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Ascensão e Queda

“Certa vez, na primeira fase de minha vida profissional, quando era um iniciante […]”.

Por Caio Mesquita

05 nov 2022, 07:02 - atualizado em 07 nov 2022, 07:03

Ascensão e Queda
Fonte: Free Pik

Certa vez, na primeira fase de minha vida profissional, quando era um iniciante investment banker, sentei-me ao lado de um senhor simpático, em um voo da American Airlines de volta dos Estados Unidos para São Paulo.

Conversamos bastante sobre negócios e, especialmente, sobre carreira.

Estávamos na segunda metade da década de noventa, e o Brasil era a bola da vez para o mercado internacional.

A estabilização da economia e as reformas introduzidas pelo governo FHC abriam um mar de oportunidades para um jovem profissional, como era o meu caso na época.

Animado, contei a ele sobre os negócios de que participava. Privatizações, fusões e aquisições, IPOs, estruturações de dívidas.

Demonstrando conhecimento, o meu interlocutor ouvia meus relatos e fazia considerações pertinentes. Claramente era um executivo com vasta experiência profissional, especialmente em operações financeiras.

Curioso, indaguei por sua ocupação. Pela conversa, eu poderia apostar que era o head de um banco internacional ou de um fundo de investimentos.

Com um sorriso orgulhoso, ele me disse que trabalhava com finanças sim e que, após um longo período trabalhando também em bancos de investimentos, agora era um dos líderes da operação brasileira de uma empresa diferente, com uma proposta inovadora e um modelo de negócios disruptivo.

Ao final da conversa, entregou-me seu cartão, convidando-me para um café em seu escritório, dizendo que bancos de investimentos eram coisa do passado e que estariam sendo substituídos por empresas como a dele.

Não me recordo do nome do meu companheiro de voo, e não tenho mais o cartão para me ajudar a lembrar, mas o nome da empresa em que trabalhava está gravado na minha memória.

Enron.

Apesar de não conseguir precisar quando esse encontro aconteceu, posso afirmar que ocorreu há mais de 21 anos já que, em novembro de 2001, iniciou-se o espetacular debacle da Enron, no que ficou conhecido como a “maior fraude financeira da história”.

Vale aqui um breve retrospecto da trajetória da empresa, cuja ascensão e colapso trazem importantes insights até hoje.

Enron surge em 1985 com a fusão de duas pequenas empresas regionais de energia, a Houston Natural Gas e a InterNorth e, após alguns anos de uma atuação tradicional, passa a ser uma das pioneiras em trading de gás natural, algo que se tornou possível com a desregulamentação dos setores de commodities de energia nos Estados Unidos.

Progressivamente a empresa foi agregando novos serviços à simples comercialização de gás, trazendo o ex-McKinsey Jeff Skilling para montar a Enron Gas Services (também conhecida como Enron Bank), que passa não só a financiar produtores de óleo e gás, mas a oferecer produtos financeiros sofisticados, como hedges e derivativos.

Para ajudá-lo nas estratégias inovadoras, Skilling trouxe à empresa Andrew Fastow, com experiência em mercados financeiros.

Juntos adicionaram criatividade às práticas contábeis e à estrutura societária da companhia, condutas que possibilitariam não só o rápido crescimento da Enron, mas também a sua destruição.

Durante os anos noventa, a Enron tornou-se uma das empresas mais admiradas do mundo (foi eleita a empresa mais inovadora dos Estados Unidos para pesquisa Fortune’s Most Admired Companies), transcendendo sua atuação setorial em energia para tornar-se uma verdadeira firma de investimentos e, por vezes, até mesmo um hedge fund.

Foi nesse contexto que o meu interlocutor mostrava seu ar de superioridade quando conversávamos sobre negócios naquele voo voltando dos Estados Unidos.

Lembro de ter me sentido atraído pela possibilidade de trabalhar na Enron. Por várias vezes peguei o cartão na mão, pensando em marcar aquele café. Por algum motivo, nunca liguei.

Ainda bem, pois, algum tempo depois, o castelo de cartas desabou, mostrando a imensa trapizonga podre que havia sido montada pelos principais executivos da empresa.

Em pouco menos de dois anos, os 60 bilhões de dólares de valor de mercado da Enron viraram zero:

Pelo gráfico, é possível notar que o mercado passou a desconfiar do sucesso da empresa desde o início de 2001.

A queda acelerou em agosto, com a inesperada saída de Skilling da posição de CEO, à qual havia sido recentemente promovido ao final do ano anterior.

Em outubro, a empresa divulgou os resultados do terceiro trimestre com um prejuízo inédito de US$ 638 milhões. O pior, porém, foi o inesperado ajuste para baixo de US$ 1,2 bilhão no patrimônio por conta de perdas em subsidiárias.

Eram justamente essas subsidiárias que serviam de tapete sob o qual a Enron escondia toda a sujeira dos negócios malsucedidos. A perda anunciada chamou a atenção dos reguladores e a SEC (a CVM americana) iniciou uma investigação nas finanças da empresa.

Sob pressão, Andrew Fastow, então CFO, foi afastado. No mês seguinte, em novembro, a empresa republicou demonstrações financeiras mostrando um prejuízo adicional de quase US$ 600 milhões.

Em dezembro de 2001, a Enron decretou falência. Poucos meses depois, a Arthur Andersen, os auditores da empresa que se mostraram negligentes à fraude, também fecharam as portas.

O tamanho da fraude causou uma reação proporcional dos reguladores. A principal medida foi a introdução da Lei Sarbanes-Oxley que passou a exigir melhores práticas de gestão de risco e práticas contábeis das empresas americanas.

Apesar do esforço dos reguladores, infelizmente casos como a Enron não são incomuns.

Recentemente, na Europa, vimos a Wirecard, cujo caso está retratado na excelente série da Netflix “O Escândalo da Wirecard”, ser desmascarada por repórteres investigativos do Financial Times, após chegar a valer mais de 30 bilhões de euros na bolsa de Frankfurt.

E no Brasil, estaríamos nós realmente protegidos contra fraudes desta magnitude?

Deixo você agora com os destaques da semana.

Boa leitura e um abraço.

Sobre o autor

Caio Mesquita

CEO da Empiricus

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