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Investimentos

A série que te diz para não investir em ações da Netflix

Companhia cresce durante a pandemia, mas analista da Empiricus indica venda; saiba como substituir Netflix em sua carteira

Por Danilo Moliterno

19 de março de 2021, 10:52

É hora de deixar o sofá, a pipoca e o streaming de lado e vir para o mercado de ações não investir na Netflix (Nasdaq: NFLX; B3: NFLX34). Não… você não leu errado. Apesar do crescimento da companhia em meio a pandemia, o analista da Empiricus João Luiz Piccioni Junior não indica a compra de seus papéis.

Nesse artigo você confere uma “sinopse” da história da Netflix, entende o porquê de suas ações não serem recomendadas e ainda recebe da série Money Rider, de Piccioni, uma indicação sobre em qual “plataforma” investir. Assim como no streaming, aqui o controle é seu: o artigo está dividido em tópicos, pelos quais você pode navegar através dos links:

Roteiro para o sucesso

Fundada por Reed Hastings e Mar Randolph, em 1997 nascia a Netflix. Ainda sem o vermelho e o branco em sua logo — que na época era roxa —, a empresa trabalhava com locação de filmes. O primeiro grande passo rumo ao sucesso já seria dado no ano seguinte, quando o CEO da época, Randolph, insistiu em oferecer serviços de entrega de DVDs via internet.

O mecanismo era simples: para evitar que o cliente tivesse de se deslocar até o estabelecimento, os filmes eram alugados por meio do site da Netflix e enviados via correio. Quando os prazos de locação inspiravam, o serviço de entregas da empresa ia a casa do cliente retomar o DVD.

O surgimento do streaming foi um dos grandes responsáveis pela decadência do antigo modelo de locadoras (Imagem: Shuttershock.com)

Até então, o cliente pagava por título alugado, padrão do segmento na época. O formato de assinatura mensal começa em 1999. Além de facilitar a dinâmica de pagamento, esse modelo retirava taxas mal vistas pelos usuários, como a de atraso na devolução.

Quem assiste hoje à competição entre a plataforma e a Amazon Prime Video no mercado de streaming não imagina que, naquela época, Jeff Bezos tentou adquirir a Netflix. O ex-CEO da Amazon ofereceu US$ 12 milhões pela empresa, mas ouviu uma negativa dos fundadores.

Por falar neles, em 2002 Randolph deixa a posição mais alta dentro da empresa para seu cofundador, Hastings. Dois anos antes, em 2000, a logo roxa da Netflix já havia sido substituída pelos vermelho e branco com os quais estamos acostumados.

A antiga logomarca da Netflix (Imagem: Reprodução)

Em 2007, finalmente, a Netflix apresenta o modelo de streaming que comercializa hoje. Digna de um episódio de Black Mirror para os padrões da época, a inovação surpreende todo o mercado. Ao pagar uma mensalidade, os usuários têm acesso aos títulos diretamente no site da plataforma, 24h por dia.

Após conquistar os Estados Unidos, a companhia chega aos anos 2010 em operação fronteira: neste ano estreia internacionalmente, no Canadá. Uma década mais tarde, os serviços plataforma estariam disponíveis em mais de 190 países.

Então, em 2013, em uma estratégia digna de Beth Harmon, de O Gambito da Rainha, a Netflix passa a realizar produções originais. House of Cards, a primeira grande aposta da empresa em termos de investimento — foram gastos US$ 100 milhões para a gravação de duas temporadas —, se sagrou a primeira série feita para o meio on-line a receber indicações nas principais categorias do Emmy. Além de vencer seis desses prêmios, faturou dois Globos de Ouro.

Ainda viriam muitos outros originais de sucesso e, com eles, polêmicas. Até hoje distribuidoras de filmes não engolem o fato de a plataforma não estrear suas produções no cinema. Fora isso, desde que começou a lançar suas próprias obras, a Netflix tem encontrado mais dificuldades para licenciar longas de outras marcas, o que prejudica o catálogo.

O modelo de negócio da Netflix voltaria a dar um salto em 2020. Devido à pandemia de coronavírus e ao início das recomendações de isolamento social, a plataforma se tornou um refúgio. Sem possibilidade de realizar atividades de lazer em grupo e restritas ao espaço de suas casas, as pessoas passaram a procurar séries e filmes com frequência ainda maior.

Morte a 2020… tem certeza, Netflix?

Os resultados da Netflix no primeiro semestre de 2020 deixam claro o efeito do isolamento. De janeiro a junho, as ações da empresa valorizaram 60%, visto a expectativa de entrada de novos usuários na plataforma. Além disso, no fechamento do pregão que antecedeu a divulgação dos resultados do segundo trimestre, o valor de mercado da empresa atingiu US$ 241 bilhões.

Veio a divulgação dos números daquele período e, com ela, mais boas notícias. As receitas da companhia haviam crescido 25%, alcançando US$ 6,15 bilhões. O lucro operacional (Ebit) deu um pulo e bateu US$ 1,36 bilhões — muito acima dos US$ 706 milhões do mesmo trimestre do ano anterior. E a margem operacional também melhorava, ao bater 22%.

Netflix and Escobar family in a trademark fight over 'Narcos'

O valuation da Netflix é de US$ 242 bilhões atualmente (Imagem: Netflix/Reprodução)

Mesmo assim, o date perfeito entre a empresa e o mercado estava prestes a acabar. Logo no pregão seguinte a essa divulgação, a empresa perdeu cerca de 10% do valor de mercado. A justificativa estava nos dados relacionados à adição de novos usuários. Foram contabilizados 10,1 milhões de assinantes no período, por volta de 5 milhões abaixo do trimestre anterior. 

Nessa época, Piccioni já mostrava desencanto em relação às ações da plataforma de streaming. “Apesar dos bons números, existe um fator importante nesse conjunto que ainda me incomoda: a dificuldade do seu modelo de negócio gerar caixa”, afirma.

Mesmo ao diminuir o ritmo de produção de originais nesse período, a Netflix não se mostrou eficiente na geração de caixa. Apenas US$ 1 bilhão ficou nas mãos da empresa, um valor — segundo Piccioni — “ínfimo para uma companhia que vale mais de RS$ 200 bilhões”.

“Essa incapacidade inerente ao seu modelo de negócio [de geração de caixa] sempre acompanhou a Netflix ao longo de sua trajetória e trouxe consigo um avanço veloz de seu endividamento, que, no último trimestre [2T20], já supera os US$ 15 bilhões”, completa o analista.

3 porquês para não investir em Netflix 

A fim de descobrir se o poço era assim tão profundo, João Piccioni passou a estudar o valuation da Netflix. Para isso, ele utilizou uma ferramenta de fluxo de caixa descontado, cujo resultado é constituído, basicamente, por estimativas de lucros operacionais e taxas de desconto. 

João se baseou em uma aula do professor Aswath Damodaram para realizar o cálculo (Imagem: Shuttershock.com)

O valor justo das ações da Netflix, segundo o cálculo do analista da Empiricus, seria de US$ 541. Um pouco acima daquele observado no pregão da época (julho), em que os papéis da companhia circulavam a US$ 492.

“Apesar do upside relativamente pequeno (cerca de 10%), a ferramenta do fluxo de caixa descontado (FCD) indica certa coerência entre as expectativas do mercado e os preços das ações”, avalia Piccioni.

A partir daqui entram os 13 porquês — na verdade, apenas três — de Piccioni não recomendar a compra de ações da Netflix. Além de considerar que os papéis da empresa estão precificados “à perfeição”, o que não justificaria a alocação de recursos”, o analista enxerga outros “dois problemas de difícil solução no curto prazo”.

O primeiro é a dificuldade da companhia em gerar caixa por meio de atividades operacionais. Ou seja, a receita proporcionada pela venda de assinaturas não é capaz de acompanhar o consumo de recursos para realização das produções.

Nada ortodoxa, a empresa gasta hoje para produzir e só colherá ganhos ao longo dos anos, no futuro. É uma dinâmica diferente dos estúdios clássicos, que — apesar dos altos investimentos e das burocracias necessárias para estrear filmes nos cinemas — já recebem a maior parte de seus rendimentos na bilheteria. 

O segundo está ligado à concorrência. Hoje a companhia não tem outras linhas de receitas além das assinaturas. E, segundo Piccioni, o avanço da competição, com Disney+, Amazon Prime Video e outros, pode comprometer a captação de novos usuários e levar a empresa a diminuir o preço de seu plano mensal. 

O sucessor em sua carteira

Por aqui, diferentemente de parte dos longas da plataforma de streaming, não tem final dramático. Resta entregar a prometida dica sobre como substituir a companhia em em sua carteira. E, para isso, é necessário falar um pouco mais de Netflix.

Explicando: no último trimestre as vendas da empresa totalizaram US$ 6,6 bilhões, crescimento de 21,5% na comparação com o mesmo período de 2019. Além disso, a Netflix adicionou 8,5 milhões de novos assinantes a sua plataforma. 

Por outro lado, lucrou US$ 542 milhões, queda de 7,7% em relação ao mesmo momento do ano anterior. E, após três trimestres seguidos com fluxo de caixa operacional e fluxo de caixa livre positivos, no quarto de 2020, a empresa reportou uma queima de caixa de US$ 138 milhões.

No entanto, o crescimento na base de clientes e declarações da administração sobre expectativas positivas para o fluxo de caixa se sobressaíram. O mercado se animou e as ações da plataforma valorizaram cerca de 10% no momento da divulgação dos resultados.

A empolgação do mercado não foi capaz de mudar a opinião de Piccioni. Mas, nada de perda total, os números divulgados serviram para reforçar outra aposta do analista: “As perspectivas positivas da Netflix para o futuro nos deixam ainda mais animados com a tese de investimentos em Disney (NYSE: DIS; B3: DIS34)”.

A Disney é indicada por João e outros analistas da Empiricus (Imagem: Marko Aliaksandr/Shutterstock.com)

Um close nas motivações: Piccioni já havia mostrado anteriormente em suas análises que a companhia do Mickey Mouse possui “duas grandes alavancas, que devem levar suas ações a novas máximas nos próximos meses”.

A primeira delas é a reabertura das economias, principalmente no hemisfério Norte. O início da vacinação em massa nos Estados Unidos permite vislumbrar dias melhores para os parques e atrações da empresa. A outra é exatamente as plataformas de streaming da companhia, encabeçadas pelo Disney+. Em seu primeiro ano de existência, o serviço já contava com quase 87 milhões de assinantes.

O arremesso final é comparar esse número com o da rival de segmento. Enquanto a Netflix já está presente em mais de 190 países, o Disney+ está disponível em menos de 50 países. “Assumindo o valor por assinante da Netflix para os serviços de streaming da Disney, o investidor estaria comprando os ativos “tradicionais” por uma verdadeira pechincha”, completa Piccioni”. 

E você? Ficou interessado nas ações da Disney, então assista o vídeo abaixo!

Sobre o autor

Danilo Moliterno

Jornalista em formação pela Universidade de São Paulo (USP), com passagem pela redação do Jornal da USP