Empiricus 24/7

Nunca me esquecerei

Apesar da rotina exaustiva, meu pai sempre trazia um sorriso no rosto. E mesmo com todas as preocupações que carregava, ele nunca esquecia de mim.

Por Caio Mesquita

10 fev 2025, 07:28 - atualizado em 10 fev 2025, 07:28

Empiricus 24/7 memória

Imagem: iStock/Makhbubakhon Ismatova

Meu pai sempre chegava tarde do escritório. Advogado em início de carreira, dedicava-se integralmente à profissão que sustentava sua jovem família. Raramente jantava conosco, resignando-se a comer sozinho enquanto folheava os processos que trazia para casa.

Entrava com o paletó pendurado em um ombro e, na outra mão, carregava uma pesada pasta de trabalho, estufada de documentos e papéis importantes. Apesar da rotina exaustiva, trazia sempre um sorriso no rosto. E, com todas as preocupações que certamente carregava, ele nunca esquecia. Nunca esquecia de mim.

Quando eu era pequeno — idade do meu caçula, David, ou seja, uns 8 ou 9 anos —, toda vez que o Corinthians ganhava, pegava o telefone fixo e ligava para ele no escritório. Ele sempre me atendia.

— Papai, traz o Jornal da Tarde para mim?

O caderno de esportes era completíssimo, e eu queria ler cada detalhe da vitória do meu time.

Naquela época, décadas antes da internet, os jogos raramente passavam na TV. Eu acompanhava tudo pelo rádio, vibrando a cada gol como se estivesse no estádio.

O curioso é que meu pai era torcedor do São Paulo, rival do Corinthians, time pelo qual torço por influência do meu avô materno. Nosso vizinho de muro, ele estava mais presente no meu dia a dia do que meu pai, tão ocupado com o trabalho.

Assim mesmo, meu pai sempre atendia com carinho ao seu pequeno rival clubístico, a despeito da correria de sua labuta. E, por mais cansado que estivesse, por mais tarde que chegasse, lá estava ele com o jornal debaixo do braço. Era um gesto pequeno, mas que, para mim, significava tudo.

Era a prova mais simples e verdadeira do seu amor: ele nunca esquecia.

Hoje, uma semana depois de sua partida, fico pensando em todas as vezes que ele atendeu o telefone, em todas as vezes que trouxe o jornal, em todas as formas silenciosas e constantes com que me mostrou que eu importava para ele.

E percebo que, mesmo agora, ele continua comigo.

A saudade fica, mas o amor também. E esse, como meu pai me ensinou, nunca se esquece.

Sobre o autor

Caio Mesquita

CEO da Empiricus