Investimentos

Tony Gorducho, muito prazer

Uma única volta no quarteirão com Fat Tony e você se sentiria muito mais informado sobre o mundo apenas por uma rápida conversa.

Por Felipe Miranda

24 abr 2017, 10:19

Pronto. Agora que a Dynamo citou o Taleb em sua carta aos cotistas estão todos formalmente autorizados a gostar do sujeito. Não ouse transgredir uma das regras fundamentais dos investidores e gestores de ações brasileiros. Não vale pensar de forma original. Precisamos esperar o que o líder tem a dizer. Então, podemos segui-lo, como ovelhas bem comportadas. Com a benção da gestora fluminense, Nassim passa a ser lido nas mesas de operações e citado nos almoços do Rascal, mesmo por aqueles que não o entendem (a maioria). “Pra mim, o próximo cisne negro será…”

Guardadas as devidas proporções, é o que acontece com juro e câmbio a partir das opiniões de Luis Stuhlberger. Se ele está lá nas Bs 20 (ou por ai), vamos todos nos concentrar em torno desse vértice. Sabe como é: livrai-nos do mal de acertar sozinho; preferimos errar com todo mundo.

Com efeito, a carta da Dynamo é sempre um conteúdo interessante. A mais recente, em particular, está especialmente útil para a construção de um método de análise. Se você sobreviver ao papo diletante inicial, encontrará excelentes insights sobre filosofia de investimento, com direito a uma boa iniciação em Karl Popper, problema da indução e, claro, pitadas de Nassim Taleb.

Se vamos mesmo entrar na convivência pacífica com Taleb, deixe-me hoje apresentar-lhe dois de seus amigos. Você certamente vai encontrá-los por ai em suas andanças pelo mercado financeiro, estereotipicamente. Seus apelidos são Fat Tony, conhecido no Brasil como Tony Gorducho, e Dr John.

Fat Tony recebeu o apelido por razões óbvias. A forma de seu corpo faz com que qualquer coisa que vista lhe caia mal. Tem mãos grossas, dedos peludos, e usa uma corrente de ouro no pulso. Alguns de seus amigos lhe chamam de Brooklyn Tony, por conta de seu sotaque e do jeito de pensar típico deste bairro de NY, aquela inteligência de rua, a esperteza típica dos que tiveram de se virar na vida, dos self made. Seu grande insight na vida foi perceber que empregados de bancos que lhe vendem uma casa que não é deles simplesmente não se importam tanto quanto os proprietários. Tony tem o hábito notável de ganhar dinheiro sem esforço, só por diversão, sem desgate, sem burocracia e, mais importante, sem reuniões corporativas. Seu lema de vida é “descobrir quem é o trouxa”. Ele é o que Taleb, criador da personagem, chama de “não nerd bem sucedido”. Uma única volta no quarteirão com Fat Tony e você se sentiria muito mais informado sobre o mundo apenas por uma rápida conversa.

Seu antagonista é Dr. John, um ex-engenheiro que trabalha como atuário em uma companhia de seguros. Magro, rijo, de óculos e paletó escuro. Dr. John é um mestre de agenda, a que obedece com disciplina espartana, tão previsível quanto um relógio. Lê os originais calma e diligentemente no trem de Nova Jersey para Manhattan, dobra-o com carinho para continuar a leitura na hora do almoço. Trata-se de um exemplo de dedicação, ponderação e gentileza. Possui um doutorado em engenharia elétrica pela Universidade do Texas e, sendo um grande conhecedor de estatística e computadores, foi contrato por uma companhia de seguros para fazer simulações de cálculos atuariais, sendo um expert em gerenciamento de riscos.

Obviamente, os dois não se encontram muito por ai. Mas Nassim Taleb teve a oportunidade, metaforicamente, é claro, de fazer um exercício com eles. Foi assim:

Taleb: Presuma que uma moeda é honesta, ou seja, possui chances iguais de dar cara ou coroa quando jogada. Jogo a moeda 99 vezes e em todas o resultado é cara. Quais as chances de tirar coroa da próxima vez?

Dr. John: Esta é uma pergunta trivial. Meio a meio, é claro, já que você está pressupondo que há 50 por cento de chance para cada opção e independência entre as jogadas.

Taleb: O que você me diz, Tony?

Fat Tony: Eu diria que não mais de 1 por cento, é claro.

Taleb: Por quê? Passei-lhe a premissa inicial de uma moeda honesta, o que significa que há 50 por cento de chance para cada resultado.

Fat Tony: Ou você está falando besteira ou é um grande trouxa por acreditar nessa historinha de 50 por cento. A moeda deve estar viciada. Não é possível que seja um jogo honesto. (Tradução: é muito mais provável que suas premissas sobre a honestidade da moeda estejam erradas do que a moeda dar 99 caras em 99 jogadas).

Taleb: Mas Dr. John disse 50 por cento.

Fat Tony (sussurrando ao ouvido de Taleb): Conheço esses caras que são como exemplos de nerd da época em que trabalhei no banco. Eles pensam devagar demais. E são commoditizados demais. Podemos enganá-los facilmente. Eles pensam completamente dentro dos padrões e acham isso um diferencial. São absolutamente platônicos e fingem-se de científicos. A incerteza do mundo real é muito diferente daquelas dos exames e dos jogos.

Lembrei-me do Dr. John com o resultado do primeiro turno da eleição francesa. Às vésperas do pleito, estavam todos os doutores recomendando “cautela” com pleito. “Ninguém deve assumir posições de risco agora.” Qual o resultado? Um grande rali no início dos negócios desta segunda-feira, com as bolsas globais em sua maior valorização do mês, num amplo gap de abertura.

Depois dos resultados das eleições nos EUA, do referendo na Colômbia e do Brexit, agora o maior clichê virou dizer que os institutos de pesquisa erram seus prognósticos. O que antes era uma visão outsider agora virou completamente consensual, pasteurizado. E o pior: a reprodução deste argumento, hoje completamente absorvido pelo mainstream, é feita sob a roupagem de um raciocínio absolutamente original e contra o consenso. Não é! Aliás, ao contrário. Por mais paradoxal que possa parecer, não há nada mais consensual hoje do que falar mal das pesquisas de consenso.

O fato dos institutos de pesquisa terem errado no passado não significa que suas predições agora representem o contrário do que realmente irá acontecer no futuro. Não haver correlação é muito diferente de haver correlação negativa. Quando se fala que os institutos de pesquisa não são bons estimadores para os reais resultados de fenômenos sociais – de fato, não são -, não significa que sejam previsores do que não vai acontecer.

Com otimismo em torno da eleição francesa, mercados registram forte alta no início das negociações. Temor inicial de que pudessem ir ao segundo turno dois candidatos extremistas não se verificou. Derrota fragorosa para a esquerda tradicional também dissipa maiores desconfortos. Mais do que isso, porém, é crescente a percepção de que, apoiado pelos candidatos que não foram ao segundo turno, Macron, o candidato favorito dos mercados e líder na votação de ontem, deve sair vitorioso do pleito. Haveria uma ampla vantagem para ele nas intenções de voto.

Evidentemente, só o tempo dirá e é sempre bom evitar comemorações prematuras. Só pode gritar gol depois que a bola entra. Mas parece improvável que a candidata mais extremista leva a maior parte dos votos daqueles que não passaram ao segundo turno. A rejeição tende a ser alta àqueles que situam-se na cauda da distribuição e isso conta muito agora.

Além do otimismo em torno das eleições francesas, possibilidade de adoção de amplo programa de corte de impostos nos EUA ajuda no clima favorável. Donald Trump prometeu maior redução de impostos já vista. Ainda que precisemos de mais ação e menos conversa, o caráter incisivo da promessa desperta disposição a risco.

Por aqui, destaque para declarações no final de semana de que governo não pretende ceder adicionalmente na reforma da Previdência, o que pode ser visto como boa notícia, muito embora ainda não haja garantia plena de aprovação.

Agenda doméstica trouxe nova revisão para baixo nas projeções do relatório Focus para inflação, tanto em 2017 quanto em 2018. Na mediana, espera-se alta de 4,04 por cento para o IPCA deste ano (mais sobre isso na nota da Marília abaixo). IPC-S, relatório da dívida pública e balança comercial semanal completam as referências da segunda-feira.

Nos EUA, temos atividade nas regiões de Chicago e de Dallas. Alemanha apresenta sentimento das empresas. Na China, bolsas caíram de maneira pronunciada, com expectativa crescente por aumento da regulação para evitar especulação financeira – embora ruim, notícia não chegou a abalar o humor global.

Ibovespa Futuro abre em alta de 1,6 por cento, dólar cai 0,8 por cento contra o real e juros futuros cedem.

Iniciamos a semana com um convite muito especial, válido apenas para esta segunda-feira, para inscrição no Clube Empiricus. Ele está fechado e novas adesões ocorrem somente por meio de convite. Temos poucas vagas e não há intenção de reabri-las novamente neste semestre.

Sobre o autor

Felipe Miranda

CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.

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