
Imagem: iStock.com/Jack D Cooper
“Em relativamente poucos anos, todo o comércio de arte se desenvolveu em relação com a própria arte. Mas tudo se tornou muito uma espécie de especulação de banqueiros, e ainda é — não digo inteiramente — simplesmente digo demais. Por que, na medida em que isso funciona como uma bolha, não deveria ir pelo mesmo caminho, por exemplo, que o comércio das tulipas? Você vai observar que uma pintura não é uma tulipa. É claro que há uma enorme diferença e, naturalmente, eu, que amo as pinturas e de modo algum as tulipas, sei muito bem disso. Mas respondo que os muito ricos que compram pinturas caras por uma razão ou outra não o fazem pelo valor artístico que veem nelas — para eles, a diferença que você e eu vemos entre tulipas e pinturas não é visível; eles (…) também comprariam tulipas agora, como no passado, contanto que houvesse algo de chique nelas.”
Isso é Vincent Van Gogh, em uma de suas cartas ao irmão Theo, mas poderia representar um texto de qualquer defensor do value investing tradicional. Serve de alerta para compras desprovidas de fundamento e desalinhadas ao valor intrínseco do respectivo ativo, infladas pela mania ou narrativa do momento. Vale para tulipas, pinturas, ações ou títulos. É da natureza humana envolver-se em transações simplesmente porque há “algo chique nelas”.
Entre os dramas biológicos típicos, está aquele de pertencimento e aceitação do grupo. Comprar uma tulipa, um pintor renomado, um Patek Philippe, um Evoke (lembra dele?), ações da Nvidia ou a criptomoeda da vez, ao menos em determinadas rodas, garante o título para frequentar o clube; isso, para muitos, é mais do que dinheiro.
Ocorre que o “trendy” hoje está a um passo do cafona amanhã. Não é simplesmente uma observação empírica das temporadas de moda. É resultado inexorável da natureza humana, que tende a extrapolar condições circunstanciais do momento para um futuro longevo, da perpetuidade.
Atribuímos um resultado pontual extraordinariamente positivo a puro talento ou, ainda pior, a uma espécie de materialismo histórico, como se não houvesse espaço para resultados diferentes.
Sucesso, no entanto, deriva de competência e sorte, sobretudo em ambientes sociais de alta complexidade, imprevisibilidade e aleatoriedade (como aquele das finanças e dos investimentos). Não é à toa que o “Homem do Ano” vire a frustração do calendário subsequente — os exemplos recentes de Alexandre Birman ou Luiza Trajano talvez não sejam meras coincidências.
O espetáculo do aplauso público decorre do mérito individual, sim, mas não só dele. As forças aleatórias podem empurrá-lo para um nível ainda superior ao seu “potencial sistemático”. Mas não há qualquer garantia de que a Deusa Fortuna vai voltar a agraciá-lo no ano seguinte.
Se você é muito talentoso e foi muito sortudo num certo momento, o que o leva a uma posição de enorme destaque, o natural seria imaginar que só o talento será repetido no tempo. Então, você retorna a uma posição mais alinhada às suas habilidades estruturais, sem a mesma interferência da sorte.
A tal “maldição da capa de revista”, acompanhada da prescrição pragmática de shortear as ações do fotografado com destaque na Veja ou na Exame, não é somente uma piada maldosa na Faria Lima, nem tampouco um mau agouro dos periódicos semanais.
É simplesmente uma aplicação prática da tendência das coisas de reversão à média. Voltamos ao ordinário depois de um resultado extraordinário, que derivara também da aleatoriedade. O jornalista fotografa mesmo é o extraordinário. “Pousou sem problemas o centésimo avião em Guarulhos hoje”. Isso não é notícia.
O mesmo raciocínio vale para empresas cujas vendas dispararam por um sucesso em determinada coleção, para gestores de ações que ocuparam a liderança do ranking em determinado ano (com o agravante que isso muitas vezes foi oriundo de concentração ou alavancagem excessivas) ou para ciclos de mercado.
Analogamente, aquilo que está esquecido ou depreciado também é fruto de uma depressão pontual exagerada. O grande fracasso deriva da falta de talento, mas também do azar. Se aquela bola do Renato Augusto contra a Bélgica fosse alguns poucos centímetros mais para o meio, o meia teria feito seu segundo gol, seria enaltecido e talvez o resto de sua carreira recebesse ainda mais congratulações. O Brasil potencialmente seria hexa e Tite ficaria com as honrarias merecidas. Foi um detalhe.
O imponderável futebol clube é só a faceta mais fortuita de um fenômeno amplo. Se não fosse uma certa gravação vazada no porão, a reforma da previdência brasileira teria vindo dois anos antes. Ninguém se surpreenderia se o empresário delator, agora listado na Bolsa de NY, fosse eleito o próximo homem do ano.
Claro que é muito mais fácil comprar o que está na moda, acompanhando a manada e inebriado pela narrativa do momento. Há quem prefira errar com todo mundo do que acertar sozinho. A ancoragem é o viés cognitivo com simbiose à reversão à média.
Alguém já lhe ofereceu uma tulipa para comprar hoje? E um fundo de crédito ou uma debênture incentivada?
Enquanto isso, outras coisas altamente depreciadas seguem à espera de atenção. Van Gogh morreu deprimido e pobre, após atirar contra o próprio peito. Não fossem o irmão e a cunhada, potencialmente, não conheceríamos um dos artistas mais geniais de todos os tempos.
O longo prazo do artista demorou para chegar, embora sob uma perspectiva histórica o intervalo temporal entre seu ostracismo e o sucesso estrondoso represente apenas um sopro cósmico.
Seria capaz de apostar que seu assessor de investimentos não ligou para oferecer uma carteira de small caps brasileiras neste momento.
Há algo mais fora de moda do que elas agora?
Olho para algumas dessas ações e tenho a impressão de estar diante de “Pomar com ciprestes”, em 1888.
P.S.: Assim como nas small caps, há boas assimetrias nas opções, ainda mais falando de curto prazo. Vale conferir a carteira nova de operações que vamos recomendar amanhã. Acesse por aqui.