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Saiba mais sobre as ‘três guerras’ que representam o maior risco para os mercados em 2024, o ano da geopolítica

Com a melhora do ambiente econômico e financeiro, o maior risco para 2024 vem da geopolítica. Entenda como o mercado pode ser impactado.

Por Matheus Spiess

24 jan 2024, 15:59 - atualizado em 24 jan 2024, 16:11

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2024, o ano da geopolítica. Imagem: Freepik

Ao avaliar 2024 sob uma perspectiva macroeconômica e sistêmica, dois elementos principais se destacam. Primeiramente, a tendência global de redução das taxas de juros aponta para uma melhoria geral no ambiente econômico e financeiro. Esta evolução está intrinsecamente ligada a dois riscos significativos no panorama internacional:

  • i) o possível entrave na tendência de desinflação, que poderia atrasar ainda mais a flexibilização da política monetária das principais economias; e
  • ii) a probabilidade de que a redução dos juros seja uma resposta a uma recessão mais severa do que a prevista, especialmente nos Estados Unidos, embora isso pareça pouco provável no momento, dadas as condições atuais.

O segundo elemento chave está relacionado aos desafios geopolíticos. Segundo análises da consultoria Eurasia, 2024 é descrito como “o ano das três guerras”: o conflito entre Rússia e Ucrânia, Israel contra Hamas com potencial de extensão para outras áreas do Oriente Médio e regiões adjacentes (como Líbano, Síria, Iraque, Iêmen, Irã e Paquistão), além das tensões internas nos EUA, exacerbadas pelas eleições que prometem ser divisivas.

Vamos agora explorar mais profundamente cada um desses aspectos.

A Ucrânia continua em guerra, caso tenha se esquecido

No panorama internacional, o conflito na Ucrânia segue acontecendo, embora não com a mesma repercussão que já teve. Há um ano, a situação era de que a Rússia dominava em torno de um quinto do território ucraniano, enfrentando uma resistência ucraniana empenhada, porém com dificuldades para repelir completamente os militares russos. Agora, um ano depois, pouca evolução se percebe no campo de batalha, sendo que as poucas alterações que ocorreram parecem ter intensificado a situação.

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Fontes: Institute for the Study of War, AEI’s Critical Threats Project e Harvard Kennedy School

No último ano, Vladimir Putin solidificou suas ameaças, descartando um acordo sob a égide da ONU que assegurava a exportação de grãos ucranianos através do Mar Negro. Paralelamente, o aumento no preço do petróleo incentivou a Rússia a intensificar a produção de mísseis e munições, excedendo os níveis pré-guerra. Enquanto isso, a Coreia do Norte aumentou o envio de suprimentos para Moscou e o Irã prosseguiu no fornecimento de drones. Apesar das pressões exercidas pela OTAN, Putin ganhou vantagem estratégica, reforçada por uma tentativa de revolta fracassada durante o ano.

Há incertezas sobre a continuidade do apoio crucial dos EUA e da Europa a Kiev. Nos Estados Unidos, o partido republicano, e mais notavelmente sob a influência de Donald Trump, mostra hesitação em continuar o suporte financeiro e militar à Ucrânia, uma tendência que pode se agravar caso Trump seja novamente indicado pelo partido. No campo de batalha, a contraofensiva da Ucrânia resultou em um avanço modesto, mudando a linha de frente em menos de 25 km e estabilizando-se atualmente. O presidente ucraniano Zelensky enfrenta desafios substanciais à frente, levando a prognósticos de que a Ucrânia poderá se ver incapaz de retomar integralmente seus territórios.

Por conta dos impactos econômicos negativos das sanções e do fortalecimento da OTAN, incluindo a recente adesão da Finlândia e da Suécia, a Rússia ainda não se pode considerar vitoriosa. Contudo, o cenário de 2024 aponta para a possibilidade de uma divisão formal da Ucrânia, marcando uma ruptura nas fronteiras estabelecidas no pós-Segunda Guerra Mundial.

Dançando à beira do vulcão: escalada no Oriente Médio

A realidade de que o conflito no Oriente Médio possa se estender além das disputas atuais entre Israel e o Hamas é uma preocupação real. Os atentados terroristas ocorridos em 7 de outubro marcaram o fim de um período de calmaria na região, desencadeando um aumento das hostilidades cujo desfecho ainda é incerto.

A crescente tensão em Gaza, o centro atual desses confrontos, pode muito bem ser o prelúdio de um confronto mais generalizado que se desenrole ao longo do ano (e dos próximos). Independentemente dos desdobramentos militares imediatos, é esperado que tais acontecimentos intensifiquem a radicalização e o extremismo na região, alimentando um ciclo de violência mais profundo e arraigado.

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Fonte: NYT

Para agravar a situação, os rebeldes Houthi, apoiados pelo Irã e operando a partir do Iêmen, começaram a atacar navios comerciais na região do Mar Vermelho em novembro, uma ação de retaliação ao conflito entre Israel e o Hamas.

Essa área, que normalmente abriga cerca de 15% do comércio marítimo global, incluindo 8% do comércio de gás natural liquefeito, agora é uma zona de risco. Grandes empresas de transporte marítimo estão desviando suas rotas, circunavegando a África para evitar o perigo, resultando em aumento nos custos de transporte e nos preços do petróleo.

Os Estados Unidos, comprometidos com a segurança dessa rota crucial, responderam com um ultimato aos Houthi, exacerbando as tensões no transporte marítimo global.

No entanto, o impacto nos mercados de commodities foi mais limitado do que se poderia esperar. Os preços do petróleo não subiram tanto quanto se antecipava, refletindo a influência de fatores mais abrangentes, como a redução da demanda da China e o desaquecimento econômico dos países desenvolvidos.

Ainda assim, é notável como as rotas marítimas comerciais estão sendo desafiadas por conflitos armados e mudanças climáticas, afetando diretamente o PIB global. Estreitos e canais, como o Estreito de Malaca, Canal de Suez, Canal do Panamá e Mar da China Meridional, são vitais para o comércio global. O Mar Vermelho, especialmente devido à sua conexão com o Canal de Suez, é um desses pontos críticos cujo bloqueio pode causar grandes transtornos.

Esses pontos de estrangulamento têm implicações diretas nas expectativas de inflação e nas taxas de juros, afetando os ativos de risco. E isso sem considerar as tensões adicionais no Oriente Médio, como a influência do Hezbollah no Líbano e as crescentes tensões entre Irã e Paquistão.

Neste contexto, o petróleo surge como um hedge potencial. Apesar da aparente sobreoferta e da expectativa baixista, uma restrição significativa na produção do Oriente Médio pode surpreender o mercado.

Com um grande volume de posições vendidas, um aumento súbito nos preços do petróleo pode dificultar a desinflação global, limitando a queda nas taxas de juros e impactando negativamente os mercados acionários. Neste caso, investir em ações de petroleiras brasileiras pode ser uma boa estratégia.

O ouro, embora não esteja barato historicamente, continua sendo um seguro clássico em tempos de tensões políticas intensas, especialmente se a liderança global dos EUA for questionada.

O principal evento geopolítico de 2024: as eleições americanas

Atualmente, o cenário geopolítico mundial é extremamente intrincado, marcado por múltiplos riscos e incertezas. Este cenário complexo ressoa com as ideias de Ray Dalio, fundador da Bridgewater, sobre o possível declínio do poderio americano. A disputa intensa e fraturada entre republicanos e democratas, evidente nas próximas eleições presidenciais dos EUA, exemplifica esse declínio. Ademais, os desafios militares dos EUA em manter sua presença global, juntamente com uma situação fiscal problemática, parecem configurar uma situação explosiva e sem precedentes.

A possibilidade de Donald Trump retornar à presidência complica ainda mais esse panorama. Na recente primária de New Hampshire, Trump saiu vitorioso, seguindo a tendência histórica de que os republicanos que ganham em Iowa e New Hampshire geralmente se tornam os candidatos oficiais do partido. Embora Nikki Haley tenha apresentado um desempenho surpreendente nas últimas semanas, não foi suficiente para superá-lo.

Portanto, a menos que ocorra alguma intervenção judicial antes da Super Terça de marça, semelhante aos eventos no Colorado, onde Trump foi declarado inelegível, tudo indica que as eleições presidenciais serão uma repetição do confronto entre Trump e Biden, provavelmente ainda mais polarizado do que antes.

Nesse contexto, Biden, apesar de ser o atual presidente, enfrenta a desvantagem de sua impopularidade. Essa situação é em parte resultado das decisões dos democratas de mantê-lo como candidato, apesar de sua baixa taxa de aprovação, que está abaixo de 40%, e das constantes dúvidas sobre sua capacidade física. Considerando o ambiente político atual, Biden, já na casa dos oitenta anos, parece ter cada vez menos chances de se manter no poder.

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Fonte: FiveThirtyEight

O ano de 2024 se destaca pela predominância de um pessimismo exacerbado entre os analistas geopolíticos, algo inédito até então. Essa visão generalizada de negatividade pode, paradoxalmente, indicar que, dado o consenso sobre as perspectivas sombrias, os acontecimentos adversos podem não se concretizar como esperado. No entanto, é notável o quão difundido está esse sentimento de desalento entre os especialistas.

De fato, o panorama mundial atual apresenta-se como atípico e carregado de incertezas. As previsões das casas de apostas já sinalizam uma inclinação favorável para a candidatura de Donald Trump, apontando para uma eleição acirrada e potencialmente decisiva. Esta disputa eleitoral nos Estados Unidos promete ser uma das mais competitivas dos tempos recentes, com implicações profundas e abrangentes para a política internacional e o equilíbrio geopolítico global.

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Fontes: BCA Research e Predictit

Se Donald Trump retornar à presidência dos Estados Unidos, emergem incertezas significativas quanto à sua abordagem política, especialmente no que tange a possíveis ações revanchistas. Essa perspectiva obriga os mercados financeiros a se prepararem para potenciais mudanças radicais na política americana.

Uma das repercussões mais iminentes de uma reeleição de Trump seria nas políticas fiscais e monetárias. É provável que ele implemente novos cortes de impostos em 2025, compensando-os com um aumento generalizado nos impostos de importação. Tal medida pode elevar o valor do dólar em escala global e pressionar as taxas de juros para cima.

Apesar desses desafios internos e da complexidade do cenário geopolítico atual, os Estados Unidos persistem como a principal superpotência mundial. No entanto, essa liderança enfrenta obstáculos crescentes em um ambiente global cada vez mais complicado e hostil.

Nos próximos anos, espera-se que os EUA continuem a desempenhar um papel significativo no palco mundial, mas em um contexto internacional que exige adaptação estratégica a novas realidades políticas e econômicas.

A competência do próximo presidente americano para assumir esse papel multifacetado será determinante. Será essencial equilibrar a diplomacia, o poder econômico e a liderança estratégica, atendendo às expectativas do povo americano e garantindo a estabilidade mundial. O sucesso do próximo líder em atender a esses requisitos complexos e desafiadores será fundamental para o futuro dos EUA e seu papel como líder global.

Mais eleições ao redor do mundo

O ano de 2024 se destaca como um marco eleitoral de grande importância, abarcando uma série de eleições regionais, legislativas e presidenciais em diversas partes do mundo. Estas eleições, antes vistas como riscos potenciais para investimentos, assumem um papel central agora, dada a sua capacidade de influenciar e potencialmente modificar as tensões geopolíticas existentes.

Este ano, aproximadamente 40 eleições estão programadas, impactando cerca de 41% da população global (3,2 bilhões de pessoas) e representando 42% do PIB mundial (US$ 44,2 trilhões). Países como Índia, México, Indonésia, Paquistão e Reino Unido estão no epicentro desses eventos, além dos já mencionados Estados Unidos.

As eleições em Taiwan, em particular, causaram apreensão nos mercados, mas resultaram na vitória de Lai Ching-te do Partido Democrático Progressista, apesar de o partido não ter conquistado a maioria no Congresso. A vitória de Lai, conhecido como William Lai no Ocidente, apesar de sua postura menos favorável à China continental, parece abrir caminho para a redução das tensões na região.

Curiosamente, o presidente eleito e atual vice-presidente de Taiwan venceu com apenas 40% dos votos, o menor percentual desde 2000, sugerindo uma preferência pelo “status quo” e um cenário favorável para as relações complexas entre Taiwan, China e EUA.

Com o equilíbrio de poder dividido entre o executivo e o legislativo, mudanças políticas drásticas parecem improváveis, o que pode atenuar o risco de escaladas nas tensões sino-americanas. Resta a incógnita sobre possíveis movimentos chineses de unificação no futuro.

Na Ásia, Índia vai às urnas em abril e maio, enquanto na Europa, o Reino Unido se prepara para eleições significativas. Outras nações como Ucrânia e Israel podem enfrentar adiamentos eleitorais devido a crises internas, como as guerras.

No México, um processo eleitoral importante está previsto, e até mesmo a Venezuela, apesar da questionável confiabilidade de seus resultados eleitorais, como também ocorre na Rússia, realizará eleições. No Brasil, as eleições municipais estão delineando um novo cenário político.

O ano de 2024, portanto, promete ser um período político repleto de eventos, com consequências globais de grande alcance.

Como o Brasil se posiciona nessa dinâmica de conflitos gepolíticos?

O Brasil, no atual cenário internacional, emerge como um participante estratégico de destaque, oferecendo perspectivas positivas no contexto dos investimentos globais. Essa relevância se manifesta especialmente na tendência do nearshoring, onde o Brasil se torna cada vez mais atraente para investidores internacionais. A crescente presença de empresas chinesas de renome, como BYD e Shein, evidencia a importância econômica do Brasil no palco mundial.

Paralelamente, a cooperação energética com a China reforça o papel do Brasil como uma força emergente no setor de energia sustentável. Esta posição é complementada pela capacidade única do Brasil de manter uma postura neutra, facilitando o diálogo com as nações envolvidas na denominada Segunda Guerra Fria. A conjunção desses fatores posiciona o Brasil não apenas como um destino atrativo para investimentos, mas também como um interlocutor valioso em questões globais.

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Fonte: WHG

O Brasil, com sua riqueza em commodities, se destaca como uma potência no setor do agronegócio, sendo um dos maiores produtores de minério de ferro e soja do mundo. Além disso, o país está no caminho para se tornar o quinto maior produtor de petróleo até 2030. Esta diversidade de recursos naturais não apenas fortalece a posição econômica do Brasil, mas também abre portas para um significativo desenvolvimento futuro.

No aspecto financeiro, a atual tendência de queda nas taxas de juros cria um cenário favorável para investimentos em ativos de maior risco. Esse contexto remete ao período entre 2016 e 2019, quando o Brasil viu um crescimento expressivo em seu mercado de ações impulsionado por juros mais baixos. Esse ambiente é propício para a atração de investimentos estrangeiros, especialmente em um cenário global onde mercados emergentes, excluindo a China, estão ganhando mais atenção.

Ademais, com um superávit comercial aproximando-se dos US$ 100 bilhões, o Brasil possui uma situação confortável em termos de contas externas. Essa entrada de capital externo tem o potencial de aliviar a pressão fiscal e viabilizar programas sociais, ecoando a prosperidade vivenciada no ciclo de 2003 a 2007, embora em uma escala mais moderada.

Portanto, dadas as atuais condições econômicas e a tendência de continuação desse cenário, o “Kit Brasil”, composto por uma variedade de ativos do mercado brasileiro, surge como uma opção atrativa. Investidores que buscam diversificar suas carteiras podem encontrar no Brasil uma oportunidade de capitalizar em um mercado emergente com grande potencial de crescimento.

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.