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Conheça Marcos Lisboa, liberal cujo nome foi ventilado para comandar a economia em um possível “Lula 3”

Defensor da abertura da economia e da agenda de reformas, economista compôs o primeiro mandato de Lula; segundo jornal, PT acredita que nome pode trazer “moderação” a sua candidatura

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Data de publicação
29 de março de 2021
Categoria
Personalidades

A anulação das condenações de Lula, por Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, colocou de vez o ex-presidente na corrida eleitoral de 2022. Em um de seus primeiros movimentos visando o pleito, o Partido dos Trabalhadores procurou Marcos Lisboa para tratar da possibilidade de o economista compor a candidatura.

Segundo informações do jornal O Globo, essa seria uma tentativa de “dar um perfil centrista a Lula”. Assim, o petista poderia abarcar setores moderados em sua candidatura. Além disso, Marcos Lisboa é um nome bem visto pelo mercado. O economista, que fez parte do Ministério da Fazenda no primeiro mandato do ex-presidente, é conhecido por ser defensor de pautas como abertura da economia, austeridade com contas públicas e agenda de reformas.

Nesse texto você confere a trajetória de Marcos Lisboa, se aprofunda em sua participação no Governo Federal (2003-2005) e entende quais são as principais ideias do liberal para a economia brasileira. A fim de facilitar sua leitura, o artigo está dividido em tópicos, pelos quais você pode navegar através dos links:

Quem é Marcos Lisboa?

Em 1964, ano que marcava o início da Ditadura Militar no Brasil, período marcado por amplo intervencionismo estatal na economia, nascia um liberal: Marcos Lisboa. Anos mais tarde, em 88, o carioca se graduava em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi também na UFRJ que concluiu seu mestrado, em 91.

Marcos Lisboa, então, alçou voo para os Estados Unidos. Na Universidade da Pensilvânia cursou seu doutorado, de 92 a 96. Nesse meio tempo venceu o 17º Prêmio BNDES de Economia com o livro “Preços de Produção, Método de Longo Prazo e Equilíbrio Geral: Uma Crítica à Teoria Neo-Ricardiana dos Preços Relativos”, publicado em 1995.

Marcos Lisboa acumula experiências entre o setor público e o privado (Foto: Miguel Ângelo/Fotos Públicas)

A carreira acadêmica do economista apenas começava. Ele lecionaria mais tarde na Universidade Federal Fluminense (UFF), na Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e no Departamento de Economia da Universidade de Stanford.

Antes de retornar ao setor público, para debater a participação de Lisboa no Governo Federal, é preciso citar sua experiência no campo privado. O carioca foi vice-presidente de Risco Operacional e Eficiência no banco Itaú Unibanco, diretor executivo no Unibanco e presidente do Instituto Brasil Resseguros. Atualmente, ele é presidente do Insper, uma instituição brasileira de ensino superior focada em negócios, economia, direito e engenharias. 

A participação de Lisboa no Governo Lula

Foram essas experiências no setor privado, por sinal, que fizeram o economista ter boa reputação no mercado financeiro. E não seria a primeira vez que o PT apostaria nessa relação para dar ares moderados a sua chapa. Em 2003, a escolha por Lisboa para liderar a Secretária de Política Econômica no Ministério da Fazenda, assim como a por Antonio Palocci para o comando geral da pasta e de Henrique Meirelles para o Banco Central, foi um claro recado ao mercado: “respeitaremos as regras do jogo”.

Henrique Meirelles, reconhecido por sua passagem no BankBoston, foi o escolhido de Lula para a presidência do Banco Central (Foto: Sergio Dutti/Fotos Públicas)

Tal recado foi cumprido à risca — pelo menos a princípio. O primeiro mandato de Lula manteve as principais diretrizes da gestão anterior (FHC), por exemplo o Tripé Macroeconômico. Naqueles anos o Brasil preservou ideias como a responsabilidade fiscal, o câmbio flutuante e as metas de inflação. Inclusive, admitindo altas taxas de juros para blindar essa última.

Marcos Lisboa permaneceu no governo de 2003 a 2005. Nesse período, o país apresentou considerável crescimento econômico. A média de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nesses três anos foi de 3,3%. Já a inflação caiu de 9,3%, em 2003, para 7,6%, em 2004, e 5,69%, em 2005. 

O desemprego, por sua vez, foi de 11,2%, no primeiro ano de Lisboa na pasta, para 8,4%, no último. Vale ressaltar, no entanto, que o economista deixou o Ministério da Fazenda em abril de 2005. Essa variável, assim como muitas outras, deve ser considerada ao atribuir qualquer crédito a Lisboa por esses resultados.

Um dos feitos marcantes de Lisboa no Ministério é relatado por ele mesmo em uma entrevista à Revista Piauí, em 2017. O carioca coordenou a elaboração, em 2003, de um documento que apresentava o conjunto de diretrizes da política econômica do governo. Dentre os temas abordados estavam pautas até hoje relevantes, como a concessão de autonomia para o Banco Central e a necessidade de uma reforma na previdência.

Contudo, o destaque daquela proposta ficou por conta de outro trecho. “Estava lá também, por fim, a proposta de concentrar os programas de transferência de renda nas famílias extremamente pobres – a ideia mestra do Bolsa Família, que ainda não havia sido criado”, conta Lisboa.

Após a saída do economista, o Ministério ainda preservaria por alguns anos as bases adotadas no início do mandato. Porém, principalmente a partir da crise de 2008, algumas ideias liberais perderiam espaço na política econômica do governo, dando lugar a uma maior intervenção estatal. O que levaria Marcos Lisboa a se tornar um crítico da gestão.

“No fim dos anos 1990 e começo dos anos 2000, o país experimentou um momento de crescimento com quebra da desigualdade e com uma economia aberta, que premiava a produtividade e não o acesso a Brasília. Colhemos bons frutos disso, mas infelizmente escolhemos outro rumo a partir de 2008/2009. Voltamos ao Brasil do passado, do período Geisel”, afirmou em entrevista ao InfoMoney, em 2016.

O que propõe Lisboa?

Em suas críticas aos governos petistas, Marcos Lisboa costuma focalizar a política fiscal. Segundo o economista, grande parte dos erros de Lula e Dilma se encontram nesse quesito. O economista deixa claro em seus pronunciamentos ser defensor de uma agenda robusta de reformas, que organize e diminua a dívida pública. 

Lisboa aponta, por exemplo, que o Brasil precisa de uma reforma administrativa capaz de “inibir o aumento orgânico do gasto público e diminuir o percentual das despesas obrigatórias no orçamento”. Em entrevista ao Poder 360, em 2019, comentou a necessidade:

“Inventamos um conceito descolado da realidade no Brasil, em que os servidores públicos têm direito adquirido. O empresário não tem direito a lucro adquirido, o servidor privado não tem direito adquirido ao emprego, ao salário. Se o país tem menos renda, a sociedade inteira perde lucro, salário. O servidor público não entra na conta? Essa fantasia do direito adquirido está quebrando o país”.

A reforma tributária é outra defendida por ele. A carga fiscal brasileira passou de 25% do PIB, em 1995, para 34%, em 2015. Lisboa comenta que a legislação tributária do país é “extremamente complexa e prejudica o ambiente de negócios”. A melhor solução para o problema — ainda de acordo com o economista — seria “a adoção de um sistema que inclua o modelo do Imposto de Valor Agregado (IVA)” .

Apesar de essas reformas fazerem parte da agenda do Governo Bolsonaro — assim como a, já aprovada, da previdência —, Lisboa não concorda com a condução da atual gestão. Ele aponta que as reformas propostas por Guedes “são muito tímidas e apenas garantem que as despesas vão aumentar em um ritmo mais lento, mas não fazem muito para reduzir os gastos”.

Apesar de apoiador da agenda, Lisboa critica as reformas enviadas por Guedes ao Congresso (Foto: Marcelo Camargo/Fotos Públicas)

Para além das reformas, o economista defende que o governo brasileiro deve trabalhar na melhoria da produtividade no país, com foco em marcos regulatórios e na ampliação da abertura comercial.

“[É necessário] abrir progressivamente a economia brasileira para que os diversos setores da indústria possam se integrar às cadeias globais de produção. Para que as empresas possam ter acesso a bens de capital mais eficientes produzidos no exterior, aumentando sua produtividade e estimulando a concorrência”, explica.

O economista ainda aponta a insegurança jurídica do Brasil como outro ponto a ser combatido. Segundo Lisboa, ela dificulta, principalmente, o desenvolvimento de grandes projetos de infraestrutura. “Nesse caso, deve-se buscar o fortalecimento das agências reguladoras e limites a intervenções em contratos”, afirma em entrevista à CCI França Brasil.

Visto esse conjunto de posicionamentos, é claro, o nome do economista poderia enfrentar resistência de uma ala “menos ortodoxa” do Partido dos Trabalhadores. Marcos Lisboa e Fernando Haddad — provável candidato do PT caso Lula não concorra em 2022 — se envolveram em um intenso debate em meados de 2017. Por meio de artigos publicados na Revista Piauí, os economistas discutiram exatamente os méritos da política econômica dos governos petistas.

Por outro lado, as bases de Lisboa esclarecem o porquê das especulações. O perfil do economista parece, de fato, capaz de atribuir ar “moderado” à possível candidatura petista e acenar positivamente ao mercado.  Na primeira vez em que essa estratégia foi utilizada, em 2002, o PT não só obteve sucesso em tranquilizar os investidores, como em alcançar o crescimento econômico. 20 anos mais tarde, a história se repete. Se o sucesso será o mesmo, só o tempo dirá.