Times
Day One

Elasticidade interpretativa

“Quanto mais entendemos de DCF, mais somos capazes de fazer o modelo se curvar aos nossos anseios”

Por Rodolfo Amstalden

20 de setembro de 2023, 16:07

elasticidade interpretativa

Depois de quase duas décadas profissionais dedicadas a exercícios de valuation, acumulamos uma vasta bagagem crítica sobre as fragilidades do Fluxo de Caixa Descontado.

Para usar um eufemismo e evitar discórdias, dizemos que o DCF proporciona uma certa “elasticidade interpretativa”.

Desde o início dos cursos sobre o assunto, fazemos nossos alunos notarem que pequenas alterações nas premissas podem resultar em grandes diferenças no preço por ação estimado. 

Em um modelo (conservador) que construímos recentemente, o mero ajuste de 1 ponto percentual de WACC para baixo era suficiente para elevar o preço alvo em +17%.

Se, em vez de mexer com o WACC, decidíssemos brincar com o crescimento da perpetuidade (g), os efeitos seriam igualmente interessantes.

Para se ter ideia, o acréscimo de 1 ponto percentual em g promoveria nova impulsão de +17% no target do papel.

E não custa lembrar que os efeitos são cumulativos. Em um dia mais inspirado, poderíamos recorrer a ambas as mudanças, resultando em um alvo cerca de +30% maior.

Não teríamos trabalho algum em argumentar que essas mudanças foram pequenas, marginais, quase irrelevantes. 

Quem é que vai questionar nuances de apenas 1 ponto percentual, para cima ou para baixo?

Poderíamos parar aqui nos exemplos envolvendo WACC e g, mas nada nos impediria de ir além.

Buscando alavancar as margens operacionais do negócio, beneficiadas por ganhos de escala à medida que novas receitas são contratadas e empilhadas, conseguiríamos dopar ainda mais o target.

Mexer com as margens costuma dar um pouco mais de trabalho, pois exige variações acima de 1 ponto percentual. Mas também funciona se conduzido de maneira gradual: uma escadinha ao longo do tempo, discretamente sacramentada na perpetuidade.

Bom, já deu para perceber: quanto mais entendemos de DCF, mais somos capazes de fazer o modelo se curvar aos nossos anseios.

Há aqueles que o fazem de forma deliberada e há aqueles que operam conforme as nobres leis do autoengano.

Quando recebemos mensagens de assinantes ansiosos por saber o preço alvo de determinada empresa, fazemos questão de responder com todo o rigor necessário. 

Mas devo deixar claro que gostamos de receber outros tipos de perguntas – mais intelectualmente desafiadoras – em nossas caixas de entrada.

Sobre o autor

Rodolfo Amstalden

Sócio-fundador da Empiricus, é bacharel em Economia pela FEA-USP, em Jornalismo pela Cásper Líbero e mestre em Finanças pela FGV-EESP. É autor da newsletter Viva de Renda.