
Imagem: iStock/ Athitat Shinagowin
Lá fora, o humor dos mercados varia conforme a região. Na Ásia, os principais índices operaram no azul, ainda embalados pela trégua — por ora funcional — entre Irã e Israel. Foi um alívio bem-vindo. O Ocidente, contudo, acordou com menos entusiasmo. Na Europa, prevalece um ceticismo silencioso diante da fragilidade do cessar-fogo. O recuo das bolsas no continente reflete essa desconfiança: todos sabem que, no Oriente Médio, a distância entre trégua e retomada de hostilidades é medida em milímetros.
Os holofotes se voltam agora para Haia, onde líderes da OTAN se reúnem em busca de um gesto concreto que mantenha viva a relevância da aliança militar. A aposta dos europeus é simples: um compromisso formal de ampliar gastos com defesa pode ser o trunfo necessário para arrancar de Washington uma reafirmação pública do seu engajamento estratégico — algo que parece cada vez mais negociável.
Enquanto isso, começamos a digerir com mais frieza os reais efeitos do bombardeio americano às instalações nucleares iranianas. O impacto midiático foi estrondoso, mas a destruição prática parece bem mais modesta do que o anunciado. Leitura preliminar de inteligência dos próprios EUA e de Israel indica que, apesar do barulho, os ativos críticos do programa nuclear iraniano escaparam com danos limitados. O cessar-fogo foi conquistado, mas a preocupante infraestrutura segue, em larga medida, preservada.
No radar econômico, Jerome Powell compareceu ontem à Câmara dos Representantes com o mesmo tom calculado de sempre. Reiterou que não há pressa para cortar juros, que as tarifas comerciais introduzem incertezas no cenário e que, apesar de tudo, ainda existe espaço para um eventual corte no segundo semestre — como antecipado no último sumário de projeções econômicas do Fed. A declaração, ambígua como convém a um presidente de banco central, foi suficiente para injetar algum ânimo nos mercados. Assim, os futuros americanos voltam a subir nesta manhã.
· 00:56 — Mais derrotas no horizonte
No Brasil, o Ibovespa encerrou a terça-feira (24) em alta, embalado por dois vetores de alívio: o cessar-fogo, ainda que frágil, no Oriente Médio e a ata do Copom, que reforçou o discurso firme já sinalizado no comunicado da semana passada. A decisão de elevar a Selic para 15% veio acompanhada de um recado claro: pausa no ciclo de aperto monetário, sim — mas sem sinal de afrouxamento no horizonte próximo. Como destaquei ontem, o Banco Central não quer alimentar apostas prematuras de corte.
Com o front externo relativamente pacificado, os olhos se voltam para Brasília, onde o circo fiscal segue em plena atividade. A pauta do dia é a possível votação, pela Câmara, do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que derruba o aumento do IOF. A urgência já foi aprovada na semana passada, e agora Hugo Motta ameaça colocar o texto em plenário. Há um desconforto evidente no Planalto, que se sente traído pelas lideranças parlamentares — as mesmas com quem costurou alternativas ao aumento do IOF. A sensação é de que, mais uma vez, o Executivo ficou com o mico na mão.
É verdade que o Congresso não move uma palha para cortar despesas e terceiriza toda a responsabilidade fiscal ao governo. Mas sejamos justos: essa disfuncionalidade não nasceu ontem. Ela é fruto direto de uma sucessão de governos fracos, inseguros e sem convicção. Sem força política e sem um projeto claro de país, ninguém fará nada estruturalmente transformador no Brasil. O escopo de ação do governo Lula é estreito — não apenas por limitações ideológicas, mas também por pura incapacidade de articulação. Basta ver que, diante da resistência ao IOF, o próprio Executivo já recuou em parte da medida provisória alternativa (que reduzia de 30 para 60 dias o prazo para concessão de auxílio-doença sem perícia médica). Já era tímido e ficou ainda menor.
A deterioração fiscal é crescente. Fernando Haddad, isolado e cada vez mais pressionado, voltou a defender o aumento do IOF. Talvez porque, entre todas as portas, esta seja a única ainda entreaberta. Para piorar, mais uma bomba está prestes a explodir: o Congresso ameaça derrubar novos vetos presidenciais, inclusive aqueles relacionados a subsídios cruzados no setor elétrico. Lula, sentindo o cheiro de mais uma derrota, convocou uma reunião de emergência com ministros para tentar conter a sangria. Na semana passada, parte dos vetos já foi rejeitada, com impacto estimado em R$ 35 bilhões por ano sobre a conta de luz. Se todos forem derrubados, o custo pode bater em R$ 65 bilhões anuais — pagos, claro, pelos consumidores.
É por isso que o clima no Planalto é de ansiedade. O governo sabe que está prestes a perder — de novo. E o resultado é previsível: a conta fiscal não fecha. Não adianta exibir o superávit de quase R$ 20 bilhões do Governo Central nos últimos 12 meses até maio (ou os cerca de R$ 60 bilhões acumulados no ano). A matemática real cobra seu preço: nesse período, o governo simplesmente não pagou precatórios. Essa fatura — de cerca de R$ 70 bilhões — chega no segundo semestre. Quando se desconta esse valor, o tal superávit se transforma num déficit de R$ 50 bilhões. Em outras palavras, não há chance real de superávit em 2025. O governo se recusa a cortar gastos; o Congresso se recusa a subir impostos. Resultado? O déficit é inevitável.
A bomba está armada. E, convenhamos, a tão sonhada reforma estrutural só virá em 2027. Até lá, o melhor que se pode esperar é uma estagnação fiscal disfarçada de “esforço técnico”. Nos bastidores, o clima já é de mudança: setores do agronegócio articulam para que Bolsonaro já desista da candidatura e pavimente o caminho para Tarcísio. A lógica é pragmática. Quanto antes a oposição se reorganizar em torno de um nome viável, reformista, fiscalista e pró-mercado, melhor para os ativos de risco. A partir de agora, a política começa a contaminar os preços com mais intensidade.
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· 01:44 — Novos motivos de preocupação
Nos EUA, os mercados respiraram aliviados. A trégua, ainda que frágil, no Oriente Médio — e a continuidade da queda no preço do petróleo — reacendeu o apetite por risco. Com o cessar-fogo entre Irã e Israel anunciado por Trump, o prêmio geopolítico evaporou quase tão rapidamente quanto foi inflado. O petróleo voltou aos níveis anteriores ao conflito e o ouro perdeu tração, com investidores desmontando posições defensivas e correndo para ações e Treasuries como se nada tivesse acontecido. A paz — ou algo que se assemelha a ela — voltou a ser temporariamente precificada.
Mas o alívio pode ser breve. Com a poeira assentando no front geopolítico, os holofotes agora se voltam para o campo comercial, onde o cenário promete menos tranquilidade. A trégua tarifária, em vigor desde abril, tem data marcada para expirar: 9 de julho. O acordo informal, que suspende por 90 dias a escalada mútua de tarifas entre os Estados Unidos e seus principais parceiros comerciais, parece cada vez mais dependente do avanço legislativo do pacote de impostos e gastos — a nova obsessão do governo Trump. O texto está atualmente pendurado no Senado, e sua aprovação é vista como pré-condição para qualquer retomada séria das negociações comerciais.
Enquanto isso, Jerome Powell segue sua romaria pelo Capitólio. Na terça-feira, apresentou seu relatório semestral à Câmara dos Representantes; nesta quarta, é a vez do Senado. O presidente do Federal Reserve mantém, ao menos publicamente, um tom comedido. A guerra comercial e suas repercussões sobre os preços ainda exigem cautela. No entanto, nas entrelinhas, Powell acena com a possibilidade de uma flexibilização mais adiante, caso os dados justifiquem. A leitura do mercado é clara: mesmo sem pressa, a porta para um corte de juros no segundo semestre segue aberta.
· 02:31 — O pacote tributário americano
Sob a liderança de John Thune, senador pela Dakota do Sul e atual líder da maioria, os republicanos no Senado estão avançando com uma versão própria do projeto de impostos já aprovado pela Câmara. A proposta, embora mantenha o espírito da plataforma fiscal trumpista, busca suavizar algumas de suas promessas mais populistas. Trata-se de um ajuste cosmético, mas simbólico, que tenta aplicar verniz de responsabilidade a uma agenda fiscal essencialmente expansionista.
Ambas as versões do projeto, no entanto, compartilham o mesmo objetivo central: tornar permanentes os cortes de impostos aprovados no primeiro mandato de Donald Trump. O problema? A conta não fecha. Ainda que os parlamentares insistam em demonstrar alguma disposição para “pagar a conta”, a verdade é que nenhum dos textos cobre integralmente os custos. Na melhor das hipóteses, são soluções parciais.
O impacto fiscal é colossal: a extensão integral por dez anos dos cortes tributários de 2017 deve adicionar impressionantes US$ 3,8 trilhões ao déficit. Caso se confirme, a dívida pública americana ultrapassaria, com folga, os US$ 40 trilhões. A solução encontrada pelos republicanos, no entanto, é de uma criatividade contábil digna de nota: pretendem mudar as regras do jogo, reclassificando os cortes como neutros para o orçamento federal — mesmo que não sejam. O truque, se bem-sucedido, derrubaria décadas de precedentes legislativos, abrindo espaço para que qualquer maioria ocasional no Congresso aprove medidas temporárias com impacto permanente. Trata-se de um precedente perigoso. O que começa como exceção se consolida como regra. A dor de cabeça fiscal, afinal, não é uma exclusividade nossa.
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· 03:25 — E se o programa continuar de pé
Israel e Irã, ao menos por ora, seguem respeitando a trégua intermediada por Trump. O anúncio veio após a resposta ao ataque americano do fim de semana (Teerã lançou mísseis contra uma base aérea dos EUA no Catar). Como destacamos anteriormente, foi uma retaliação coreografada — o tipo de gesto mais performático do que bélico. O governo iraniano avisou previamente tanto os americanos quanto os cataris. Resultado: nenhum ferido, nenhum estrago significativo, apenas fumaça e sinalização.
A encenação, no entanto, foi suficiente para que os líderes políticos pudessem proclamar suas respectivas “vitórias”. O presidente iraniano declarou o fim da chamada “Guerra dos 12 Dias”. Benjamin Netanyahu, por sua vez, não perdeu a oportunidade de afirmar que Israel teria alcançado uma “vitória histórica” sobre o Irã. A grande interrogação agora é: os Estado Unidos conseguirão sustentar essa paz?
Os mercados ainda não compraram essa tese por completo. O petróleo voltou a subir nesta manhã, refletindo as incertezas em torno do verdadeiro estado do programa nuclear iraniano. Um relatório preliminar da inteligência americana, vazado ontem à noite, trouxe um banho de realidade: segundo a avaliação, os bombardeios americanos do último sábado atingiram três instalações nucleares do Irã, mas com impacto limitado — não eliminaram o risco, apenas empurraram a ameaça alguns meses adiante.
A discrepância entre os fatos e a narrativa presidencial começa a incomodar. A retórica triunfalista de Trump — sugerindo que a batalha estava vencida e a paz, selada — esbarra em um diagnóstico mais frio e técnico: o núcleo do programa nuclear iraniano permanece intacto. A dúvida se impõe com força: estamos diante de uma trégua sustentável ou apenas de uma pausa estratégica antes do próximo capítulo? Para o investidor, o recado é claro: o barril de petróleo ainda tem combustível geopolítico.
· 04:12 — Resistência ao mundo “tecnopolar”
Ontem, falamos sobre o mundo “tecnopolar” — aquele moldado sob o domínio das big techs (clique aqui para ver), que pareciam caminhar para uma hegemonia incontestável. Mas, justo quando a consolidação desse poder parecia inevitável, forças mais instintivas da geopolítica voltaram a bater à porta. O protecionismo, a busca por segurança econômica e a rivalidade entre potências ressurgiram com força, ressuscitando uma agenda estatal que muitos julgavam arquivada desde o auge da globalização. A invasão da Ucrânia pela Rússia e o agravamento das tensões entre Estados Unidos e China selaram esse retorno do Estado ao centro do jogo.
Diante desse novo arranjo, governos correram para retomar o controle de domínios estratégicos que haviam, nas últimas décadas, terceirizado às empresas de tecnologia. Os EUA proibiram a exportação de semicondutores avançados, sancionaram empresas chinesas e despejaram bilhões em políticas de relocalização de cadeias de suprimentos — num esforço explícito para reconstruir soberania produtiva. Pequim respondeu à altura: adotou restrições próprias, acelerou sua agenda de autossuficiência e reforçou a mão do Estado sobre seu setor de tecnologia. O que era exceção virou regra: o protecionismo virou política oficial, e a política industrial voltou ao léxico de todos os formuladores de estratégia global. Não gosto dessa direção.
O impacto foi direto: o ecossistema tecnológico global, antes interconectado e relativamente neutro, passou a se fragmentar em blocos rivais. Empresas como Apple e Tesla, que floresceram sob o mantra da integração global e da eficiência de cadeias produtivas dispersas, viram seus modelos de negócios ficarem vulneráveis da noite para o dia. A resposta das companhias foi pragmática: se o novo jogo exige proximidade com o Estado, que assim seja. No mundo pós-globalização, dominado pela lógica da hipersecuritização e da política de blocos, prosperar significa se alinhar — e, em muitos casos, se submeter — aos interesses estratégicos dos governos. Pode soar como resistência à ordem tecnopolar que parecia inescapável, mas o desfecho pode ser justamente o oposto: uma simbiose ainda mais profunda entre Estados e empresas, agora não mais em nome da eficiência, mas da sobrevivência estratégica.
· 05:08 — Alguns bons sinais
O mais recente leilão da ANP para a oferta de blocos exploratórios trouxe sinais encorajadores para os acionistas da Petrobras — ainda que o otimismo, desta vez, venha justamente da ausência de excessos. Embora tenha sido a companhia que mais blocos arrematou em número absoluto, a estatal apareceu apenas na terceira posição em termos de desembolso financeiro, atrás de pesos-pesados como Chevron e CNPC. É um bom sinal. Com o buraco fiscal se tornando cada vez mais explícito, pairavam receios de que a Petrobras fosse compelida a forçar a mão no leilão — uma espécie de socorro indireto ao governo, pagando caro por ativos estratégicos. Não foi o caso.
Dos quase R$ 1 bilhão arrecadados no certame, a Petrobras participou com uma contribuição modesta de R$ 139 milhões — e, ainda assim, sem abrir mão dos ativos considerados prioritários, com destaque para os blocos da Bacia da Foz do Amazonas. A propósito, vale a pena destacar…