Day One

Qual o tamanho do seu universo de investimento?

Quando criança, criei a mania de observar os rostos e os trejeitos das pessoas que passavam na rua e compará-los a rostos e comportamentos conhecidos. A ideia era juntar todas as pessoas em grupos familiares daquelas que eu realmente conhecia. Essa era a minha distração enquanto acompanhava meus pais em compromissos intermináveis de adultos.

Por Lais Costa

22 out 2021, 10:26

Quando criança, criei a mania de observar os rostos e os trejeitos das pessoas que passavam na rua e compará-los a rostos e comportamentos conhecidos. A ideia era juntar todas as pessoas em grupos familiares daquelas que eu realmente conhecia. Essa era a minha distração enquanto acompanhava meus pais em compromissos intermináveis de adultos.

No início, o exercício era difícil. Crianças não são seres naturalmente detalhistas. Talvez por isso algumas características passavam despercebidas. Além disso, a minha pouca idade também implicava em conhecer relativamente poucas pessoas, o que limitava enormemente o meu universo de comparação.

Com o passar do tempo, a prática — e a miopia — facilitaram o processo de associação. Eventualmente, quando encontrava um caso raro de extrema semelhança, comentava com todos a meu redor sobre o encontro com a professora de ciências ou a filha do pianista da orquestra.

A beleza desse exercício é que, quase que imediatamente, o novo e o desconhecido passam a fazer sentido.

Associações, de um modo geral, também podem ser bastante úteis no mundo dos investimentos. A realidade é que o mercado financeiro possui um número incontável de ativos. Conhecer apenas o mercado brasileiro é comparável com o universo de rostos familiares para uma criança.

Um bom exemplo de uma limitação brasileira são os bonds conversíveis. Em um exercício de comparação, são ativos que, à primeira vista, têm os trejeitos de uma ação, porém são títulos de renda fixa.

Assim, são considerados ativos híbridos, possuindo características de títulos de dívidas — como pagamento de juros — e o direito de converter seus títulos na data de vencimento em um determinado número de ações da empresa emissora, a um preço e taxa predeterminados. Tal conversão, a depender do tipo de bond, pode ser obrigatória, ou um direito tanto do emissor quanto do investidor.

Para a empresa, esse instrumento é uma opção de financiamento que, em geral, tem um custo de carrego (pagamento dos juros) menor do que as tradicionais. Além disso, permite a dedução do pagamento dos juros na base de cálculo do Imposto de Renda. Em um outro ponto, o controle da empresa é mantido, e a estrutura societária e os lucros provenientes da valorização das ações são preservados. Por isso, esse tipo de ativo é emitido principalmente por empresas com baixa avaliação de crédito e grande potencial de crescimento.

Para o investidor, os bonds conversíveis podem gerar retornos atraentes em momentos de euforia do mercado acionário (“risk-on”), uma vez que a razão de conversão dos títulos de dívida em ações é predeterminada.

Contudo, se as ações tiverem, na verdade, uma performance ruim, os investidores não exercem o direito de conversão dos títulos em ações, recebendo o capital investido na data de vencimento (caso não haja inadimplência do emissor).

Dá pra ver que, diferentemente de uma brincadeira infantil, a análise desses ativos requer profundo conhecimento técnico do mercado acionário e de crédito.

O ano de 2020 foi recordista em emissões de bonds conversíveis, com destaque para os setores aéreo e de lazer e turismo — os mais afetados pela pandemia.

Do lado das empresas, porém, a desafiadora crise do coronavírus gerou diversas emissões de títulos de dívida a taxas extremamente baixas ou mesmo sem pagamento de cupom (taxa zero).

Já do lado dos investidores o apetite se manteve, pois a falta de atratividade dos juros foi compensada pela emissão de direitos de conversão com um prêmio significativo em relação aos preços das ações.

O primeiro trimestre deste ano também mostrou um ritmo acelerado de novas emissões desses títulos no mercado global. Aqui no Brasil, veremos nos próximos dias a estreia do fundo de bonds globais conversíveis da famosa gestora americana Oaktree.

Embora os ativos sejam ainda pouco conhecidos pelos brasileiros, a Oaktree é liderada por um rosto bastante conhecido no mercado e pelos assinantes da série Os Melhores Fundos de Investimento: Howard Marks.

Se você quer se aprofundar nesse e em outros temas pouco explorados no mercado brasileiro, além de se familiarizar com os melhores gestores globais, fica aqui o convite para se juntar a nós.

Antes de terminar, não poderia deixar passar em branco as últimas notícias sobre o desmanche da equipe técnica do Ministério da Economia vis-à-vis a iminente quebra do teto de gastos para acomodar nossas mazelas políticas.

O resultado da antecipação da corrida eleitoral e suas medidas populistas têm os traços bem conhecidos pelos brasileiros: inflação, juros altos, crescimento pífio, desemprego e caminho livre para a depreciação do real.

Enquanto insistirmos nos mesmos rostos e nos mesmos trejeitos, a alocação estrutural de um portfólio robusto terá infalivelmente uma posição importante em ativos globais e moedas fortes.

Desde as máximas em junho deste ano, o Ibovespa amarga uma queda de quase 20%. No mesmo período, o principal índice de ações dos EUA, o S&P 500, registrou uma alta de quase 8%, atingindo um novo recorde histórico ontem.

Já o FoF Melhores Fundos Global, veículo da Vitreo inspirado na carteira global da série Os Melhores Fundos de Investimento, entregou no período um retorno de 12%, o equivalente a 2% acima da variação do dólar.

Limitar-se apenas ao mercado brasileiro é se apequenar a um universo de uma criança.

Um abraço,

Laís

Sobre o autor

Lais Costa

Engenheira eletricista pela UTFPR com passagem pelo MIT e especialização em finanças pela Columbia University. Iniciou a carreira no mercado financeiro com foco no mercado de bonds nos EUA. Após uma experiência na Itaú Asset em NY, ela esteve por três anos no time de Global Macro Strategy da XP Inc também em NY, cobrindo mercados emergentes asiáticos e Brasil com foco em criação de ideias de investimento de renda fixa para clientes institucionais. Desde maio de 2021, Laís faz parte do time de análise da Empiricus. Por dois anos foi responsável pela alocação e seleção de fundos globais e hoje é a analista a frente das séries Super Renda Fixa e Os Melhores Fundos de Investimento.