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Investimentos

O Beijo da Mulher-Aranha

Eu concordo que houve um “overvaluation” dos ativos brasileiros às vésperas do vazamento do fatídico áudio Temer-Joesley.

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Data de publicação
28 de julho de 2017
Categoria
Investimentos

Eu concordo que houve um “overvaluation” dos ativos brasileiros às vésperas do vazamento do fatídico áudio Temer-Joesley.

Mas onde não há? Das Bolsas norte-americanas aos bitcoins, passando pelos imóveis em Cádiz, está tudo pela hora da morte. Esse”sobreapreçamento” generalizado dos ativos decorre em grande medida dos esforços dos bancos centrais realizados desde 2015, que rodaram suas maquininhas de imprimir dinheiro para tentar salvar as economias do apocalipse. Não bastasse o Fim do Brasil, teríamos de encarar também o fim do mundo?

Não falo isso sob a ótica da exuberância irracional do Robert Shiller. Essa separação entre mercado monetário (mais especificamente, oferta de moeda) e uma suposta realidade econômica nunca fez minha cabeça. Pra mim, fluxo nunca esteve separado do fundamento. O próprio fluxo é um fundamento, no sentido monetarista da coisa.

Se você dobra a oferta de moeda, tudo o mais constante, os preços precisam dobrar também. É a aplicação lógica do ensinamento original da teoria monetária. Se bens são trocados por moeda, a duplicação da segunda com a manutenção dos primeiros implica numa nova relação de troca, mais alta mesmo.

Sabe onde não me parece ter bolha? Na Bolsa brasileira, pois, diante dos problemas efetivos da economia local, iniciados mais marcadamente em 2011 e com contornos dramáticos a partir de 2014, estivemos alheios a toda essa farra da liquidez global.

Nos últimos dez anos, alocação em renda fixa por investidores locais saiu de 1,6 trilhão de reais para 3,5 trilhões de reais. Em ações, caiu 50 bilhões de reais. Nesse intervalo, a alocação de Brasil nas cestas de mercados emergentes saiu de 16 por cento para 8 por cento. Ninguém quer saber da nossa Bolsa. Essa é a verdade. Graças à estapafúrdia nova matriz econômica, simplesmente não fomos convidados pra festa. Na minha adaptação da “Farsa de Inês Pereira”, mais vale burro que me leve do que Asno (Augustin) que me derrube.

Sendo estritamente pragmático, e seguindo a amoralidade (o que é diferente de imoralidade) do capital, o Brasil não precisa dar certo. Ele só precisa dar um pouco certo. Se o mundo é uma grande bolha (por razões materiais, diga-se), somos uma espécie de ilha em que o apreçamento ainda é razoável, por fatores de risco evidentes. Se eles forem endereçados mesmo marginalmente, voltaremos a ter um sobreapreçamento de Brasil. A idade mínima para a Previdência não resolve todo o problema, é claro. Talvez até piore certas distorções distributivas se for feita isoladamente, mas pode ser suficiente para atrair o capital externo. E isso nos bastaria pelos próximos meses. Então, precisaríamos de um novo sonho, possivelmente representado por um candidato reformista, liberal e que exponha desde o início como os problemas com a falácia de que o dinheiro da viúva não tem dono.

Pra mim, essa é hoje uma pauta da sociedade, não de um governo. Veja que, sendo verdadeira a hipótese, toda a discussão hoje dos jornais, centradas na denúncia de Janot a Temer, perde sentido. Hoje no mercado não há sequer convicção se a permanência de Michel Temer é boa ou ruim para os ativos de risco. Assim, a coisa deixa de ser relevante. Não é mais um fato. Pessoalmente, sempre prefiro um fim terrível a um terror sem fim. O ponto nevrálgico, porém, é que não parece haver mais nada a temer (sem trocadilhos) no noticiário. Uma nova notícia negativa ao governo pode ser a catálise para a solução dos problemas. Daí pergunto: qual o downside?

Administrações passam, o Estado fica. O nível do debate hoje é infinitamente superior ao que fora há dois anos – recebo com grande entusiasmo a notícia ventilada na imprensa de que Salim Mattar considera a candidatura ao governo de Minas; não é surpreendente e estimulante que um empresário com essa história, assumidamente liberal, venha a ser governador?

Se o cenário promissor se concretizar, aí sim teremos uma bolha clássica no Brasil, quando realmente precisaremos nos preocupar com um grande estouro. Antes, porém, teríamos a oportunidade de sair acima dos 100 mil pontos, para possivelmente voltar a comprar depois na casa dos 50 mil.

É natural, faz parte da dinâmica da coisa. Como no filme de Hector Babenco, desenvolve-se uma improvável amizade entre você e a Bolsa, que vai envenenando-o atrás de uma posterior revelação futura.

Você vai encontrar a construção na literatura sob os ciclos de “boom and bust” de George Soros, sob o argumento de que a estabilidade gera instabilidade de Hyman Minsky, para culminar numa grande explosão, sob os estudos de bolhas especulativas de John Galbraith, sob as críticas da Escola Austríaca aos problemas criados pelo excesso de intervenção estatal via estímulos monetários ou mesmo sob papers de diretores do Fed investigando se os Bancos Centrais devem ou não preocupar-se com preço dos ativos.

A própria Janet Yellen falou sobre o tema ontem, afirmando que os múltiplos dos ativos parecem valiosos, evidenciando esse flerte da autoridade monetária com o nível dos mercados. Ainda que a vigilância não engendre imediata ação pragmática, você percebe ali um olhar de certa preocupação para que se evitem excessos.

Mário Draghi, por sua vez, também tem sido um pouco mais duro com as palavras, sinalizando redução iminente dos estímulos monetários na Europa. Ele volta a fortalecer o euro hoje e inibir um maior otimismo das Bolsas por lá.

Os discursos dos banqueiros centrais dividem espaço com uma tentativa de recuperação das ações internacionais. Ainda que o setor de tecnologia norte-americano volte a cair hoje, futuros de Wall Street pendem ao positivo, empurrados por alguma força compradora depois do tombo da véspera.

Agenda brasileira traz nota de crédito do Banco Central e fluxo cambial semanal. Atenções redobradas para votação da reforma trabalhista na CCJ do Senado, com ampla expectativa de aprovação (a julgar pelo resultado da CAS, não quer dizer muita coisa). Segundo os jornais, o governo estudaa volta da CIDE. Nos EUA, saem estoques de petróleo e vendas de casas pendentes.

Ibovespa Futuro abre em leve alta de 0,3 por cento, dólar cai 0,15 contra o real e juros futuros voltam a subir ainda com preocupações de cunho fiscal – principal temor é de que fatiamento da denúncia a Michel Temer impeça votação da Previdência neste ano.

Recado de hoje:

Vale muito a pena ler o excelente livro da Marília, explicando tudo sobre as melhores estratégias em Renda Fixa. Está imperdível.