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O Brasil não é para amadores: desafiando a teoria, renda fixa tem maior rendimento que o Ibovespa no longo prazo

Historicamente, CDI rende melhor que os principais índices da Bolsa brasileira, quando o normal seria o contrário; por que isso acontece?

Por Equipe Empiricus

10 de março de 2023, 16:53

B3 Bolsa de valores
Imagem: Reprodução

No mercado financeiro, alguns conceitos são, ou pelo menos deveriam ser, claros. Um dos principais, é que o potencial de retorno de um ativo está atrelado ao risco: quanto mais arriscado é o investimento, maior deveria ser seu retorno. E vice-versa.

Mas o que acontece no Brasil, e desafia a literatura econômica, é o contrário: historicamente, a renda fixa tem uma performance relativa melhor que a Bolsa (aqui representada pelo Ibovespa). Ou seja, os ativos de menor risco têm um rendimento no longo prazo maior que os ativos mais arrojados. 

Foi justamente sobre este tema que o fundador e estrategista-chefe da Empiricus, Felipe Miranda, se debruçou no último relatório da série Palavra do Estrategista

Para exemplificar em números, em janeiro de 2020 o Ibovespa marcava 120 mil pontos. Pouco mais de três anos depois, o principal índice da Bolsa brasileira marca atualmente 105 mil pontos. É claro que é um horizonte curto de tempo e houve uma pandemia no meio do caminho.

Mas, como lembra Felipe, pegando um espaço maior de tempo, o resultado é o mesmo. Nos primeiros meses de Empiricus, em novembro de 2009, o Ibovespa marcava 65 mil pontos. Hoje, 13,5 anos depois, registra um retorno de 60%. 

É uma “derrota expressiva frente ao CDI, à poupança e até mesmo à inflação”, aponta Felipe.

Por que a Bolsa deveria render mais que a renda fixa? 

Bom, primeiro é importante entender os motivos pelos quais os ativos de renda variável deveriam render mais que a renda fixa no longo prazo. Como explica Felipe, essa é a lógica do apreçamento por arbitragem.

“Em não sendo o caso, se o ativo de mais risco paga menos, todos o abandonam. Assim, seu preço cai e seu retorno potencial aumenta. A distorção é eliminada no longo prazo. Essa é a essência do chamado Equity Risk Premium, ou Prêmio de Risco de Mercado. Ferir esse princípio significa um mercado ineficiente ou disfuncional”, explica.

É importante frisar que esse comportamento, tal qual sugere a teoria, é visto na prática lá fora, principalmente nos países desenvolvidos. “O Brasil é exceção, pois os dados sugerem um Prêmio de Risco de Mercado Negativo”, afirma Felipe.

E o que explica a disfuncionalidade da Bolsa brasileira?

Não existe resposta fácil para a questão. Como lembra Felipe, “o tal Equity Risk Premium ainda é um puzzle em aberto mesmo na academia. Mesmo que ele possa ser identificado como positivo na média da maior parte dos mercados, não há modelo bem definido para descrever seu comportamento”.

Sendo assim, é difícil determinar os fatores de influência e de que forma eles impactam. Ainda assim, o estrategista-chefe da Empiricus fez um exercício para tentar entender os “porquês” dessa discrepância.

Uma das causas, pode ser a possibilidade de os índices brasileiros, como o Ibovespa, representarem mal o comportamento das ações locais.

Mas ainda assim, ao fazer a comparação com outros índices, como o SMLL, a constatação é a mesma.

Outro possível elemento é o fato de que as taxas de juros praticadas no Brasil sempre foram muito altas. 

“Se você tem um juro básico de 13,75% mais um spread pelo risco corporativo para sua dívida empresarial, a margem bruta da respectiva companhia precisará rodar em torno de 40% para essa empresa ser viável. Quantas empresas oferecem a capacidade de rodar com esse nível de rentabilidade?”, pergunta.

Com as altas taxas de juros, o ambiente corporativo é prejudicado pelo patamar elevado das despesas que dificultam o desempenho da livre competição. Na visão de Felipe, sobrariam “meia dúzia de empresas capazes de ter esse nível de margem”.

Além disso, a alta inflação (que não é preciso dizer o quanto é comum em terras tupiniquins) corrói o poder de compra da população, que bate no consumo e, em seguida, na receita das empresas.

Brasil: um país de monopólios?

Para o estrategista-chefe da Empiricus, o Brasil virou o país dos monopólios e dos oligopólios, que além dos diferenciais competitivos, é diferenciado por favores concedidos nas relações entre empresas e governos – nem sempre de maneira republicana.

“No fundo, o empresário está pendurado em uma série de favores, subsídios, ajudas não-isonômicas. Em muitos casos, vale mais a pena investir numa ida a Brasília do que em um novo processo em prol de aumento da produtividade”, aponta Felipe.

Na opinião do analista, em um capitalismo disfuncional, com rupturas em três elementos chaves – direito à propriedade privada, respeito aos contratos e sinalizações do sistema de preço – seria “razoável supor que seu mercado de capitais e, de algum modo, suas empresas também serão disfuncionais”.

Ainda na visão de Felipe, dois outros pontos são dignos de nota: ao contrário do que ocorre em economias desenvolvidas, os ciclos de mercado na América Latina são altamente sensíveis à alternância de governos de espectros diferentes.

“A era Dilma e sua nova matriz econômica foram trágicas para as ações brasileiras. Então, vivemos o governo Temer, pró-mercado, reformista e de matiz liberal, em que o Ibovespa avançou de 40 mil para 120 mil pontos basicamente. Bolsonaro ia pelo mesmo caminho no início de seu governo, até ter sido atropelado pela pandemia, o que forçou o abandono do liberalismo de Paulo Guedes em direção às políticas keynesianas. Lula volta e, ao menos até agora, parece querer reviver Dilma”, analisa. 

Sendo assim, é difícil manter ciclos empresariais longevos e duradouros com o ambiente macroeconômico em constante movimento. “Quem vai fazer uma nova fábrica no governo de Fulano a colher os frutos na administração de Beltrano? Sobra criatividade a cada novo governo e faltam estadistas”, questiona Felipe. 

O lugar onde eventos raros são corriqueiros

O segundo ponto que Felipe Miranda vê como importante é o comportamento dos prêmios de risco. Ele cita o economista norte-americano Robert Barro, que identifica uma relação entre a presença de eventos raros numa série financeira e o prêmio de risco cobrado para se estar no respectivo ativo. 

Sendo assim, quanto mais surpresas – que seriam os eventos raros – um determinado ativo ou mercado oferece, mais prêmio será exigido para comprá-lo. Ou seja, mais barato ele deveria ficar. 

No Brasil, se tem algo que acontece com frequência são justamente os eventos “raros”. Desde o início do ano tivemos, só para citar alguns, invasão aos três poderes, rombo histórico na Americanas, embates entre o presidente da República e o Banco Central e, agora, entra em cena um problema real no mercado de crédito brasileiro.

“Quando você traz o risco de eventos raros, de cauda e de ruptura à mesa, a coisa muda de figura. O investidor passa a exigir muito mais prêmio porque, em outras palavras, ele perde a capacidade de fazer conta. Nem se sabe o quão ruim pode ser o pior cenário”, avalia.

Estes fatores podem ajudar a explicar o motivo pelo qual a Bolsa brasileira está tão barata. 

O Ibovespa negocia perto de 6x lucros e, como o analista já disse em outros momentos, apenas na crise do subprime, em 2008, na grande recessão da era Dilma, em 2015, na greve dos caminhoneiros, em 2018, e no ápice da crise de Covid foi possível identificar ações tão baratas. O upside é real e tem tudo para se materializar.

Na física, temos a força elástica, em que objetos dotados de elasticidade tem a tendência de retornar ao seu estado original. O Ibovespa está como uma mola comprimida. Será que o Brasil consegue também desafiar as leis da física? 

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