Day One

Leitura de sinais

“Em 2014, quando estudava em Cambridge, Massachusetts, decidi tirar a carteira de habilitação americana. Pesquisei na internet o […]”.

Por Lais Costa

06 maio 2022, 11:04

Em 2014, quando estudava em Cambridge, Massachusetts, decidi tirar a carteira de habilitação americana. Pesquisei na internet o processo, avaliei se os custos caberiam no meu orçamento de bolsista, liguei para um amigo e marcamos juntos a prova teórica já naquela mesma semana.

O processo era muito simples e sem burocracia. O material de estudo para a prova teórica estava todo no site do departamento de trânsito do estado. Como o calendário de entrega de resultados do estágio estava apertado, viramos duas noites estudando e resolvemos a primeira etapa do processo nesses dois dias.

O próximo passo era a prova prática. Também não era necessário fazer aulas de autoescola. Precisávamos apenas de um carro com um “motorista responsável” — alguém que tivesse pelo menos 21 anos de idade e dois anos de habilitação no estado de Massachusetts.

Na hora da prova, apenas duas novidades em relação à prova brasileira. A primeira: antes de colocar o carro em movimento, é preciso colocar o braço esquerdo para fora do carro e fazer os sinais de virar à esquerda, direita e devagar, que devem ser usados caso as luzes do veículo não funcionem.

A segunda, e provavelmente a que mais reprova os brasileiros, é a placa de “Pare”. Isso mesmo. A placa de “Pare” é visualmente idêntica à brasileira. Mesmo formato, cores e dizeres. Contudo, o comportamento de um motorista americano ao ver essa placa em um cruzamento é: parar completamente o veículo, esperar três segundos, avançar cuidadosamente até ter visibilidade completa do cruzamento e então prosseguir.

Naturalmente não são todos os motoristas que seguem esses passos à risca quando não estão sendo avaliados ou monitorados de perto, mas não há dúvida de que há uma diferença estrutural de entendimento, interpretação e comportamento entre brasileiros e americanos perante o mesmo sinal.

De forma análoga, estamos vendo hoje uma grande divergência entre os gestores de fundos brasileiros e americanos (principalmente de ações) sobre um dos sinais mais relevantes para o mercado: inflação americana.

O mesmo indicador, leituras diametralmente diferentes.

Por lá, há um entendimento de que grande parte da inflação é transitória devido aos gargalos produtivos, muito por causa da política de Covid zero da China e pela escalada dos preços do petróleo e do gás natural devido ao conflito no Leste Europeu. Portanto, o tempo conta a favor da normalização.

Sendo assim, é prudente “contar até três” antes de prosseguir com uma política monetária mais restritiva.

Já aqui, a maioria dos gestores vê uma inflação americana muito mais arraigada e que o forte componente de demanda, devido principalmente aos estímulos fiscais sem precedentes, é preponderante à escassez de oferta, o que, definitivamente, não condiz com o nível de aperto das condições financeiras atuais. Neste caso, o banco central já está atrasado.

É preciso avançar mais rapidamente.

Talvez uma boa explicação para essa divergência de visões seja o fato de que grande parte dos gestores americanos não experimentou ou nem lembra mais como é viver em um mundo inflacionário. O mesmo ocorre com os investidores em geral por lá.

Por outro lado, nós brasileiros temos um histórico inflacionário muito forte e um passado ainda muito recente de perda de poder de compra acelerado. Fomos criados neste ambiente em que ficar parado é muito perigoso e, no final do dia, esperar custa muito caro. É comum encontrar alocação em commodities (direta ou indireta) e em títulos indexados à inflação nos nossos portfólios.

Pode-se dizer que, quem já viveu na pele o problema, leva ligeira vantagem na hora de tomar as decisões. Está aí um benefício de ser emergentes.

Estamos em um “cruzamento” com diversos sinais de alerta. Entre brasileiros e americanos, nossos multimercados largaram na frente. O tempo dirá qual foi a conduta correta a ser tomada.

Até lá, nós da equipe dos Melhores Fundos seguimos a tradição brasileira. Mantemos estruturalmente posições em uma cesta de commodities, nos títulos indexados à inflação e, claro, nos melhores multimercados da indústria.

Essa é a nossa leitura dos sinais.

Um abraço,

Laís

Sobre o autor

Lais Costa

Engenheira eletricista pela UTFPR com passagem pelo MIT e especialização em finanças pela Columbia University. Iniciou a carreira no mercado financeiro com foco no mercado de bonds nos EUA. Após uma experiência na Itaú Asset em NY, ela esteve por três anos no time de Global Macro Strategy da XP Inc também em NY, cobrindo mercados emergentes asiáticos e Brasil com foco em criação de ideias de investimento de renda fixa para clientes institucionais. Desde maio de 2021, Laís faz parte do time de análise da Empiricus. Por dois anos foi responsável pela alocação e seleção de fundos globais e hoje é a analista a frente das séries Super Renda Fixa e Os Melhores Fundos de Investimento.