Investimentos

Meus Dez Mandamentos

Dez expressões que poderiam resumir uma filosofia de investimento que já ajudou muito a definir as estratégias adequadas para se aplicar o dinheiro.

Por Felipe Miranda

02 maio 2017, 10:46

Já ouvi algumas vezes que os sócios-fundadores da Empiricus pensam de uma forma não convencional. Nem sei se o espírito era esse – provavelmente, não -, mas tomo como um elogio. Dizem que temos até uma linguagem própria, uma espécie de dialeto particular.

Eu mesmo tenho uma coleção de expressões que vivo repetindo. Eles, com toda a razão, se cansam do disco riscado. Dou de ombros. Sigo voltando nos termos. Vai que é contagioso. Ou que passa por osmose…

Mantenho uma lista de palavras, frases e orações ao lado de meu computador resumidas em uma espécie de pergaminho, que representa o mais próximo que consigo chegar de cultura empresarial e também de filosofia de investimento. No fim do dia, são a mesma coisa. É tudo um jeito de pensar, de ser e estar no mundo – e eu devo obedecê-lo fielmente. Tenho o sonho, platônico, é claro, que outros venham a dividir a receita.

Rodolfo também tem os seus. Ele não fala. Ele nunca fala. Mas eu sei que ele tem. É meu complemento, a serenidade que me falta. O empinador de pipas, que conduz com precisão a linha, a faz voar quando necessário e, ao mesmo tempo, impede que ela vá para longe demais. O fio condutor que não deixa aquele losango deixar o Planeta Terra.

Caio oferece os cabelos brancos que nos faltam. Media os conflitos e tem uma habilidade que eu nunca vi igual para dar más notícias. Eu admiro isso. Caio, sobre o cabelos brancos, não fique bravo. Você tem mais cabelos brancos do que eu. Mas também mais cabelos pretos.

A minha vantagem sobre eles é estética, claro. (Sim, foi uma piada).

Nos momentos mais difíceis, recorro ao meu pergaminho como se fosse uma novena de Santo Expedito. Eu leio e releio as expressões como forma de evitar meus próprios vieses cognitivos. Aquele conjunto de palavras associadas sempre me ajuda. Se serve para mim, talvez sirva para você também. Aqui estão dez expressões que poderiam resumir uma filosofia de investimento que já ajudou muito a definir as estratégias adequadas para se aplicar o dinheiro:

1.Intellectual navy seals: conheci o termo lendo o Principles, do Ray Dalio, e meu apaixonei. Adotei pra mim. Se você pretende algum desempenho financeiro acima da média, procure por potência e profundidade intelectual. Sem isso, nada feito. O mercado financeiro é, por definição, a associação mais imediata ao acúmulo de riqueza. Logo, ele vai atrair as melhores cabeças do mundo para si, como um buraco negro – sim, isso admite múltiplas interpretações, todas elas apropriadas para o contexto. Precisamos de rigor epistemológico e uma inabalável necessidade de aprender, a cada dia, sempre e sempre. Se você para de se desenvolver intelectualmente, você morre. Faça isso por você e se cerque de pessoas com esse perfil. A cada vez mais, insisto nisso para a Empiricus. Leia ao menos um livro por semana.

2.Unskilled and unaware of it: quanto mais estudo sobre inteligência, mais vejo sua relação com a autocrítica. Isso já foi constatado em artigo científico, mas pode ser visto facilmente na prática também. Um renomado gestor brasileiro fala de sua personalidade até o início da sua fase adulta com uma certa tristeza, por ter pertencido à “turma dos feios” (uso aqui suas próprias palavras, sem ser ofensivo – com efeito, o sujeito só merece admiração). Na minha humilde interpretação, ele só é o que é justamente por conta dessa personalidade. São a insegurança e a prática de duvidar de si mesmo que o fazem tão especial. A verdadeira genialidade está em perceber que, no mercado, não há gênio algum ou, sendo mais preciso, que a genialidade é apenas um elemento de vários necessários ao sucesso financeiro. Se você não duvida de si, se não dispõe de humildade epistemológica, estará muito suscetível aos vieses cognitivos de excesso de confiança e viés de confirmação. Vai acreditar demais na sua capacidade e nos cenários que desenhou para o futuro em sua cabeça. Como corolário, estará muito sensível aos cisnes negros negativos de Nassim Taleb, os eventos considerados raros, de alto impacto e imprevisíveis. Potência não é nada sem controle. Um grande erro e você está fora do jogo. Os gênios também erram.

3.Falácia da narrativa: é a tendência a construir modelos mentais supostamente capazes de explicar a realidade ou o acontecimento de um fenômeno, atribuindo causas e efeitos que não necessariamente correspondem à verdade. A mente humana tem uma tendência a enquadrar as coisas, fazendo-as caber numa narrativa crível. Muitas vezes, uma coisa acontece depois de outra e nós damos à primeira variável um poder explicativo que ela não tem. O mercado financeiro está cheio de pseudointelectuais confundindo “depois disso, por conta disso”. Não estamos no negócio dos porquês – estamos no negócio do que. Quem ganha, ganha. Quem perde explica. Os talesianos estão em vantagem ontológica sobre os aristotélicos no mercado financeiro, onde importa apenas a matriz de payoff, e não os motivos e as razões para determinadas posições.

4.Antifrágil: se você assiste à série Billions, viu a menininha brilhante e careca proferindo: “se torne antifrágil ou morra.” Frágil é aquilo que se quebra facilmente a partir do choque. Seu antônimo, por vezes, é narrado como forte, resiliente, robusto, resistente. Tudo está impreciso. Essas coisas apenas resistem ao choque, sendo neutras a ele. Da mesma forma que o contrário de positivo não é neutro, mas negativo, o antônimo de frágil deve representar algo que ganhe com o choque, e não apenas resista a ele. Aprenda a valorizar a volatilidade. Sua ausência é que representa os maiores riscos, pois os elementos que podem feri-lo estão escondidos embaixo do tapete. Seu apartamento varia de preços talvez até mais do que suas ações – você apenas não está vendo.

5.WYSIATI: acrônimo criado por Daniel Kahneman para designar What You See Is All That Is (aquilo que você vê é tudo que existe). No fundo, é a versão psicológica para descrever o problema filosófico da indução, de David Hume. Valorizamos excessivamente a informação disponível e negligenciamos os dados indisponíveis. Não é porque você não está vendo algo que aquilo não existe. Não identificar uma saída para a crise e afirmar que não há saída são coisas bem diferentes. Ausência de evidência e evidência de ausência não podem se misturar. A confusão das coisas causa sérios prejuízos à saúde financeira.

6.Empty Suits: são os ternos vazios, muito populares no Leblon e na Faria Lima. Aquelas pessoas que vestem um uniforme pomposo, para esconder sua falta de conteúdo dentro de uma armadura. O sujeito incapaz de produzir uma ideia própria, que precisa de um exílio dentro de uma roupa elegante e bem cortada para expulsar o leigo da discussão. Quem fala difícil e repete o discurso esterilizado e pausterizado dos livros de MBA, vendendo conselhos sem nunca ter posto a mão na massa ou realizado algo importante em sua trajetória financeira, não merece crédito. Valorize a inteligência de rua, aqueles que têm ideias próprias. A originalidade está por trás de grande parte das fortunas feitas em Bolsa.

7.Valor extrínseco: como a etimologia sugere, a alternativa ao valor intrínseco clássico proposto pelo value investing. Se o valor de uma empresa vem da soma dos fluxos de caixa de hoje até o infinito, trazidos a valor presente por uma taxa de desconto apropriada, não pode haver valor intrínseco, inapartável, indissociável, inerente àquela companhia. Os fluxos futuros, por construção, estão no futuro – e este, por mais que nos esforcemos, continuará opaco, impermeável, intransponível. Hoje – e lembre-se que nos interessa o valor da empresa hoje -, ele é apenas uma construção mental, interna à nossa própria cabeça. Ele necessariamente depende do olhar do observador e de seus vieses, de seu custo do capital, do seu grande de otimismo/pessimismo, da moeda em que ele está situado, por ai vai. Não pode haver valor intrínseco, no sentido de que depende exclusivamente das características idiossincráticas daquela firma. George Soros entendeu o ponto e o abordou de forma diferente na teoria da reflexividade. Os fundamentos econômicos tangíveis influenciam os preços rigorosamente da mesma forma em que os preços influenciam os fundamentos. É uma caminhada dialética, uma influência recíproca entre realidade e percepção. Empresas e suas ações não existem como entes separados da comunidade financeira. Logo, também não pode existir na prática o conceito de valor intrínseco.

8.Roundabout: me aproprio da linguagem de Mark Spitznagel, usada no maravilhoso The Dao of Capital. O investimento não é uma via direta, em que você aplica hoje e tira mais amanhã. É um processo, marcado por um caminho sinuoso. Você deve perder antes, para ganhar depois. Quando você compra uma boa empresa por um preço descontado em Bolsa, aquele desconto provavelmente se dá pela configuração de um momento particularmente ruim àquela companhia, em que o fluxo de notícias está desfavorável. Você compra e, provavelmente, vai conviver com aquilo durante um tempo. Não é porque você comprou que o cenário vai mudar. Você fez um belo negócio, mas provavelmente vai conviver com perdas momentâneas oriundas da impiedosa marcação a mercado. Quando você quer uma vantagem estratégica no futuro (proteger-se de um cenário negativo lá na frente ou blindar os lucros acumulados), pode optar por comprar seguros agora. Você arca com um dispêndio agora para a compra de seguro para evitar um prejuízo maior no futuro. Um passo atrás hoje em troca de muitos outros à frente amanhã.

9.Convexidade: lembre-se das aulas de álgebra da oitava série. Funções e pans. Log é uma função côncava. Exponencial é uma função convexa. Seu portfólio deve obedecer a alguma coisa parecida ao exponencial. Conforme vai se consolidando o cenário positivo, seu lucro vai aumentando mais do que proporcionalmente. Vale o contrário para o caso negativo. De novo, não importam as causas, nem mesmo qual dos cenários vai se materializar. Foque na construção de portfólios convexos.

10.A realidade é não ergódica: parece um palavrão, mas juro que não é. Também não tem nada a ver com roupa preta, coturno e vista ao cemitério. Ergodicidade é a hipótese que assume a preservação das propriedades estatísticas ao longo das séries temporais. Ela é fundamental para a econometria, a aplicação de métodos estatísticos/quantitativos à economia e às finanças. Sem ela, não rola nada das técnicas supostamente avançadas. O problema é que a realidade é não ergódica. Não há nenhuma garantia de que os padrões históricos vão se repetir no futuro. Ao contrário, as grandes porradas, para cima e para baixo, vêm justamente das quebras estruturais. Nunca tente prever o futuro a partir do comportamento passado. Se tiver de escolher entre o fundo campeão deste ano e o lanterninha, opte pelo segundo. Há um grande componente de reversão à média no comportamento das cotas.

Esse é um pouco de mim. E há outros aqui pensando parecido. Ainda bem. Como diz o mano Sabotage, “conheço o povo, de Sampa, RJ, BH, Baixada Porto. Sou Gavião fiel de origem louco.”

Mercados brasileiros voltam do feriado demonstrando algum otimismo, na esteira do comportamento de outros emergentes. Sensação predominante é de que protestos não atrapalham reformas. No geral, ativos brasileiros subiram nas bolsas internacionais ontem, o que ajuda a alimentar um ajuste positivo hoje.

Commodities avançam e garantem bom humor em emergentes, que também se beneficiam de alta das commodities. Sentimento positivo se sobrepõe a certa cautela com geopolítica internacional e expectativa com reunião do Fed amanhã.

Ibovespa Futuro abre em alta de 0,6 por cento, dólar cede 0,5 por cento e juros futuros cedem.

Relatório Focus trouxe nova revisão para baixo nas estimativas para inflação, mas na margem, sem grandes novidades. Projeções para PIB 2017 foram ligeiramente revisadas para cima. IPC-S trouxe inflação um pouco aquém das projeções (+0,12%). Balança comercial e dados da Fenabrave completam agenda local.

No exterior, destaque para resultados corporativos, que no geral vêm positivos e ajudam a empurrar as bolsas para cima.

De nossa parte, começamos o mês de maio com tudo. Lançamento especialíssimo do Empiricus 1MR, para todos aqueles que querem chegar rápido ao seu próximo milhão.

Sobre o autor

Felipe Miranda

CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.

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