilidade de carregar o papel até o vencimento, recebendo o valor compactuado quando do investimento original. Isso confere uma opcionalidade interessante ao investidor. Seu risco neste caso, entendendo risco como possibilidade real de perda de capital, estaria apenas no default da dívida brasileira. Para uma dívida em moeda local, porém, o calote clássico sempre se coloca como uma probabilidade baixa, pois o País goza da prerrogativa de imprimir moeda para arcar com suas obrigações financeiras. Sendo 100% rigoroso, há um outro risco, de o governo começar a roubar no cálculo do IPCA (lembre-se que o título paga uma taxa de juro mais a variação do IPCA; logo, se o IPCA é colocado forçadamente abaixo do real, o investidor perde retorno). Isso, porém, ao menos por enquanto, não aparece no radar;

2-Aquele gráfico que você vê nas tais apresentações contém uma imprecisão. A trajetória explosiva está sob a hipótese de “ceteris paribus”, ou seja, mantidas constantes as demais variáveis. O problema é que, na vida real, há endogeneidade. Em português, quero dizer que, se a dívida vier a ficar explosiva, o governo emite moeda para pagá-la. Numa aplicação trivial da regra monetarista, o aumento da oferta de moeda implica mais inflação. E mais inflação corrói o valor da dívida. A dinâmica é endógena, pois a inflação paga a dívida suposta e originalmente impagável. Claro que isso seria o caos no País, mas não necessariamente seria o caos para o investidor de NTN-B, que está protegido de uma disparada eventual da inflação.

Tudo isso num ambiente que parece apontar claramente para continuidade do processo de queda de juro – ainda que isso pegue mais nos contratos mais curtos, também acaba chegando, mesmo que em menor intensidade, nos longos.

Hoje, simplesmente não tem inflação no Brasil. IPC-Fipe apontou deflação de 0,1 por cento. IGP-M mergulhou 0,51 por cento e, mais importante, IPCA de maio trouxe alta de 0,31 por cento, bem abaixo do 0,45 por cento.

A continuar nesse ritmo, cenário oferece todas as condições para o Copom corrigir a barbeiragem que fora o compromisso firmado de reduzir o ritmo de queda da Selic. Está criada a desculpa retórica perfeita: “fomos surpreendidos por uma dinâmica inflacionária muito benigna.” Justamente porque sempre ocorrem surpresas é que ele não deveria ter se comprometido.