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Investimentos

Dos humildes fundamentos

Assumimos que o futuro continuará incerto, que incorreremos numa série de erros e, portanto, devemos nos esforçar para minimizá-los.

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Data de publicação
20 de junho de 2017
Categoria
Investimentos

Vamos começar do começo.

Empiricus é um cara. Não fundamos a empresa XPTO. Criamos uma companhia de pesquisa para ajudar as pessoas físicas a investir com base nos ensinamentos deste cidadão: Sextus Empiricus. Foi uma escolha deliberada e fundamentada.

Ele era um escritor antiacadêmico (no sentido de combativo a teorias sem conexão com a prática) e ativista antidogma. Presume-se que tenha vivido no segundo século da nossa era, na Alexandria, muito embora se saiba pouco a seu respeito. Era uma espécie de médico, pertencente à escola chamada empírica, que duvida de teorias e da causalidade, confiando em experiências passadas nos tratamentos.

Foi junto a Menodoto de Nicomédia um dos maiores expoentes da escola empírica. Enquanto o segundo fundiu o empirismo com o ceticismo filosófico, Sextus formalizou as principais ideias dos céticos pirrônicos, insistindo fundamentalmente na suspensão das crenças – precisamos de 14 séculos para que a medicina se tornasse adogmática.

Os céticos pirrônicos apoiavam-se essencialmente na tradição e nos costumes e eram obstinados em duvidar de maneira sistemática de tudo, inclusive de si mesmos.

Se você realmente apreender isso, entende muita coisa sobre as linhas tortas aqui escritas diariamente, das minhas posições políticas à defesa imperiosa da diversificação e do uso de seguros como forma de nos protegermos de nós mesmos. Note que o conservadorismo, no sentido anglo-saxão, encontra sua origem justamente no ceticismo, na desconfiança na capacidade da razão de produzir teorias razoáveis sobre o mundo – não à toa, o maior clássico de Edmond Burke é Reflexões sobre a Revolução na França, uma crítica à ruptura e à pretensa superioridade do Iluminismo, e uma defesa do gradualismo da Revolução Gloriosa feita antes na Inglaterra.

Essa essência aparentemente filosófica encontra desdobramento prático óbvio sobre as estratégias de investimento. Duvidamos dos modelos desenvolvidos em Harvard, de qualquer tentativa de prever o futuro, dos ternos vazios que transitam pelo Leblon e pela Faria Lima cuja principal motivação é convencê-lo a entregar seu dinheiro àquele private banker.

É o reconhecimento de que o mercado financeiro pertence aos praticantes, com suas tradições, suas convenções e seus costumes, cunhados à base da tentativa e erro do caminho dialético da histórica, essencialmente na vivência, e não em teorias pasteurizadas sem apego à realidade.

Resumidamente, argumentamos em favor da humildade epistemológica. A humildade de reconhecermos que não temos a menor condição de saber o que acontece na República Tcheca. De assumirmos que, se o gestor anterior saiu e zerou suas posições pregressas para o novo poder agir livremente conforme sua própria cabeça, minha boa performance no fatídico Black Swan ligado ao áudio Temer-Joesley nada tem a ver com minha competência individual – ela decorre integralmente da aleatoriedade (o choque negativo aconteceu quando estávamos zerados) e da ética de meu antecessor.

Aliás, parada rápida para umas palavrinhas sobre black swans e coisas parecidas: tail risks (ou riscos de cauda) tradicionalmente não são situados nas extremidades de uma análise de distribuição normal de retornos – as séries financeiras não seguem distribuições gaussianas (normais), que, obviamente, não tem caudas gordas. Tail risks são tipicamente associados a distribuições de Levy, Pareto, Cauchy e leis de potência.

Voltando ao essencial: aqui, assumimos que o futuro continuará incerto, que incorreremos numa série de erros e, portanto, devemos nos esforçar para minimizá-los, por meio da diversificação e de seguros, que muitos de nossos acertos vieram apenas da reunião de fatores aleatórios, sem mérito particular algum, que vivemos num mundo que não entendemos.

O mais paradoxal sobre essa coisa toda é que o investidor de maior sucesso que sacou a parada integralmente, da impossibilidade da razão produzir teorias adequadas sobre o mundo financeiro, foi George Soros, odiado pelos conservadores. Por favor, não me matem, mas pragmaticamente é a verdade. Conforme explica seu filho Robert Soros, ele troca suas posições de acordo com suas dores nas costas. E conforme explica Flavia Cymbalista no já clássico How George Soros knows what he knows, a dor nas costas do megainvestidor nada mais é do que a manifestação somatizada de seu desconforto com determinadas posições, obrigando-o a ajustar seu portfólio, a partir de identificação de sua intuição (um dos níveis mais altos da inteligência), perfeitamente alinhada à ideia da reflexividade.