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Guerra tarifária agora é entre Trump e a Justiça; no Brasil, PIB do 1º trimestre atrai holofotes – veja os destaques

A incerteza ocupada a narrativa econômica desta semana após o início do cabo de guerra tarifária nos EUA e conflitos com a alta do IOF no Brasil. Leia mais.

Por Matheus Spiess

30 maio 2025, 09:43 - atualizado em 30 maio 2025, 09:43

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Imagem: iStock.com/wenjin chen

Com o cenário cada vez mais turvo nos Estados Unidos, a incerteza volta a ocupar o centro da narrativa econômica. O presidente Donald Trump decidiu recorrer da decisão judicial que considerou ilegais suas tarifas comerciais — o que significa, na prática, que as tarifas seguem em vigor enquanto a briga avança na Justiça americana. A judicialização da guerra comercial, que já foi protagonista nos últimos dias, promete continuar como pauta dominante nas próximas semanas e meses.

Enquanto isso, os mercados aguardam ansiosamente a divulgação do PCE, o índice de preços ao consumidor preferido do Federal Reserve para medir a inflação. Ainda é cedo, contudo, para que os efeitos das tarifas se reflitam nos números. De todo modo, mesmo que o dado venha fora da curva, é improvável que provoque qualquer reação mais enfática do Fed. A instituição segue em modo cautela, e a instabilidade em torno da política comercial não oferece base segura para ajustes de rumo — mesmo diante da retração econômica registrada no primeiro trimestre do ano.

Nesse ambiente de hesitação e insegurança, os mercados globais reagem de maneira desigual. As bolsas asiáticas encerraram o pregão em queda, capturando o nervosismo do investidor com a nova fase da guerra comercial. Já os índices europeus tentam nadar contra a corrente e mostram alguma resiliência nesta manhã, ainda que sob um fio tênue de otimismo. Nos EUA, os futuros operam com viés negativo, refletindo o desconforto crescente com um cenário em que as regras do jogo mudam a cada decisão judicial. Já no Brasil, a briga política em torno do IOF segue protagonista.

· 00:55 — Colhendo o que plantou

Por aqui, o Ibovespa encerrou o pregão de ontem (29) em queda, refletindo o aumento da aversão ao risco em meio ao ruído político e aos sinais de fragilidade fiscal. No campo dos dados, o destaque foi o mercado de trabalho, que segue surpreendentemente apertado: a taxa de desemprego caiu para 6,3%, uma mínima histórica. A ocupação e a massa salarial real continuam em trajetória ascendente, sugerindo um dinamismo que, à primeira vista, pode parecer virtuoso. Mas é uma fotografia que engana. O governo, na prática, acelerou com o freio de mão puxado: impulsionou o consumo com estímulos, mesmo diante de uma política monetária teoricamente contracionista. O resultado é um quadro macro que exibe força aparente, sustentado por pilares frágeis.

É justamente esse pano de fundo que torna o PIB do primeiro trimestre, a ser divulgado hoje (30), tão relevante. A expectativa é de um número forte, embalado por medidas como o reajuste real do salário mínimo, liberação de recursos do FGTS e afrouxos no crédito. São políticas que turbinam a demanda, mas comprometem a eficácia da política monetária. A consequência disso é óbvia: a taxa de juros precisa continuar alta por mais tempo para compensar a expansão fiscal fora de hora. E o investidor sabe disso.

Em Brasília, o cabo de guerra sobre o aumento do IOF virou o novo epicentro da crise. Ainda que o resultado fiscal acumulado em 12 meses do Governo Central esteja prestes a virar superavitário, poucos se deixam enganar por esse alívio contábil temporário. O cobertor é curto e a crise estrutural continua à espreita. Prova disso é que o governo não consegue abrir mão da receita vinda do IOF, mesmo com o Congresso em polvorosa. A reação parlamentar foi dura: líderes deram prazo de dez dias antes de pautar um dos mais de vinte projetos de decreto legislativo que buscam derrubar a medida. E o mais revelador: a rebelião não é só da oposição, mas inclui a base aliada, o que mostra o grau de desgaste político.

A equipe econômica, por sua vez, resiste. Argumenta que revogar o IOF colocaria em risco o funcionamento da máquina pública, já que não haveria margem para novos cortes sem reformas estruturais profundas. O problema é que essas reformas estão encalhadas, e o governo, acuado, tenta ensaiar um novo recuo parcial — cogita suavizar o ponto do risco sacado ou negociar uma manutenção do aumento do IOF em 2025 com ajustes para 2026. A realidade é que a explosão fiscal que agora ameaça paralisar o governo foi semeada com a PEC da Transição, que empurrou o Orçamento para uma rota insustentável. Embora parte do desequilíbrio atual também esteja ancorada nas renúncias tributárias herdadas de governos anteriores — especialmente da era Dilma —, a crise atual é de inteira responsabilidade do atual governo.

É por isso que o aparente crescimento e o desempenho pontual do resultado primário. O diagnóstico é incômodo, mas cristalino: a crise fiscal brasileira é crônica — ela vai muito até da mera contenção de R$ 31,3 bilhões —, e sua expressão mais visível é o nível persistentemente elevado dos juros reais. O IOF virou símbolo dessa encruzilhada — mais um puxadinho em uma casa orçamentária prestes a ruir.

· 01:41 — Procurando por gatilhos

Nos EUA, os mercados de ações andavam à procura de um gatilho — e receberam mais de um. A combinação entre os resultados da Nvidia e a decisão judicial que travou o tarifaço de Trump parecia o cenário perfeito para um rali vigoroso. De fato, o S&P 500 chegou a flertar com sua máxima histórica de 19 de fevereiro. Mas foi só um flerte. A empolgação murchou antes do final do pregão, e o ganho do dia acabou sendo bem mais contido do que o prometido. A explicação está na desconfiança que acompanha os sinais positivos. A decisão judicial que invalidou boa parte das tarifas impostas com base na Lei de Poderes Emergenciais foi lida como um alívio — mas não exatamente uma vitória definitiva, como conversamos ontem. Isso porque, em vez de encerrar o capítulo da guerra comercial, o veredito abriu uma nova temporada: a da judicialização. E, nesse novo enredo, a incerteza é ainda maior. A Casa Branca recorreu, há brechas legais a serem exploradas, e nada impede que novas tarifas, agora com outra roupagem, sejam colocadas sobre a mesa. Com isso, ninguém sabe ao certo onde a tarifa efetiva dos EUA vai parar — e menos ainda quando.

Enquanto o mercado tentava processar essa nova camada de complexidade na política comercial, outros dados ajudavam a jogar um balde de água fria na empolgação. Os números do setor imobiliário vieram mais fracos, assim como os pedidos de seguro-desemprego, sugerindo alguma perda de tração da economia real. Para completar o enredo, Trump resolveu se reunir com Jerome Powell na Casa Branca — e, segundo rumores, voltou a pressionar o presidente do Fed por cortes nas taxas de juros. O movimento não é novo, mas chama atenção pela insistência. Ainda assim, as chances de Powell ceder à pressão política seguem próximas de zero no curto prazo. O Federal Reserve permanece ancorado em sua postura de “esperar para ver”, especialmente diante da combinação de incertezas sobre inflação, crescimento e agora, tarifas. No radar de hoje, a publicação do PCE — o indicador de inflação favorito do Fed — será fundamental para ajustar as expectativas do mercado. 

· 02:38 — A judicialização da guerra comercial

Ontem, um tribunal federal de apelações decidiu suspender temporariamente a decisão do Tribunal de Comércio Internacional, que havia declarado como ilegais a maioria das tarifas impostas por Donald Trump desde janeiro. Com isso, o presidente ganhou um fôlego: por ora, não precisa jogar fora seu manual protecionista. Na prática, a suspensão judicial mantém em vigor a leva de tarifas do chamado “Dia da Libertação”, que impôs alíquotas de 10% ou mais sobre quase todas as importações, além de medidas adicionais contra produtos canadenses e mexicanos. Todas essas iniciativas foram embasadas na Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA), de 1977 — que o tribunal julgara ter sido aplicada indevidamente.

Mas a segurança jurídica dura pouco nos Estados Unidos de hoje. Apenas algumas horas depois da decisão da Corte de Apelações, alguns manufatureiros americanos conseguiram uma liminar judicial com efeito semelhante ao da decisão original do Tribunal de Comércio. A tese é a mesma: abuso de poder ao aplicar uma legislação emergencial com fins que não guardam relação com segurança nacional.

Diante da escalada de judicializações, a Casa Branca já prepara seu próximo movimento: levar a briga à Suprema Corte, caso os tribunais intermediários não garantam a sobrevivência das tarifas. E aqui está o ponto mais relevante: mesmo que Trump eventualmente perca em todas as instâncias, as tarifas não desaparecerão automaticamente. O governo ainda dispõe de outros instrumentos legais para redesenhar sua política tarifária com nova roupagem, contornando eventuais derrotas.

O problema é que, nesse vai-e-vem jurídico, as consequências para a economia global são cada vez mais tangíveis. Com múltiplos processos em curso, empresas e governos não sabem se negociam, recuam, ou simplesmente esperam a próxima decisão. A previsibilidade comercial, já escassa, foi substituída por um clima de permanente incerteza. O resultado é um mundo em que as tarifas americanas estão suspensas num dia, restauradas no seguinte e prontas para mutação no terceiro. 

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· 03:23 — Os mexicanos vão às urnas… 

Os mexicanos se dirigem às urnas neste fim de semana para protagonizar um experimento institucional de alto risco: pela primeira vez, irão eleger diretamente os juízes federais do país, culminando uma controversa reforma judicial impulsionada pelo ex-presidente Andrés Manuel López Obrador. O mentor da proposta já não está no poder para testemunhar o desmonte do sistema que rotulou como “corrupto” — e que, ironicamente, serviu como um dos poucos freios à sua agenda populista. A herança — e o ônus político — agora repousa nas mãos de Claudia Sheinbaum.

A ideia de democratizar o Judiciário promete ser bem menos edificante. Com quase 3 mil candidatos disputando 881 cargos, o pleito tem tudo para ser uma confusão monumental. O risco de que boa parte do eleitorado opte simplesmente por nomes alinhados ao partido governista, Morena, é real — o que escancara o perigo de captura institucional e enfraquecimento da independência judicial. Em vez de um Judiciário renovado, o país pode acabar com uma extensão do Executivo travestida de toga.

Do ponto de vista do investidor, a incerteza jurídica é um veneno — e a possibilidade de erosão institucional já levanta preocupações sobre o impacto na moeda mexicana e nos fluxos de capital. A dúvida paira no ar: o novo sistema fortalecerá a democracia ou pavimentará o caminho para o autoritarismo de fachada? Se houver fragilidade crescente no México, o Brasil pode se beneficiar como alternativa regional mais estável para atração de investimentos. Mas isso exigirá mais do que apenas sorte: será preciso um mínimo de racionalidade fiscal e previsibilidade institucional, dois itens que também têm andado em falta por aqui. Oportunidade existe. Aproveitá-la é outra história.

· 04:17 — Promessa alemã

Nesta semana, o chanceler alemão, Friedrich Merz, elevou o tom e sinalizou uma guinada decisiva na postura da Europa em relação ao conflito no Leste Europeu. Agora, Berlim vai apoiar a produção de mísseis de longo alcance pela Ucrânia — armamentos com alcance suficiente para atingir o interior da Rússia. A mensagem não poderia ser mais clara: a paciência com a estratégia de estagnação de Vladimir Putin acabou, e a Europa pretende redesenhar o equilíbrio de forças no campo de batalha antes de qualquer nova tentativa de mesa de negociações com os russos.

A promessa de Merz veio acompanhada de um pacote robusto: cerca de US$ 5,7 bilhões em ajuda militar adicional à Ucrânia. Mas o que torna esse anúncio especialmente relevante não é apenas o montante financeiro, e sim o foco estratégico. O pano de fundo também pesa. Com o apoio dos Estados Unidos tornando-se cada vez mais errático sob a liderança do presidente Donald Trump — cujas prioridades em política externa são, no mínimo, voláteis —, a responsabilidade por sustentar a resistência ucraniana recai cada vez mais sobre os ombros europeus. E, como ficou evidente, a Alemanha decidiu assumir esse protagonismo com mais convicção.

Além do armamento em si, os recursos alemães deverão ser canalizados para fortalecer a infraestrutura industrial e de defesa da Ucrânia — uma tentativa não apenas de responder à urgência do conflito, mas também de garantir capacidade autônoma de resposta a médio e longo prazo. Em outras palavras, a ideia é deixar de apenas reagir e passar a moldar o tabuleiro. Armar a Ucrânia com mísseis de longo alcance inevitavelmente acirra as tensões com Moscou, que já demonstrou baixa tolerância a qualquer sinal de ingerência ocidental direta. Mas é também um reflexo da constatação europeia de que, diante de um Kremlin inflexível e de um aliado americano menos confiável, a dissuasão precisa ser feita em solo próprio.

· 05:02 — Novas abordagens de defesa

No tabuleiro geopolítico cada vez mais tenso da Europa, a OTAN tenta se adaptar às novas formas de conflito ao propor uma redefinição do que será considerado “gasto com defesa”. Em meio à pressão por maior comprometimento dos países-membros, a aliança discute incluir despesas com segurança cibernética, monitoramento de fronteiras e vigilância costeira como parte da nova meta de 1,5% do PIB em “gastos relacionados à defesa”, dentro de um compromisso total de 5% do PIB. A medida, que deve ser formalizada na cúpula de junho, escancara a percepção de que guerra, hoje, é tão digital quanto territorial — e que tanques e caças já não são suficientes.

Nesse novo paradigma…

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.