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Uma solução inusitada

“As dores no pé direito, fraturado na sua infância em Vimeiro, fonte de tormento por toda a vida, estavam especialmente sofridas […]”.

Por Caio Mesquita

24 de junho de 2023, 08:00

Solução Descoberta
Imagem: Freepik

As dores no pé direito, fraturado na sua infância em Vimeiro, fonte de tormento por toda a vida, estavam especialmente sofridas naquela calorenta manhã do verão português de 1968.

Alberto Salazar, ditador que quatro décadas atrás conduziu o seu país à mão de ferro, pediu a ajuda de um calista conhecido para aliviar sua dor.

O especialista convocado adentrou com pressa o Forte de Santo Antônio, no Estoril, onde seu paciente o aguardava.

Aliviado com o socorro iminente, Salazar sentou-se rapidamente assim que avistou o podólogo. O pano do assento da cadeira não resistiu ao movimento brusco e cedeu, fazendo com que Salazar caísse violentamente, batendo sua cabeça no chão.

Com uma hemorragia interna importante causada pelo trauma, o chefe de estado passou por um procedimento médico, a princípio, bem-sucedido.

Nas semanas seguintes, Salazar seguiu sua rotina normalmente, porém queixando-se de dores na cabeça. Depois de muito resistir, o político finalmente concedeu e foi levado ao hospital para exames mais detalhados.

Depois de certa discordância entre os especialistas médicos, o diagnóstico de hematoma intracraniano foi concluído, exigindo cirurgia imediata.

A intervenção teve êxito, com Salazar regressando à residência oficial logo após ter recebido sua alta.  

Nove dias após sua cirurgia, porém, Salazar sofreu uma acidente vascular cerebral grave, deixando-o em coma e com respiração mecânica.

Aconselhado por médicos, que avaliam o quadro clínico como irreversível, o presidente Américo Tomás afastou Salazar de seu cargo, nomeando em seu lugar Marcello Caetano, que assumiu integralmente as funções de presidente do conselho de ministros.

Enquanto Caetano começava a tomar as primeiras medidas de sua gestão, enfrentando pressão da sociedade por uma flexibilização do regime autoritário, o quadro de Salazar, para a surpresa de todos, melhorou, encerrando seu estado de coma.

Apesar de ter recobrado a consciência, Salazar apresentava lesões irreversíveis, tanto nas funções cognitivas como motoras. Diante disso, os médicos recomendaram que o  paciente voltasse a sua casa para dar continuidade aos tratamentos paliativos.

Com sua volta ao Palacete de São Bento, o entorno de Salazar termina optando por uma solução sui generis. Receosos de como ele receberia a notícia de seu afastamento do poder, decidiu-se por simplesmente não avisá-lo.

Iniciou-se assim uma situação digna da série britânica Black Mirror, criando-se uma realidade virtual e fantasiosa em torno de Salazar, com reuniões ensaiadas e despachos de “mentirinha”, tudo a fim de manter o ex-ditador com a impressão de que ainda mandava alguma coisa.

Chegou-se ao cúmulo de forjarem uma edição do jornal Diário de Notícias para que Salazar pudesse ler comentários sobre atos que imaginava executar.

Foi nesta realidade simulada que Salazar, o terrível ditador cujo regime foi responsável pela morte de mais de 20 mil portugueses,  teve seu último ano de vida, até falecer em julho de 1970, dois anos após sua queda da cadeira.

Esta quase inacreditável passagem da história portuguesa está brilhantemente narrada no livro “A incrível história de António Salazar, o ditador que morreu duas vezes: O ditador que morreu duas vezes” do historiador italiano Marco Ferrari.

Recomendo fortemente a leitura da obra, escrita de forma precisa e direta pelo seu autor. A leitura das 220 páginas é rápida, daquelas que se pode fazer numa sentada.
Ao lê-lo, não pude deixar de traçar paralelos com o que se tornou, de uns anos para cá, o nosso poder executivo federal.

Mesmo sob o comando de dois presidentes populistas, um de direita e outro de esquerda, a presidência da república parece ser um cargo cada vez mais simbólico, dados os crescentes poderes tanto do legislativo como do judiciário.

Com a nossa maneira particular de acomodar conflitos, o Brasil parece ter encontrado um caminho próprio para a estabilidade institucional que parece depender menos da alternância ideológica no comando do executivo.

Assim como evitamos extremismos da direita, também estamos impedindo irresponsabilidades da esquerda.

Como resultado, temos logrado um equilíbrio que diminui a volatilidade de emoções que vivemos a cada ciclo eleitoral.

Depois de um começo de ano turbulento, o mercado parece não só ter entendido como começa a projetar um caminho mais tranquilo até as próximas eleições.

Deixo você agora com os destaques da semana.

Boa leitura e um abraço.

Sobre o autor

Caio Mesquita

CEO da Empiricus