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Após algumas semanas mais tranquilas, o noticiário voltou a agitar os mercados na última sexta-feira (23)— e a reação dos ativos diz muito sobre o momento em que estamos. Em um único pregão, o mercado local foi obrigado a absorver, simultaneamente, a ameaça de Donald Trump de impor tarifas de 50% sobre a Europa e a surpresa doméstica com o anúncio de uma nova alíquota de IOF no Brasil. Nessa loucura, o dólar perdeu força globalmente, enquanto o euro e o real avançaram com firmeza. Difícil não notar: estamos vendo mais sinais do deslocamento de fluxos internacionais, à medida que o desconforto com a situação fiscal e comercial dos EUA aumenta.
No front doméstico, o aumento do IOF causou calafrios nos investidores, mas a reação foi menos dramática do que se imaginava — sobretudo após o recuo parcial da Fazenda. Ainda assim, o dano à confiança foi feito. É o velho roteiro: Brasília lança a bomba, depois aparece tentando apagar o incêndio com um balde furado. De todo modo, como já diz o ditado, quando ativos respondem bem a más notícias, é porque o viés é de alta. E o comportamento recente da bolsa brasileira parece reforçar essa leitura: mesmo com tropeços e barulhos políticos, o movimento segue positivo.
A segunda-feira (26) começou mais morna — não apenas pelo feriado nos EUA, mas também pela trégua temporária nas ameaças tarifárias de Trump contra a Europa. As bolsas europeias reagem com alívio. Nos próximos dias, no entanto, o respiro pode ser curto. A agenda está carregada: por aqui, teremos o PIB do primeiro trimestre, prévia da inflação e dados de emprego. Lá fora, saem o PCE — o termômetro de inflação favorito do Fed — e o crescimento da economia americana. Tudo isso embalado pela expectativa em torno do balanço da Nvidia, que voltou a liderar o rali das big techs e promete ser um dos grandes catalisadores da semana. Volatilidade não vai faltar.
· 00:57 — Só não vê o rali quem não quer: nem a má notícia derruba
No Brasil, o ruído provocado pelo episódio do IOF ainda reverbera — e com razão. Embora o Ministério da Fazenda tenha recuado poucas horas depois do anúncio, o dano já havia sido feito. Ficou a impressão de mais uma iniciativa improvisada, sem articulação interna e com efeito direto sobre a confiança. O que permanece em vigor: IOF de 3,5% para compras no exterior com cartões, compra e saque de moeda em espécie e remessas para contas internacionais de banking; remessas para contas de investimento no exterior sobem de 0,38% para 1,1%. Ao mesmo tempo, recebimentos do exterior seguem em 0,38%, e operações como importações, exportações, dividendos e envio de recursos para fundos no exterior continuam isentas.
Politicamente, a oposição não perdeu tempo. A medida foi imediatamente associada a outras iniciativas desastradas, como o monitoramento do Pix. Isso tudo num contexto em que o governo ainda lida com o desgaste do caso do INSS. No limite, o Planalto criou mais uma crise para chamar de sua. A narrativa construída por Fernando Haddad ao longo do último ano — de compromisso com a responsabilidade fiscal, reforma sem aumento de carga e alinhamento com o arcabouço — já foi implodida. A condução errática e a falta de previsibilidade passam a mensagem de que o governo está mais preocupado em tapar buracos do que em traçar um plano coerente de médio prazo.
Do ponto de vista fiscal, o episódio reforça o diagnóstico incômodo: o governo parece determinado a conduzir o ajuste exclusivamente pela arrecadação — com soluções de curtíssimo prazo, instabilidade normativa e uma visão cada vez mais arrecadatória. A percepção do mercado de que a medida poderia ser interpretada como um embrião de controle de capitais não é exagerada — e se essa não era a intenção, a comunicação falhou gravemente. Não por acaso, a reação imediata nos preços foi dura. Curiosamente, mesmo com esse ruído todo, os ativos locais subiram. Há, ao menos, três explicações plausíveis. Primeiro, o aumento do IOF funciona, na prática, como um aperto monetário adicional — o que, por tabela, pode ajudar o Banco Central a justificar o fim do ciclo de alta da Selic, abrindo espaço para uma discussão sobre eventuais cortes futuros. Segundo, medidas impopulares e mal recebidas acabam por desgastar ainda mais o atual governo, reforçando a tese de que o pêndulo político pode mesmo se deslocar a partir de 2026. Para a oposição, basta organizar-se em torno de um nome viável, competitivo, reformista, pró-mercado e fiscalmente responsável. Por fim, os novos ruídos fiscais e comerciais nos EUA voltaram a estimular o fluxo de capital para mercados alternativos — com a tese da rotação regional ganhando corpo.
No fim, a história se repete: o governo desperdiça capital político, desorganiza expectativas e mina a própria credibilidade. A boa notícia do relatório bimestral — com bloqueios e contingenciamentos superiores ao esperado — foi completamente ofuscada pela trapalhada do IOF. O mercado pode até perdoar, mas não esquece. E, a cada recaída do governo na tentação de taxar o que estiver à mão, o investidor ajusta sua percepção de risco. Num país com histórico de improviso fiscal, isso cobra preço — em câmbio, em prêmio de risco e em confiança. Ainda assim, o mercado continua barato e os fluxos seguem positivos. A conjunção desses fatores cria janelas interessantes — desde que o investidor tenha estômago para a turbulência até 2026.
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· 01:49 — A direção do barco
Nos EUA, o foco imediato do mercado segue concentrado no vaivém das tarifas comerciais. Mas, à medida que o noticiário avança, o debate fiscal norte-americano tende a reassumir protagonismo — e não por falta de razões. Nas últimas semanas, dois pontos específicos voltaram a incomodar os investidores. O primeiro — e mais relevante — foi o avanço do pacote fiscal do governo Trump no Congresso. A proposta, que caminha sem qualquer vestígio de compromisso com uma consolidação de longo prazo, reavivou as preocupações sobre a sustentabilidade da trajetória da dívida americana, hoje já flertando com patamares perigosamente insustentáveis.
O segundo ponto foi mais performático, mas não menos preocupante: Trump voltou a ameaçar a Europa com tarifas de 50% e sugeriu taxar em 25% todos os produtos da Apple que não sejam fabricados em solo americano. Mesmo sem impacto imediato, o ruído é suficiente para travar decisões de investimento e piorar o clima externo. Os recuos em relação às tarifas europeias vem justamente da ausência do mercado americano hoje, fechado pelo feriado de Memorial Day. Os próximos dias, no entanto, prometem reaquecer os termômetros: o mercado espera com ansiedade o balanço da Nvidia, os números do PIB americano e os dados do PCE, o preferido do Fed.
· 02:36 — O recuo
A semana começou com um respiro para os ativos de risco, após o presidente Donald Trump decidir adiar, ao menos por ora, a aplicação das tarifas prometidas à Europa. Na sexta-feira (23), Trump ameaçou impor tarifas de 50% sobre produtos europeus já a partir de 1º de junho, acusando o bloco de protelar as negociações comerciais e de perseguir empresas americanas com uma combinação de processos regulatórios e investigações judiciais. O tom, no entanto, foi suavizado no fim de semana, com a Casa Branca estendendo o prazo para o possível início da tarifa até 9 de julho.
Uma tarifa com esse alcance atingiria cerca de US$ 321 bilhões em comércio bilateral, com potencial de reduzir o PIB dos EUA em 0,6% e pressionar os preços internos em mais de 0,3%. Mesmo com o alívio momentâneo, o problema permanece: a natureza errática da formulação de políticas, feita muitas vezes via rede social, impõe uma volatilidade adicional que não se precifica facilmente. Os investidores sabem disso — e, por isso, exigem prêmio.
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· 03:21 — A situação da Apple e a estratégia chinesa
As bolsas asiáticas refletiram hoje (26) o desconforto crescente no setor de tecnologia diante da mais nova ideia fixa do presidente Donald Trump: impor uma tarifa de 25% sobre smartphones importados — com foco claro, ainda que não exclusivo, sobre os iPhones. A justificativa? Trump quer que os aparelhos da Apple (AAPL34) sejam fabricados em solo americano, como se bastasse um decreto para reverter décadas de globalização industrial. Posteriormente, o presidente tentou amenizar o ruído ao afirmar que a medida valeria também para concorrentes, como a Samsung.
Trump já havia expressado seu desagrado com o plano da Apple de ampliar a produção de iPhones na Índia, movimento estratégico para reduzir a dependência da China. Mas a exigência de repatriar a manufatura dos iPhones para os EUA beira a ficção econômica: 80% dos modelos vendidos nos EUA hoje são produzidos na China, onde a Apple conta com uma cadeia de suprimentos altamente sofisticada, mão de obra especializada e custos mais baixos. Transferir essa operação para os Estados Unidos exigiria ao menos uma década e tornaria o iPhone um artigo de luxo nos EUA. Diante disso, o caminho mais racional seria pagar a tarifa e repassar o custo ao consumidor, mesmo que isso implique margens comprimidas e demanda mais fraca.
E isso tudo ocorre justamente quando a Apple tenta sinalizar alguma boa vontade com o governo: anunciou investimentos de US$ 500 bilhões em data centers e uma fábrica de servidores para IA em Houston. Enquanto isso, do outro lado do planeta, a China não perde tempo. Pequim já elabora uma atualização de sua política industrial “Made in China 2025”, com foco em tecnologias estratégicas como equipamentos para a produção de semicondutores. A diferença de abordagem é gritante: enquanto os EUA flertam com o protecionismo confuso, a China desenha um plano de longo prazo.
· 04:15 — Não são mais tão amigos
Pelo terceiro dia consecutivo, a Ucrânia voltou a ser alvo de uma avalanche de mísseis e drones lançados pela Rússia, em um dos ataques aéreos mais intensos desde o início da guerra. Só no fim de semana, Moscou disparou 367 projéteis contra diversas cidades, incluindo Kiev, em uma escalada que obrigou a Alemanha a levantar novamente a bandeira das sanções. A Casa Branca acredita que qualquer nova ameaça de sanção por parte do governo americano pode fazer Moscou abandonar a negociação. Mas o Congresso parece menos disposto a ceder ao teatro de Putin. Senadores republicanos já deixaram claro que estão prontos para aprovar uma nova leva de penalidades econômicas caso a Rússia boicote os esforços por um cessar-fogo. Entre as medidas em discussão está a imposição de tarifas de até 500% sobre importações vindas de países que ainda mantêm relações com Moscou.
E, ao que tudo indica, o tom da Casa Branca também começa a mudar. Trump, que até pouco tempo exibia uma ambiguidade desconfortável em relação a Putin, agora já se refere ao líder russo como “louco” — o que, vindo dele, é quase uma elevação à categoria de adversário sério. A cordialidade pragmática entre os dois evaporou. E se a retórica continua volátil, a geopolítica responde: mais instabilidade no Leste Europeu, mais risco nos mercados de energia e mais munição para os falcões de Washington.
· 05:02 — Popularização
Desde 2020, o Bitcoin multiplicou seu valor por mais de dez vezes, e a recente disparada — que o levou a testar os US$ 110 mil — está sendo impulsionada, curiosamente, por um tema antes considerado periférico: as stablecoins. Um projeto de lei em tramitação no Congresso americano propõe criar uma estrutura regulatória para esses ativos, que são atrelados ao dólar e oferecem maior previsibilidade. A proposta conta com apoio do presidente dos EUA, notoriamente simpático ao setor cripto — especialmente àqueles tokens que carregam seu nome e rosto.
A lógica é simples: se o governo vai regular, é porque pretende permitir — e isso dá fôlego aos ativos digitais em geral, com o Bitcoin liderando o movimento…