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Lá fora, os mercados americanos retornam do feriado em clima de expectativa elevada, diante de uma semana carregada de eventos capazes de redefinir o rumo dos ativos de risco. O grande destaque da semana é o payroll de agosto, na sexta-feira, cujo resultado deverá calibrar as apostas sobre a intensidade e o ritmo do ciclo de cortes de juros pelo Federal Reserve. Ao mesmo tempo, a cena política adiciona turbulência: a disputa judicial em torno das tarifas impostas por Donald Trump e a tentativa de destituição da governadora do Fed, Lisa Cook, ampliam os ruídos institucionais e alimentam a busca por proteção em ativos considerados porto seguro, como o ouro — que renovou máximas históricas. Nesse ambiente, setembro, tradicionalmente associado a uma maior volatilidade e desempenho mais fraco das bolsas, pode repetir o padrão histórico, mesmo após o suporte fornecido pelo rali de verão.
No cenário internacional, o início do mês também traz sinais de tensão. Na Ásia, os mercados chineses e de Hong Kong recuaram após movimentos de realização em tecnologia, enquanto as bolsas de Tóquio e Seul avançaram em tom positivo. Na Europa, os índices caíram depois que a inflação da zona do euro superou as expectativas, reduzindo a probabilidade de novos cortes de juros pelo Banco Central Europeu e reforçando a cautela.
Já o petróleo voltou a subir, pressionado pela intensificação da guerra entre Rússia e Ucrânia, após ataques a refinarias que representam parcela relevante da produção russa, o que aumenta a expectativa em torno da reunião da Opep+. Combinados, esses elementos — a abertura de juros longos em economias desenvolvidas, o fortalecimento global do dólar e os riscos geopolíticos — reforçam a percepção de que setembro tende a ser um mês particularmente desafiador para os ativos de risco. Por aqui, o foco recai sobre a divulgação do PIB do segundo trimestre e sobre a escalada de tensões políticas e diplomáticas, à medida que se inicia no STF o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, evento que pode reverberar também nas relações com os Estados Unidos.
· 00:52 — PIB no radar e novas sanções à espreita
No Brasil, o grande foco do dia é a divulgação do PIB do segundo trimestre, que deve confirmar a esperada perda de tração da economia. As projeções apontam para um avanço modesto, em torno de 0,3% na comparação trimestral, bem abaixo da expansão de 1,4% observada no período anterior. O resultado reflete, de um lado, o peso de uma política monetária ainda bastante restritiva — com a Selic estacionada em 15% ao ano — e, de outro, a dissipação do impulso extraordinário da safra agrícola. Ainda assim, setores como serviços, consumo das famílias e a indústria extrativa devem garantir algum fôlego residual. Na comparação anual, a expectativa é de desaceleração de 2,9% para 2,2%, evidenciando uma economia que perde dinamismo: agro em queda, indústria andando de lado e serviços resistindo. Esse conjunto de sinais, somado à retração da confiança de empresários e consumidores, reforça a percepção de enfraquecimento da atividade, aumentando as apostas em cortes de juros mais cedo ou em intensidade maior. O Banco Central, no entanto, precisa equilibrar essa possibilidade com os riscos fiscais e com a inflação ainda desancorada. Assim, mesmo que o dado do PIB traga combustível para a tese de flexibilização monetária já em 2025, o mercado mantém parte da atenção voltada para Brasília.
Por isso, no front político, o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal domina o noticiário e adiciona tensão ao cenário. O receio dos investidores é que uma eventual condenação sirva de gatilho para novas retaliações por parte de Donald Trump contra o Brasil. Esse pano de fundo conturbado já ajudou a conter o fôlego do Ibovespa ontem, que recuou em um pregão de baixa liquidez devido ao feriado do Dia do Trabalho nos EUA, em um movimento de realização de lucros após as fortes altas verificadas no final de agosto. Embora o avanço recente dos ativos locais esteja ancorado na expectativa de cortes de juros e no reposicionamento político em direção a 2026 — reforçado pela pesquisa da Real Time Big Data que mostrou Lula e Tarcísio tecnicamente empatados no primeiro turno —, o caminho até lá promete ser turbulento. Como venho destacando, os principais riscos para o Brasil nos próximos 18 meses continuam a ser a escalada das tensões com os EUA, as fragilidades fiscais e a incerteza em torno da articulação de uma candidatura viável de oposição. Setembro, com a combinação de agenda econômica e choques políticos, tende a oferecer um retrato antecipado desses desafios. E hoje teremos um pequeno aperitivo disso.
· 01:46 — Setembro nos EUA
Setembro carrega a fama de ser um mês desafiador para as ações americanas, tradicionalmente associado a quedas sazonais e a um aumento da volatilidade após o período mais tranquilo do verão. Em 2025, esse pano de fundo já complexo ganha contornos ainda mais delicados. De um lado, o aguardado relatório de empregos de agosto pode praticamente selar a decisão do Federal Reserve por um corte de 0,25 ponto percentual na reunião de 17 de setembro. De outro, o governo Trump adiciona ruídos relevantes ao travar uma disputa judicial contra a governadora do Fed, Lisa Cook, ao mesmo tempo em que sinaliza novas medidas econômicas que aumentam a incerteza. O mercado de trabalho, por sua vez, apresenta sinais de enfraquecimento estrutural: a criação de vagas vem se concentrando em setores defensivos, os pedidos de auxílio-desemprego seguem em alta e o crescimento do setor privado mostra perda de fôlego. Esse quadro reforça a expectativa de flexibilização monetária.
Ainda que o histórico pese contra setembro — o S&P 500 acumula queda média de 0,7% nesse mês nos últimos 75 anos —, parte dos analistas enxerga espaço para que a tendência negativa seja quebrada. O índice já recuperou sua máxima histórica após alta de 1,9% em agosto e se mantém acima da média móvel de 200 dias, um sinal técnico que costuma indicar espaço para ganhos adicionais. Mesmo assim, a recente complacência preocupa: o índice de volatilidade (VIX) despencou mais de 70% desde abril, sugerindo que um retorno da instabilidade pode estar próximo. Além do payroll de sexta-feira, o mercado acompanhará de perto as revisões de dados em 9 de setembro e o relatório de inflação em 11 de setembro, que deve refletir os impactos das tarifas de Trump. Tudo isso converge para a reunião decisiva do Fed em meados do mês, consolidando setembro como um verdadeiro divisor de águas para os ativos de risco.
· 02:35 — Fundo soberano descentralizado?
O governo Trump vem, na prática, erguendo aquilo que alguns já descrevem como um “fundo soberano descentralizado” dos Estados Unidos. A Casa Branca adquiriu 10% da Intel, detém 15% da MP Materials e estuda exigir participação acionária em outras fabricantes de chips e companhias de defesa, num movimento que parece muito menos voltado a incentivar inovação e muito mais direcionado a reforçar o controle político sobre setores considerados estratégicos. Essa postura destoa do modelo clássico dos fundos soberanos — presentes em mais de 100 países e que somam mais de US$ 10 trilhões em ativos —, geralmente sustentados por recursos advindos de superávits comerciais e fiscais. Embora a maioria deles tenha histórico limitado em estimular desenvolvimento e inovação, com exceções relevantes como Noruega e Cingapura, sua função primordial é blindar as economias contra choques externos ou direcionar poupança de longo prazo para projetos estruturais.
Nos EUA, o contexto é radicalmente diferente: empresas como Intel e Lockheed Martin já contam com abundante capital privado e não precisam desse tipo de suporte estatal. Isso alimenta a percepção de que a estratégia de Trump estaria menos ligada a necessidades de financiamento e mais orientada a ampliar a sua influência política direta sobre setores sensíveis, criando terreno fértil para práticas de clientelismo — algo pouco condizente com a tradição americana. Inserido na disputa geopolítica com a China e no redesenho das cadeias globais de tecnologia e defesa, esse movimento sinaliza um desvio importante: a política econômica do governo parece mirar mais em consolidar poder e controle do que em promover eficiência e inovação, adicionando uma camada de intervenção estatal rara na história recente dos EUA.
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· 03:28 — Atritos na região
A Colômbia atravessa uma fase de forte deterioração na segurança pública e política, que reabre feridas de seu passado mais sombrio. O assassinato do candidato presidencial Miguel Uribe, após ter sobrevivido a uma tentativa de atentado em junho, expôs de maneira contundente a vulnerabilidade das instituições e a incapacidade do Estado de garantir proteção mínima em meio ao avanço do crime organizado. Nos últimos meses, a violência ganhou intensidade: dissidentes intensificaram os confrontos com militares, multiplicaram-se os relatos de sequestros em massa de soldados e cresceram os assassinatos de líderes sociais e defensores de direitos humanos. Embora o presidente Gustavo Petro tenha prometido endurecer o combate à violência, sua administração tem se mostrado pouco eficaz em conter a escalada, o que reforça a percepção de instabilidade e gera um sinal negativo para investidores globais.
No plano político, esse ambiente turbulento tende a ter efeitos profundos. O recrudescimento da violência impulsiona parte expressiva da sociedade a buscar alternativas de liderança mais duras no enfrentamento ao crime, movimento que fragiliza as chances da esquerda nas eleições presidenciais de 2026. O fenômeno, contudo, não é exclusivo da Colômbia: em países como Bolívia, Peru e Chile, observa-se igualmente uma guinada à direita alimentada pelo tema da segurança pública, em um reflexo do cansaço da população com a instabilidade e o medo.
Nesse cenário, as eleições legislativas na Argentina, em outubro, e as presidenciais no Chile, em novembro, despontam como os próximos grandes testes para medir a resiliência da esquerda na América do Sul, antes do decisivo pleito colombiano em maio. O resultado dessas disputas pode cristalizar uma tendência já perceptível: um movimento regional de reorientação política em direção a agendas mais duras e pragmáticas, em resposta ao avanço da criminalidade e à crescente sensação de insegurança. Esse processo não apenas amplia a volatilidade no ambiente político da região, como também abre espaço para uma eventual redefinição das políticas econômicas nos principais países latino-americanos. Para o Brasil, esse alinhamento pode funcionar como um sinal do rumo que o continente parece disposto a trilhar.
· 04:11 — Uma cúpula do outro lado do mundo
Muito se discutiu sobre a cúpula da Organização de Cooperação de Xangai, realizada em Tianjin, que acabou se transformando em um movimento simbólico de peso na geopolítica global. O encontro reuniu mais de 20 líderes estrangeiros a convite de Xi Jinping e expôs, em plena vitrine internacional, a imagem de uma frente de aproximação entre China, Rússia e Índia. O momento mais emblemático foi a foto de Xi, Vladimir Putin e Narendra Modi lado a lado — uma cena carregada de simbolismo político e econômico. O gesto de Xi, ao promover essa exibição de unidade, buscou sinalizar a intenção de consolidar uma aliança de cooperação regional em segurança e desenvolvimento, numa clara tentativa de oferecer um contraponto ao sistema global sob liderança americana. O movimento ganha ainda mais relevância porque ocorre justamente quando tarifas punitivas impostas por Donald Trump contra a Índia empurram Nova Délhi em direção a Pequim, frustrando anos de esforços americanos para cultivar o país como contrapeso à influência chinesa na Ásia. Nesse contexto, a reaproximação sino-indiana — mesmo após décadas de tensões fronteiriças — revela um pragmatismo político em que Modi, ao enfatizar a parceria energética com Moscou, sinaliza disposição em fortalecer a integração regional ao lado de Xi e Putin.
Do ponto de vista de Pequim, a cena teve efeito de triunfo diplomático. Xi aproveitou as turbulências geradas pela política externa errática de Trump para projetar a China como centro de uma nova ordem global. Em seus discursos, tanto ele quanto Putin reforçaram a narrativa de que o mundo precisa de maior participação do Sul Global e de mais uso das moedas locais no comércio internacional, apresentando esse multilateralismo como alternativa ao modelo ocidental. A formação explícita dessa tríade — que combina o peso industrial da China, a força energética da Rússia e a relevância demográfica e estratégica da Índia — emerge como um desafio direto à hegemonia americana, trazendo a perspectiva de um rearranjo estrutural na governança global. O episódio reforça a ideia de que a escalada tarifária e a diplomacia de confronto de Trump, em vez de isolar adversários, podem acabar incentivando coalizões que buscam justamente enfraquecer a centralidade dos EUA no sistema internacional, aumentando a imprevisibilidade para os mercados globais.
· 05:09 — Novas máximas
O ouro voltou a ser protagonista nos mercados globais, alcançando um recorde histórico acima de US$ 3.500 a onça. O movimento é sustentado por dois vetores principais…