Investimentos

A fronteira do pensamento é verde

A Faria Lima se tornou o segundo lugar do mundo em que pessoas que andam de Rolls Royce pedem conselhos a quem anda de metrô.

Por Felipe Miranda

08 jun 2017, 10:13

Ontem fui ver o Fronteiras do Pensamento, com o Eduardo Giannetti e o Gilles Lipovetsky. Espetacular. Sempre que posso, assisto ao Giannetti, com a mesma perplexidade e admiração da primeira vez. Acho que o mercado financeiro nunca o compreendeu integralmente, possivelmente porque (e essa é apenas minha interpretação) ele nunca se submeteu ao mercado.

Prefiro assim. Acho que Giannetti sempre vibrou numa frequência superior. Os gênios não podem ser enquadrados, institucionalizados, circunscritos a uma forma previamente modelada de agir.

É curioso como os grandes gênios do mercado financeiro são forçados a se institucionalizarem, a ouvir seus economistas. Os clientes grandes gostam e valorizam a contratação de um PhD pro tal fundo. Então temos o brilhantismo e a capacidade genuína de ganhar dinheiro submetidos a um diploma pasteurizado. Com ciúmes de Wall Street, a Faria Lima (como mera representação, claro; poderia ser o Leblon) se tornou o segundo lugar do mundo em que pessoas que andam de Rolls Royce pedem conselhos a quem anda de metrô.

 

Gênio indomável, pra mim, é uma redundância. Quando ele está domado, acabou a genialidade.

Uma frase em particular de Giannetti bateu em mim, porque ela bate exatamente com as palavras escritas aqui ontem, de que os deuses do século XXI (a ciência, a tecnologia e o dinheiro) não são capazes de preencher nosso vazio existencial. Na verdade, a frase é da encíclica do papa Francisco e foi apropriada por Giannetti, com o devido crédito. Mais ou menos assim:

“Os desertos externos estão aumentando no mundo porque os desertos internos se tornaram tão vastos.”

Na tentativa de preencher a falta de sentido e de valores essenciais, atribuímos um peso excessivamente grande ao consumo, como se ele supostamente pudesse completar-nos com o que efetivamente nos falta. O problema é que o Planeta simplesmente não suporta que todos assumam o padrão de consumo da classe rica, desejada por todas. O deserto interno catalisa o consumo exagerado, que catalisa a questão climática (deserto exterior). Não à toa, Giannetti construiu a expressão “crise da ecologia psíquica”, que, se pararmos pra pensar, resume tudo isso.

Talvez você esteja pensando: “dane-se tudo isso. Me ajude a ganhar dinheiro. Não estou nem aí para o que você fez na quarta-feira à noite.” Calma. Não imagino mesmo que isso lhe interesse. Já chego lá. Por incrível que pareça, a introdução é importante à questão central e pragmática, principalmente para quem conseguir ligar os pontos.

Gilles Lipovetsky, por sua vez, recuperou frase de Paul Valery para lembrar-nos da necessidade de combinarmos, ao mesmo tempo, profundidade com uma vida de maior plenitude e realização, apoiada na diversidade, e não apenas, monotematicamente, no dinheiro, na correria pasteurizada na esteira, no padrão profissional otimizado, etc. “É preciso ser leve como o pássaro e não como a pluma.”

É difícil ser leve no mercado financeiro. É muito difícil ser leve no mercado financeiro brasileiro. É quase impossível ser leve quando você é bombardeado de emails questionando seu otimismo com ativos de risco no momento em que a maior gestora independente brasileira demonstra um pessimismo atroz com o País em seu evento de aniversário.

Sem a possibilidade de endereçar as dúvidas individualmente, respondo aos questionamentos aqui, de uma vez só. Sim, eu acho ruim discordar das pessoas que admiro – embora eu partilhe das mesmas desconfianças com a China. Mas acho ainda pior discordar de mim mesmo. Sou ambivalente e por vezes paradoxal. Resisto, porém, a trair minha alma, pois morro de medo da vingança que ela pode impor-me no futuro.

Três pontos principais fundamentam meu otimismo com ativos brasileiros:

i. o ciclo de lucros. Neste escopo, gostaria de chamar atenção para brilhante relatório de Dalton Gardiman, economista-chefe do Bradesco BBI. Com o perdão da pirataria (ok, podem me punir por isso; se vai ser útil para meus leitores, eu aceito, valeu a pena), ele resume: “nós concluímos notando uma sincronização desses custos (salários, alugueres, despesas com insumos e preços das matérias-primas) com o ciclo de crédito, e isso está próximo de atingir um fundo. Esse pode ser um presságio para um novo longo ciclo se formando, a partir do momento em que superarmos as incertezas de curto prazo.(…) De fato, há evidências no ciclo de lucros de que já estamos nos movendo na direção certa. Os lucros precedem o crédito nesse estágio do ciclo, com os bancos privados apenas amplificando o ciclo no momento subsequente.” A relação lucros sobre PIB está a cerca da metade da média histórica, enquanto a relação valor de mercado sobre PIB, uma métrica clássica de Buffett, também está aquém do histórico. Sob o risco de soar pretensioso (e realmente não é o caso, pois falo isso com verdadeira humildade, principalmente epistemológica), falta hoje aos gestores multimercados brasileiros, quase em sua totalidade, conhecimento de Bolsa e de empresas. Talvez nem seja culpa deles. No Paraíso do CDI e das crises cambiais, quem vai mesmo se dedicar a ações? Os bons caras de ações estão tocando fundos de ações. Simples assim. Pragmaticamente, se certas cabeças e estruturas não mudarem, não foram provocadas o suficiente para pensar sobre Bolsa, podem perder o bull market estrutural – note que, desse pessoal, quase ninguém pegou o rali do mercado acionário brasileiro desde 2015;

ii. os juros precisam cair, e muito mais do que está na curva. Acho que quanto a isso, quase todos concorram. Então, há pouco a se falar – talvez mereça uma breve menção à derrocada do petróleo nos últimos dias, que pode ensejar novos reajustes para baixo no preço da gasolina. Se for o caso, poderia voltar à pauta um corte de 100 pontos na Selic, principalmente se o governo emitir sinais de que pode caminhar com a pauta fiscal.

iii. a agenda liberal e das reformas hoje não é uma pauta do governo. Ela é da sociedade. Veja o fenômeno Doria. Veja como se debate hoje previdência Estado inchado. Pode-se falar a palavra privatização sem ser algemado. O País vive uma efetiva limpeza do quadro político, podre, corrupto e voltado aos próprios interesses. É uma clara destruição criativa schumpetariana. Claro que será traumático, doloroso e volátil. Mas é só assim que se faz mesmo. Repare também que, em meio a todo esse caos, em nenhum momento se falou em substituição da equipe econômica e abandono da ortodoxia. Ao mesmo tempo, é curioso como o maior risco à economia brasileira (falência fiscal) pode ser também o indutor do crescimento. Isso porque a realidade se impõe natural. O campo escala, diria Tite. Faremos as reformas pela simples razão de que temos de fazer, ou explodimos. Ao mesmo tempo, essa falência fiscal pode vir a resolver ou, ao menos, amenizar o problema histórico da baixa produtividade dos fatores. Acabou a palhaçada dos campeões nacionais, não se fala mais em subsídios aos amigos do rei (ainda temos amigos do rei, mas não temos mais dinheiro), teremos de privatizar tudo, deixaremos empresas ineficientes quebrar porque não temos condições financeiras de salvá-las e, então, o capital vai mirar para um outro setor de maior eficiência e produtividade. Por ai vai.

Por maior que seja a crise civilizatória, a minha ecologia psíquica ainda é verde.

Sobre o autor

Felipe Miranda

CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.

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