Em 1892, o psicólogo americano William James escreveu que nossa vida não é nada além de uma massa de hábitos. Muitos anos depois, foi a vez do jornalista Charles Duhigg desvendar, através de entrevistas com cientistas e estudos de caso, o que está por trás dessa “massa” que regula nossa vida. Em “O Poder do Hábito”, descobrimos por que fazemos o que fazemos na vida e nos negócios.
Apesar de ter feito sucesso em meio ao “boom” de livros de autoajuda no Brasil, se assemelha mais a um livro reportagem, que esmiúça o que está por trás dos hábitos, de uma forma objetiva e, ao mesmo tempo, cativante. Duhigg usa sua experiência como jornalista do New York Times para criar um storytelling interessante, que foge da dureza dos livros científicos, ao mesmo tempo em que evita frases motivacionais em excesso ‒ uma característica comum em livros de autoajuda.
Mas ainda que não seja um livro de conselhos e dicas, é possível usar a principal ideia de “O Poder do Hábito” para fazer mudanças em sua rotina. Para produzir o livro, Duhigg fez cerca de 300 entrevistas com cientistas e executivos e dezenas de pesquisas dentro de empresas. A partir disso, ele conseguiu sintetizar o que, de fato, está por trás de um hábito.
Explicando de forma simples: o processo de criação de um hábito acontece em três etapas. O primeiro é chamado de deixa, que é o gatilho que faz com que seu cérebro entre em “modo automático”. Em seguida, vem a rotina, que pode ser física, mental ou emocional, e é a ação que você realiza logo após o gatilho. Por fim, você tem a recompensa, que sinaliza para seu cérebro que vale a pena continuar tendo aquela mesma atitude na próxima vez que se deparar com a deixa.
Segundo a ideia de Duhigg, um hábito é dificilmente quebrado, mas é possível alterar a rotina, ao identificar quais são as deixas e as recompensas. Fica mais fácil de entender quando pegamos um exemplo prático.
Imagine que uma pessoa tenha o hábito de sempre comer um doce no meio da tarde, o que está causando ganho de peso. Mas o que ela deseja de recompensa não é exatamente o açúcar e sim uma pausa no trabalho. O que ela pode fazer é se alongar ou sair ao ar livre, ao invés de comer o doce. O hábito não é exatamente quebrado, mas com a mudança da rotina, é possível ter a mesma recompensa e evitar algo indesejado pela pessoa (o ganho de peso).
“Transformar um hábito não é necessariamente fácil nem rápido. Nem sempre é simples. Mas é possível.” ‒ Trecho do livro “O Poder do Hábito”.
Um aspecto que deixa a obra mais “gostosa” de ser lida é o fato do autor nos apresentar cases de pessoas estudadas por cientistas. Um exemplo é o de Eugene, um senhor que sofreu um acidente que prejudicou profundamente sua memória (a ponto de ele não lembrar de coisas que tinham acontecido minutos antes), mas que ainda assim, manteve seu hábito de fazer o café da manhã.
Ou o de Lisa, uma mulher fumante, endividada e com vários outros problemas que, ao decidir parar de fumar, transformou sua vida completamente: correu uma maratona, conseguiu um emprego estável e pagou todas as dívidas.
Hábitos não se restringem a pessoas, eles também podem mudar empresas
Embora associemos os hábitos às atitudes individuais das pessoas, “O Poder do Hábito” mostra que é possível reconhecer essas rotinas regulares em empresas e organizações e até mesmo na sociedade como um todo. Por isso, Duhigg divide o livro em três partes para abordar essas três “esferas” dos hábitos: a pessoal, a organizacional e a social.
Para exemplificar o quanto os maus hábitos de uma empresa podem ser prejudiciais, o autor nos dá o exemplo da companhia de metrô de Londres. Em 1987, uma das estações mais movimentadas da cidade teve um incêndio que ocasionou a morte de mais de 30 pessoas. O motivo? Os funcionários perceberam pequenos focos de incêndio, que não foram reportados porque “não estavam sob responsabilidade” de ninguém. Uma organização que lida com milhares de pessoas diariamente não possuía enraizada em sua cultura a preocupação com a segurança dos passageiros.
Em contraponto, também conhecemos o case do Starbucks, que tem entre seus princípios a força de vontade, acompanhada de um treinamento eficiente e o incentivo à autodisciplina. No livro, acompanhamos a história de Travis, um “adolescente problema” com dificuldades de se manter em um emprego que se tornou gerente e supervisor de uma equipe de 40 pessoas na rede americana de cafés.
“Quando as empresas se concentram em mudar hábitos, organizações inteiras podem se transformar.” ‒ Trecho do livro “O Poder do Hábito”.
O que hábitos e Rosa Parks têm a ver
O autor aborda um caso de ativismo de dezembro de 1955 nos Estados Unidos. Quando Rosa Parks se recusou a levantar de seu assento do ônibus em Montgomery, como forma de protesto pela discrimação racial que os negros sofriam, ela estava realizando uma transformação ainda maior do que poderia imaginar. Os hábitos sociais são compostos por uma série de hábitos individuais que faz com que as pessoas acabem agindo da mesma forma.
Ao fazer seu protesto, Parks acabou instigando uma mudança de hábito em toda a população negra do Alabama e, posteriormente, do país. Por ser uma mulher muito imersa na comunidade, sua atitude acabou criando um “gatilho” para outras pessoas. É claro que apenas esse fato não foi responsável por todo o movimento de direitos civis dos EUA, mas é fácil entender por que ele é considerado um marco. Os líderes de movimentos acabam criando novos hábitos que dão um senso de identidade para seus seguidores, o que pode ocasionar mudanças na sociedade ‒ como de fato ocorreu nos EUA.
Investir também é hábito?
Embora “O Poder do Hábito” não seja um livro com foco em finanças, ele também pode ter insights interessantes para quem quer criar o hábito de poupar dinheiro e investir. Ao final do livro, o autor prepara um guia prático para quem quer aplicar as ideias apresentadas na obra.
“E embora cada hábito signifique relativamente pouco por si só, ao longo do tempo, as refeições que pedimos, o que dizemos a nossos filhos toda noite, se poupamos ou gastamos dinheiro, com que frequência fazemos exercícios, e o modo como organizamos nossos pensamentos e rotinas de trabalho têm impactos enormes na nossa saúde, produtividade, segurança financeira e felicidade.” ‒ Charles Duhhig, em “O Poder do Hábito”.