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Trump sobe o tom e impõe tarifa de 50% sobre produtos brasileiros; veja a repercussão e o que esperar nesta quinta-feira (10)

A elevação em cinco vezes da alíquota marca a primeira retaliação comercial dos EUA contra o Brasil no governo Lula. Leia mais.

Por Matheus Spiess

10 jul 2025, 09:15 - atualizado em 17 jul 2025, 16:07

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Imagem: iStock.com/wenjin chen

A decisão de Donald Trump de impor uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros a partir de 1º de agosto de 2025 caiu como uma bomba sobre os setores exportadores — e, como era de se esperar, transformou-se imediatamente em munição política. A medida, que eleva em cinco vezes a alíquota anteriormente ventilada de 10%, marca a primeira retaliação comercial direta dos EUA contra o Brasil desde a volta de Lula ao Planalto, e não há como ignorar o seu teor declaradamente político. Segundo o próprio presidente americano, a tarifa seria uma resposta à perseguição promovida pelo STF e pelo governo Lula contra seu aliado Jair Bolsonaro.

A retórica de Trump é cristalina: trata-se de um recado de cunho político direto. Diferentemente de outras tarifas aplicadas sob o pretexto de reequilíbrio comercial, a punição ao Brasil destoa do padrão — até porque nós sequer temos superávit comercial com os EUA. É uma carta política, embalada na forma de protecionismo, que vem logo após a Casa Branca ter criticado publicamente o discurso brasileiro nos BRICS. A resposta de Brasília veio na forma de uma reunião de emergência convocada por Lula com ministros no Palácio do Planalto na noite de ontem, num claro sinal de que o Planalto ainda busca calibrar sua reação. Enquanto isso, a agenda econômica — que incluiria o IPCA de junho — foi rapidamente empurrada para segundo plano.

· 00:56 — Trump jogou verde para colher maduro: o que de fato aconteceu?

O Brasil sabia que não passaria incólume por um eventual segundo mandato de Donald Trump. Podia até aproveitar um hiato momentâneo fora do radar, mas, cedo ou tarde, o país acabaria entrando na mira. A divergência ideológica com o governo Lula tornava esse embate quase inevitável — ainda mais após a realização da cúpula dos BRICS+ em solo brasileiro, onde o governo dobrou a aposta num discurso abertamente antiamericano e chegou a provocar, com certo entusiasmo, o presidente dos Estados Unidos em entrevistas coletivas. Dito e feito: no fim da tarde de ontem (9), a Casa Branca formalizou novas tarifas de 50% sobre todas as importações brasileiras. 

Na carta que justifica a medida, Trump não disfarça: começa mencionando o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado, passa por alegações sobre interferência do Judiciário nacional em empresas de redes sociais com sede nos EUA e termina com críticas ao processo eleitoral brasileiro. Ou seja, zero argumento comercial. Zero vínculo com déficit bilateral — até porque, neste caso, os Estados Unidos registram superávit de US$ 3,2 bilhões com o Brasil no acumulado de 2025 até maio. Seria possível até puxar uma discussão sobre tarifas médias ponderadas aplicadas de lado a lado, mas mesmo nesse caso estaríamos falando de algo entre 10% e 15% — números que até faziam sentido quando a alíquota prevista girava nesses níveis. Mas 50% sobre um parceiro com quem os EUA mantêm saldo comercial positivo há mais de uma década? Bizarro. Uma medida sem qualquer racional econômico, explicitamente política, ideológica, pessoal e desnecessária.

Vale lembrar que, apenas nesta semana, Trump anunciou ou reativou tarifas contra cerca de vinte países. Mas nenhuma delas chega perto da severidade da que foi direcionada ao Brasil. Mesmo que o movimento não tenha sido pensado unicamente para nos atingir, é impossível ignorar as especificidades envolvidas — e a escolha criteriosa do tom e da retórica adotados. O Brasil parece ter se tornado o bode expiatório da vez, talvez como recado aos demais integrantes do BRICS ou a qualquer nação que ouse ensaiar um discurso mais politizado em relação aos EUA. Não é uma ligação automática, mas tampouco pode ser descartada. Nos bastidores, já havia no governo brasileiro a expectativa de algum tipo de retaliação desde que Trump começou a atacar os BRICS, mas nem os mais céticos esperavam algo nessa escala.

· 01:49 — Drama à parte: o estrago existe, mas a terra ainda gira

As tarifas já anunciadas — e aquelas ainda no radar para o terceiro trimestre de 2025, como os 50% sobre o cobre e os 25% sobre produtos farmacêuticos, semicondutores, minerais críticos e madeira — devem elevar em nada menos que 35,5 pontos percentuais a tarifa efetiva dos Estados Unidos sobre exportações brasileiras. Difícil encontrar algum racional econômico para tamanho endurecimento. Afinal, os americanos mantêm um superávit consistente com o Brasil. E não estamos falando de trocas marginais — apenas na última década, o superávit acumulado no comércio de bens é de US$ 91,6 bilhões (se incluirmos serviços, o saldo positivo americano chega a expressivos US$ 256,9 bilhões). Ou seja, se há alguém a ser “protegido” nesse arranjo, claramente não são os EUA. Além disso, dos dez principais produtos que exportam para cá, oito já entram com alíquota zero. Até por aqui é difícil encontrar justificativa.

Dito isso, é preciso examinar o potencial impacto. Em 2023, o Brasil foi responsável por apenas 1,2% das importações totais americanas (US$ 37 bilhões), embora os EUA tenham representado 10,4% de todas as exportações brasileiras — uma concentração relevante. Do outro lado, o Brasil recebeu 2,2% das exportações americanas (US$ 40 bilhões), respondendo por 15,7% das importações brasileiras. Em 2024, as vendas brasileiras aos EUA somaram US$ 40,4 bilhões, tornando o país o segundo maior destino das exportações nacionais — atrás apenas da China, que comprou US$ 94,4 bilhões. Em resumo: embora os números com os EUA estejam longe de ser insignificantes, tampouco representam uma tragédia para o comércio exterior brasileiro.

É claro que alguns setores sentirão mais o golpe. O petróleo lidera a pauta de exportações para os EUA, com US$ 7,6 bilhões vendidos em 2024 — mas trata-se de uma commodity altamente líquida no mercado internacional, com potencial de redirecionamento para refinarias na China, Índia, Europa ou Oriente Médio, onde há forte demanda por petróleo leve e com baixo teor de enxofre, como o extraído no pré-sal. Os efeitos mais imediatos, segundo o governo, devem recair sobre café, carne bovina e suco de laranja — todos itens com peso simbólico e econômico, inclusive para a inflação de alimentos americana.

Afinal, o café brasileiro move a Starbucks e as carnes viram hambúrgueres nos fast-foods que alimentam o eleitorado americano. Por isso, não é difícil imaginar a bancada ruralista pressionando por uma distensão nas relações. Ainda assim, exportações respondem por menos de 20% do PIB brasileiro (exportações aos EUA especificamente representam apenas 2% do PIB) — o que limita o dano direto. Estimativas preliminares apontam para um impacto entre 0,3 e 0,4 ponto percentual no PIB. O problema maior pode vir por outro canal: se o dólar disparar em meio à nova rodada de aversão ao risco, o segundo semestre pode ser pressionado pela inflação — especialmente nos alimentos. E, como sabemos, se a cesta básica voltar a apertar, a aprovação de Lula tende a murchar junto com o poder de compra.

· 02:35 — É só um sustinho?

A diplomacia brasileira já vinha se mobilizando nos bastidores para evitar a escalada tarifária — argumentando, com razão, que os Estados Unidos mantêm superávit comercial com o Brasil. Mas, como se confirmou, esse não era o ponto central da questão. A retórica comercial de Trump, há tempos, não se pauta apenas por saldos de balança, mas por conveniências geopolíticas e impulsos pessoais. Vale lembrar: o presidente já havia ameaçado o Brasil com tarifas sobre o aço em 2019, quando Jair Bolsonaro — seu aliado — ainda estava no Planalto. Ou seja, vemos uma disposição recorrente de Trump em usar tarifas como instrumento de intimidação estratégica. Neste segundo mandato, a Casa Branca se converteu num palco de blefes tarifários. A estratégia é conhecida: inflar o susto com percentuais impraticáveis e, depois, negociar um recuo. Trump joga o número para o alto — como os 50% agora anunciados — para, então, aparecer como o “negociador razoável” ao cortar pela metade.

No caso brasileiro, o impacto comercial direto de uma tarifa de 50% seria real, claro, mas improvável de se concretizar nesse patamar. Vários produtos se tornariam economicamente inviáveis nessas condições. O risco mais sério, portanto, não é econômico imediato, mas diplomático: a medida mina a confiança entre os dois países e fragiliza um relacionamento construído com certa estabilidade ao longo das décadas. A expectativa é que as próximas semanas tragam algum desdobramento mais racional. A dinâmica recente tem seguido um padrão: anúncio agressivo, ruído diplomático, negociação, tarifação reduzida, mas ainda superior ao status anterior. Foi assim há 90 dias, quando Trump prometeu “90 acordos em 90 dias” e fechou apenas dois. A tara protecionista de Trump é barulhenta, mas ineficaz. Ainda que o caso brasileiro tenha contornos mais políticos do que comerciais, é razoável esperar algum arranjo antes do prazo de 1º de agosto — por mais incerto que seja o processo. Há tempo e precedente.

A reação do governo brasileiro veio na calada da noite. O Itamaraty convocou o embaixador dos EUA para prestar esclarecimentos e devolveu a carta enviada por Trump, classificando-a como ofensiva, recheada de afirmações inverídicas e com erros factuais sobre a relação comercial entre os dois países. De fato, é difícil argumentar o contrário: os Estados Unidos registram superávit nas trocas com o Brasil, o que invalida a justificativa usada por Trump — copiada e colada, aliás, de outras cartas enviadas a países com os quais os EUA têm déficit. O problema é que, no caso brasileiro, não há margem jurídica nem institucional para reverter a decisão do STF que desagradou Washington. Tampouco Lula poderá se sentar à mesa com Trump como se nada tivesse acontecido — afinal, a nova tarifa tem forte conteúdo político e fere a soberania nacional. Ainda assim, a ameaça de usar a Regra de Reciprocidade não parece o melhor caminho: Trump já sinalizou que dobraria a aposta. O momento agora exige sangue-frio. Lula tem a chance de adotar um tom firme, mas institucional — algo que, aliás, pode até gerar um raro consenso interno, dado o histórico brasileiro de rejeição a interferências estrangeiras. O Brasil não tem margem para o erro. É hora de a diplomacia técnica — aquela que o Itamaraty, felizmente, possui — entrar em campo com bisturi, não com porrete. O Brasil precisa responder com muita inteligência.

· 03:21 — Consequências no tabuleiro político

Lula tentará, como sempre, transformar o caos em capital político. Do ponto de vista da narrativa, há margem para isso: a medida americana pode ser enquadrada como uma afronta à soberania nacional, criando espaço para o ressurgimento do velho nacionalismo tropical e de uma retórica antiamericana que, embora vazia, antiquada e pouco eficaz no plano prático, ainda ressoa em certos setores de esquerda. O mais provável é que a opinião pública se volte contra Jair Bolsonaro, ainda que marginalmente, tentando atribuir a ele e ao seu círculo mais próximo a responsabilidade política pela crise. Seu drama jurídico, já nada trivial, e o do filho, tende a ganhar mais gravidade. O STF, por sua vez, não dará sinal de recuo. Alexandre de Moraes não é conhecido por ceder sob pressão. Já Trump é uma variável de outra natureza: volátil, impulsiva, imprevisível. E, como a história ensina, quem vacila diante dele acaba pagando um preço alto. O problema, claro, é que a política brasileira tem uma capacidade ímpar de surpreender — e é justamente aí que mora o risco. 

Enquanto isso, bolsonaristas já começam a tentar capitalizar a crise, vendendo a tarifa de Trump como uma reação à atuação do STF ou à retórica externa do governo Lula. E, para sermos justos, há lógica nessa interpretação. Afinal, o Judiciário brasileiro extrapolou em vários momentos e o discurso provocativo e antiamericano do governo nos fóruns internacionais, especialmente dentro dos BRICS, pegou mal. A questão das Big Techs também não ajuda. A Casa Branca vem travando batalhas similares contra regulamentações no Canadá e na União Europeia, e as decisões judiciais brasileiras nesse tema oferecem um pretexto conveniente. A cereja do bolo é a atuação de um membro da família Bolsonaro em solo americano, celebrando o caos como se fosse uma conquista. Isso pode inflamar os mais fanáticos da base bolsonarista, mas afugenta o eleitorado de centro, sem o qual qualquer candidatura de direita será apenas decorativa em 2026. Já falei: sem o centro político, não haverá vitória.

No curto prazo, portanto, Lula é o beneficiado marginal: ganha o discurso patriótico de defensor da soberania nacional e ainda pode posar de vítima de ingerência estrangeira — algo que pega mal em qualquer país soberano. Já os bolsonaristas ficam sem espaço político confortável: é ruim aplaudir uma medida que sabidamente prejudica a economia brasileira e, ainda por cima, fortalece seu principal adversário. No fundo, a diferença entre um remédio amargo e um veneno letal é só a dose. Forçar a barra para que o eleitor rejeite Lula pode, ironicamente, acabar o consolidando. É melhor deixá-lo tropeçar sozinho — e, com o tempo, talvez o eleitorado aprenda que a única saída saudável não está em Lula ou em Bolsonaro.

Aliás, essa vantagem de Lula é temporária. O governo já enfrentava dificuldades para construir um caminho no Congresso e a crise deve tornar as negociações ainda mais custosas (pressão de vários setores). Se a tensão escalar e o dólar avançar, a inflação voltará — teremos novamente queda na já desgastada popularidade presidencial. Falta ao Brasil um pacificador, não um incendiário. E, por mais turbulenta que seja a travessia, a tese de mudança do pêndulo político brasileiro segue de pé. Mas saiba que ela responde muito mais às suas próprias forças internas do que a torcidas estrangeiras.

· 04:14 — Quando (e se) essa instabilidade vai acabar?

Neste momento, o que se exige das instituições brasileiras é serenidade — ainda que o contexto seja inflamável. A diplomacia deve agir com firmeza, sem perder a compostura, em defesa dos interesses do Estado brasileiro. A relação entre Brasil e Estados Unidos é antiga, relevante e multifacetada, e não deve ser sequestrada por ímpetos pessoais ou ambições políticas. Os dois países dispõem de ferramentas jurídicas e institucionais para negociar nos próximos dias — e será nesse intervalo que conheceremos os reais contornos desta crise. O que torna tudo mais complicado, no entanto, é a maneira errática com que o segundo mandato de Donald Trump tem lidado com o comércio internacional: uma pressa desordenada por anunciar acordos antes de prazos arbitrários, em nome de uma suposta reconstrução do sistema global, que tem produzido mais ruído do que resultado. Resta a dúvida: mesmo que um acordo seja alcançado, com que grau de confiança se pode apostar em sua durabilidade? 

Hoje, ninguém é capaz de prever com convicção qual será a política comercial dos EUA na próxima semana — quanto mais daqui a três anos e meio, quando Trump deixar a cena. A grande interrogação é: retornaremos a algo próximo das regras multilaterais que vigoravam no pré-Trump, ou estamos diante de uma nova era de fragmentação geoeconômica? As respostas, por enquanto, são apenas esboços de cenários. O primeiro depende de uma mudança de postura dos EUA: se o país decidir desmontar o protecionismo recente, retomar o multilateralismo e voltar a jogar sob as regras da OMC, o sistema atual pode ser salvo — ainda que aos trancos. O segundo cenário seria um meio-termo: os EUA perceberiam os danos das tarifas — sobretudo via inflação e possíveis recessões — e tentariam recalibrar suas ações, sem remover por completo o aparato tarifário construído até aqui. Nesse caso, veríamos um desmonte parcial das barreiras, mas sem uma restauração plena da ordem anterior.

Mas há cenários menos otimistas. No terceiro, os EUA seguiriam firmes no caminho do protecionismo, enquanto outras potências tentariam preservar o que resta do multilateralismo. A China poderia, nesse contexto, posar de “adulta na sala”, embora seu próprio comportamento nem sempre respalde esse papel. No quarto e mais dramático cenário, os EUA abandonariam definitivamente o sistema multilateral, levando até mesmo a União Europeia a desistir da OMC. Em resposta, veríamos o nascimento de um novo arranjo, unindo Europa, Canadá, Austrália, Japão, México e Coreia do Sul em uma nova plataforma comercial. Do outro lado, os BRICS+, liderados pela China, representariam um bloco de peso equivalente. E os EUA, sozinhos, ainda responderiam por 25% do PIB global — formando, assim, o terceiro vértice da nova geopolítica comercial. A realidade mais provável? Um cenário confuso, com traços do segundo e lampejos do quarto: o embrião de uma fragmentação crescente do comércio global em grandes blocos regionais. Mais um capítulo da nova guerra fria que vivemos.

· 05:03 — O caos virou moda, mas passa

Mantenha a calma. Em momentos como este, o pior que se pode fazer é deixar a ansiedade tomar conta da carteira. Já vimos esse roteiro antes: um choque inesperado, a volatilidade à flor da pele e, do outro lado, a tentação de reações precipitadas. É claro que o caso brasileiro carrega suas particularidades — e o tom político da tarifa não ajuda —, mas o histórico do governo Trump indica que, passada a retórica inflamável, as negociações tendem a avançar. Se esse padrão se repetir, podemos sim ver uma correção de curto prazo, mas não há razão para abandonar o bom senso: o horizonte de médio e longo prazo segue preservado. Nessas horas, o que conta é…

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.