
Na volta do feriado de Memorial Day, os mercados internacionais ensaiam uma recuperação, embalados pelo recuo estratégico de Donald Trump, que decidiu adiar para julho o aumento das tarifas sobre produtos da União Europeia. A medida, ainda que temporária, foi suficiente para destravar o apetite por risco e aliviar parte das tensões comerciais acumuladas na última semana. As bolsas europeias avançaram com força, lideradas pelo setor de defesa, impulsionado pela ameaça paralela de sanções adicionais contra a Rússia. A Bolsa alemã, inclusive, renovou sua máxima histórica — validação prática de uma tese que temos destacado recorrentemente.
O movimento ganha contornos ainda mais significativos diante do crescente desconforto com o cenário fiscal e geopolítico dos Estados Unidos, que começa a deslocar fluxos para ativos fora do eixo americano. Do outro lado do mundo, no Japão, os mercados reagiram positivamente à possível redução da emissão de títulos de longo prazo, aliviando a curva de juros local e enfraquecendo o iene — movimento que favorece os setores voltados à exportação e ajuda a recompor as perdas recentes.
Na agenda do dia, os investidores monitoram o índice de sentimento econômico da Zona do Euro e os dados de confiança do consumidor nos EUA, ambos importantes para calibrar expectativas em relação à atividade e à política monetária. Nas commodities, o petróleo sobe levemente, com os mercados preferindo focar no alívio tarifário momentâneo em vez das incertezas envolvendo a reunião da Opep+.
· 00:56 — De onde virá o dinheiro?
A semana começou com os ativos brasileiros em alta, embalados por um ambiente externo de baixa liquidez — reflexo do feriado nos Estados Unidos — e pela expectativa em torno da divulgação do IPCA-15 de maio, prevista para hoje (27). A prévia da inflação oficial pode ajudar a balizar melhor os próximos passos do Banco Central, já que há crescente expectativa de encerramento do ciclo de aperto monetário. A estimativa é de leve aceleração, de 0,43% para 0,44% na variação mensal, e de 5,5% na comparação anual. Mesmo que venha uma surpresa altista, dificilmente haverá mudança relevante nas apostas de política monetária: com o episódio do IOF ainda fresco na memória, o mercado já enxerga a medida — ainda que revertida em parte — como uma ferramenta de aperto monetário, que alivia, por tabela, o trabalho do BC. E como se não bastasse, teremos nos próximos dias dados de atividade e mercado de trabalho que devem reforçar o ambiente benigno para a autoridade monetária.
Enquanto isso, o cenário político continua rendendo capítulos que beiram o tragicômico. A oposição não perdeu tempo e protocolou a convocação de Fernando Haddad no Congresso, além de um projeto para sustar o decreto que reajustou o IOF. A chance de prosperar é mínima, mas o desgaste político já está contratado. O presidente da Câmara, Hugo Motta, não poupou críticas e escancarou o desconforto com a obsessão arrecadatória de Lula. O diagnóstico é direto: o governo se recusa a enfrentar a raiz do problema, que está nos gastos, e insiste em espremer a receita, mesmo em um país já exausto do ponto de vista tributário. Resultado? Desgaste político crescente e queda na popularidade. E ainda temos um novo buraco fiscal de R$ 2 bilhões, deixado pela reversão parcial da medida. Resta saber se o governo vai tapar esse buraco com mais um contingenciamento ou se tentará outra mágica arrecadatória de curto prazo. Dado o contexto, o primeiro parece mais provável.
O mais curioso é que, mesmo em meio ao ruído, o mercado seguiu subindo. Parte disso se explica pelo efeito indireto da medida do IOF, que reforça o argumento técnico para encerrar o ciclo de alta da Selic. Parte, também, pela aposta de que o atual governo continuará se enfraquecendo politicamente até 2026, fortalecendo a tese de mudança de pêndulo político — com figuras como Tarcísio de Freitas ganhando protagonismo. Por fim, soma-se a esse caldo o desconforto crescente com o cenário fiscal e comercial dos EUA, que tem favorecido a rotação de capital para mercados emergentes. No fim das contas, a combinação de valuation atrativo, fluxo externo positivo e perspectiva de inflexão política mantém os ativos brasileiros resilientes. Mas o investidor precisa saber: essa travessia não será suave. E Brasília segue se esforçando para ser o principal risco de um cenário que tinha tudo para ser promissor.
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· 01:41 — Digerindo o recuo
Nos EUA, o retorno do feriado trouxe de volta ao radar dos investidores o vaivém característico da Casa Branca sob Donald Trump. Depois de ameaçar, na sexta-feira (23), impor tarifas de 50% sobre produtos europeus já a partir de junho, o presidente recuou — estendendo o prazo até julho. O movimento é típico: lança-se o choque, mede-se a reação, recua-se parcialmente. Um manual que já está começando a desgastar até os que se beneficiavam da imprevisibilidade como tática de barganha.
O problema é que o ruído deixou sequelas. O dólar americano continua pressionado, oscilando próximo às mínimas recentes frente às principais moedas globais — reflexo direto da crescente incerteza fiscal e da ausência de um plano comercial coerente. A percepção é de que o ambiente econômico americano está cada vez mais vulnerável a solavancos. No radar do dia, os investidores acompanham os dados de pedidos de bens duráveis de abril e o índice de sentimento do consumidor — este último, cada vez mais contaminado pelo viés político. Fala de dirigentes do Fed também está no radar.
· 02:38 — Guerra de capitais?
Do ponto de vista estrutural, os EUA estão jogando um jogo perigoso — e jogando mal. A pergunta que começa a assombrar os investidores mais atentos é se a atual guerra comercial, iniciada com tarifas, pode evoluir para algo ainda mais preocupante: uma guerra de capitais. O risco não é desprezível. Diante da ineficácia parcial das tarifas para conter o déficit gêmeo (fiscal e em conta corrente), ganha corpo a hipótese de que Trump possa recorrer a medidas mais drásticas e repressivas para fechar suas contas.
O raciocínio da Casa Branca é claro, ainda que brutal: se os EUA bancam a segurança global — e atuam como principal obstáculo geopolítico à ascensão da China — nada mais justo do que cobrar por isso. Tarifas seriam só o começo. Caso não surtam efeito, o governo americano pode decidir impor, por exemplo, uma taxa de “uso” sobre os títulos do Tesouro detidos por estrangeiros, ou, ainda mais ousado, forçar a conversão compulsória desses papéis em instrumentos de ultralongo prazo — títulos de 100, 150, até 200 anos. O movimento teria gravíssimas implicações para o sistema financeiro.
A maioria das carteiras globais não está minimamente preparada para operar num ambiente em que a confiança no mercado de dívida soberana americana — pilar da arquitetura financeira mundial nas últimas décadas — esteja sob suspeita. Reavaliar o peso da exposição estrutural aos EUA e buscar alternativas em ativos reais, moedas fortes e geografias mais previsíveis é mais do que prudência: é sobrevivência.
· 03:22 — Perdeu a posição
Depois de mais de três décadas no topo, o Japão acaba de perder o posto de maior credor do planeta — um título que mantinha com firmeza desde 1991. Mesmo com um volume recorde de ativos no exterior, que atingiu US$ 3,7 trilhões ao fim de 2024 (alta de 13% em relação ao ano anterior), os japoneses foram superados pela Alemanha, cujos ativos externos líquidos somaram expressivos US$ 3,95 trilhões. A China, embora ainda distante, fecha o pódio com US$ 3,58 trilhões. Em ienes, o tombo japonês foi ampliado pela valorização de cerca de 5% do euro frente à moeda japonesa no período — o que elevou, em termos nominais relativos, o valor dos ativos alemães.
A virada reflete desequilíbrios econômicos persistentes. A Alemanha vem se beneficiando de um superávit em conta corrente robusto — US$ 282 bilhões no ano passado — alavancado principalmente por sua força industrial e performance comercial, mesmo em meio a um cenário global mais adverso. O Japão, por outro lado, também registrou superávit, mas bem menor: US$ 204 bilhões. Em termos simples, a Alemanha exporta mais, lucra mais e investe melhor seu excedente. A perda de liderança pode parecer simbólica, mas diz muito sobre o novo mapa da hegemonia financeira global. Como tenho falado, a Europa está voltando a ganhar destaque.
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· 04:14 — O que virá depois?
Desde o colapso do sistema de Bretton Woods e o abandono do câmbio fixo em 1971, o dólar norte-americano tem oscilado entre longos ciclos seculares de valorização e desvalorização. O mais recente — iniciado após a Crise Financeira Global de 2008 — foi de alta persistente, sustentado por uma combinação poderosa: políticas monetárias agressivas, força institucional relativa e, sobretudo, o desempenho estelar das ações americanas, especialmente das gigantes de tecnologia. Empresas como Apple, Amazon e Microsoft não apenas dominaram os índices domésticos, como passaram a ocupar fatias desproporcionais dos benchmarks globais. Como reflexo, investidores ao redor do mundo passaram os últimos 15 anos aumentando sistematicamente sua exposição ao mercado americano, muitas vezes à custa da diversificação real.
Mas tudo que sobe… pode começar a perder sustentação. A guinada política dos EUA sob Donald Trump está mexendo com os alicerces do regime que sustentou essa hegemonia. A escalada protecionista, os conflitos geopolíticos, os riscos fiscais crescentes e o uso errático da política tarifária como arma de negociação estão minando parte do soft power institucional que fazia dos EUA um porto (relativamente) seguro. E aqui reside o ponto crítico: podemos estar diante do fim de mais um ciclo secular de força do dólar — e, com ele, do outperformance histórico dos ativos americanos. O dólar forte e o equity americano dominante podem ter passado do ponto. Se essa inflexão se confirmar, será uma notícia particularmente boa para ativos emergentes, historicamente favorecidos em ciclos de enfraquecimento do dólar e reequilíbrio de fluxos globais. A janela pode estar se abrindo para o Brasil…
· 05:07 — Proteção espacial
Na semana passada, Donald Trump revelou um plano bilionário para reforçar a defesa dos EUA — desta vez, mirando o espaço. Inspirado no sistema israelense “Iron Dome”, mas rebatizado com o toque de ouro característico do presidente como “Golden Dome”, o projeto prevê uma sofisticada rede de sensores e interceptadores espaciais para detectar e neutralizar ameaças ainda nos estágios iniciais de lançamento. Com orçamento estimado em US$ 175 bilhões e previsão de operação para 2029, o escudo espacial reacende velhos fantasmas da era Reagan, mas agora com um verniz tecnológico mais polido — e com o complexo industrial-militar já esfregando as mãos.
Empresas como…