Investimentos

Ensaio sobre a cegueira

Será que o fato de gostarmos do Brasil nos obriga a manter todos nossos investimentos aqui dentro?

Por Felipe Miranda

19 jun 2017, 10:00

“O amor é cego, mas o tesão, não, meu bem”. Ao enviar secretamente minha orelha de leproso à mesa ao lado no restaurante, captei sem querer a frase de uma senhora que reclamava do marido maltrapilho e despenteado. Segurei a risada e voltei-me para meus próprios pensamentos. “Na dúvida, é melhor começar a me vestir melhor”, conclui. Quanto ao “despenteado”, bom, não há muito a se fazer.

De fato, ao menos a primeira parte da afirmação encontra fundamentação empírica. Se nutrimos uma avaliação favorável sobre uma pessoa (se a amamos), tendemos a lhe conferir notas altas também em questões particulares. Ainda mais curioso, é que a dinâmica também vale do particular para o geral. Atribui uma avaliação total positiva se julgou previamente de forma positiva um atributo específico. Em outras palavras, se você acha uma pessoa bacana como um todo, tende a achá-la mais bonita do que o normal. E se você acha uma pessoa bonita, tende a achá-la bacana no geral.

O fenômeno foi devidamente documentado pelo psicólogo Edward Thorndike, sendo um dos vieses cognitivos mais estudados em Finanças Comportamentais. Thorndike atribuiu-lhe o nome de “halo effect”, como se determinadas pessoas possuíssem um “halo”, uma auréola, uma glória ou dádiva especial. Dai viria a tendência de uma impressão geral sobre aquele indivíduo influenciar as avaliações sobre suas características particulares.

Há várias implicações para gestão de ativos a partir do efeito halo. A mais imediata talvez seja a nossa incapacidade de perceber defeitos ou mudanças de características em ações ou títulos de que já gostamos. Podemos ignorar certos atributos negativos porque já estamos apaixonados. Somos vividos por aquele sentimento.

Extrapolo a questão para um outro elemento. Será que o fato de gostarmos do Brasil nos obriga a manter todos nossos investimentos aqui dentro? (e lá vai o Luis Nassif me acusar de apologia à evasão de divisas; entre na fila.)

Talvez essa seja uma explicação possível para a resistência de algumas pessoas em manter investimentos fora do País. Ao conversar por aí com amigos, parentes e/ou leitores, percebo como se apreende facilmente a necessidade de se diversificar entre as mais variadas classes de ativos: imóveis, renda fixa, ações. Talvez você possa identificar alguma subpenetração das ações, no que eu concordo, ou mesmo um carinho especial dos brasileiros por imóveis, talvez fruto da herança hiperinflacionária. Mas, no geral, compreende-se a coisa.

Empiricamente, porém, não vejo a mesma disposição em aceitar a diversificação entre moedas/países. O percentual de pessoas com conta no exterior ainda é baixo. Ok, ok. O juro brasileiro é enorme, de tal sorte que, cada vez que mandamos dinheiro para fora, rodamos contra nós mesmos um taxímetro que roda a 0,8 por cento ao mês. Mas a diversificação de riscos é um imperativo, sobretudo para quem convive com uma moeda exótica como o real.

Também sei que talvez ache o processo excessivamente burocrático e você já é um sujeito muito sem tempo – quem não é hoje em dia? Felizmente, as corretoras e até mesmo os bancos comerciais hoje gozam de processos bem mais simples para isso – na XP mesmo é relativamente fácil de acessar a filial lá fora.

Tenho um motivo especial para lhe sugerir a abertura de conta em corretora no estrangeiro: as estratégias de tail hedging que tanto defendo aqui podem ser muito mais facilmente implementadas lá fora. Acho que, num ambiente de elevada incerteza e tão sujeito aos cisnes negros, em que certamente vamos errar, errar e errar nossas teses, todo investidor precisa montar proteções em suas estratégias – e a pessoa física não pode ficar alijada dessas possibilidades, jogando uma espécie de série B do mercado de capitais.

E, infelizmente, quando se trata de hedge, o mercado de capitais brasileiro passa longe da série A. Não temos liquidez em opções, principalmente se fugirmos um pouco dos nomes óbvios e esticarmos o horizonte temporal.

O momento é particularmente interessante para dar este passo, pois a volatilidade está em níveis excepcionalmente baixos. É justamente nessa hora em que você pode comprar seguros mais baratos.

Três coisas que você poderia fazer imediatamente, dedicando um pouquinho de dinheiro para buscar proteção a seu portfólio de ativos de risco brasileiros: i) comprar puts de EWZ, o ETF de ações brasileiras lá fora:; ii) comprar calls de VIX, o índice de volatilidade, hoje nos níveis deprimidíssimos de 10 pontos; e iii) comprar puts sobre S&P 500 quase no dinheiro para 12 meses à frente por um custo bem baixo.

Há prazo e liquidez para tudo isso. E mais: tudo em dólar. Ou seja, é um duplo alfa, um seguro adicionalmente poderoso. Eu poderia estar roubando, eu poderia estar matando, só estou pedindo para você abrir conta numa corretora lá fora. É um belo presente de Dia dos Namorados atrasado que você pode dar a si mesmo. Dancing with myself, diria Billy Idol.

Voltamos do final de semana digerindo as acusações recíprocas de “chefe da quadrilha mais perigosa do Brasil” e “bandido notório de maior sucesso do País”. Com efeito, está difícil escolher um vencedor dessa acirrada disputa. Joesley acusa Temer, que acusa Joesley. Ambos deixam a situação permeada por incerteza, dúvidas quanto à capacidade de votar a provável denúncia contra Temer na Câmara antes do recesso e morosidade na aprovação das reformas.

Sobre o autor

Felipe Miranda

CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.

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