Investimentos

Cessar-fogo entre Irã e Israel acalma os mercados, enquanto investidores aguardam falas de Powell; veja os destaques desta terça-feira (24)

O anúncio do cessar-fogo entre Irã e Israel desperta o mercado mais ameno nesta terça-feira (24).

Por Matheus Spiess

24 jun 2025, 09:20 - atualizado em 24 jun 2025, 09:32

Imagem representando o Payback, o período de tempo necessário para recuperar o investimento inicial.

Payback

O mundo amanheceu com um alívio inesperado: um cessar-fogo entre Irã e Israel, anunciado por Donald Trump em sua rede social, reacendeu a esperança de distensão em um dos principais focos de risco geopolítico dos últimos dias. A trégua — “completa e total”, nas palavras do presidente — ocorre após os ataques milimetricamente encenados do Irã a bases americanas, previamente avisados e cuidadosamente calibrados para não escalar o conflito. O mercado captou o sinal: o petróleo, que já vinha em queda após os indícios de que o Estreito de Ormuz permaneceria fora do conflito (como falamos), amplia as perdas e já recua cerca de 10% da máxima recente.

Apesar da fragilidade do acordo e da permanência de trocas esparsas de mísseis durante a madrugada, o tom geral sugere uma desescalada — ainda que tácita —, em que os dois lados ensaiam uma trégua informal. O investidor, por sua vez, continua a reagir mais à temperatura imediata dos fatos do que à possibilidade de cenários extremos. Assim como ocorreu em crises anteriores, questões como o paradeiro do urânio enriquecido iraniano serão, por ora, colocadas de lado. Em resumo: enquanto a tensão permanecer regionalmente contida e não se transformar em conflito prolongado ou multilateral, a percepção de risco tende a se dissipar — e o mercado volta a respirar.

· 00:53 — Um tom duro e a janela de oportunidade

No pregão de ontem (23), o Ibovespa encerrou em queda, pressionado principalmente pelas ações da Petrobras (PETR4), que seguiram a retração do petróleo no mercado internacional — ainda que em ritmo mais comedido — após o ataque telegrafado do Irã a uma base americana no Catar. O movimento refletiu um mercado mais cético com a retaliação simbólica de Teerã e seus impactos sobre a segurança energética global. Para esta terça-feira (24), o foco dos investidores se desloca para a ata do Copom, que confirmou o tom “hawkish” adotado na reunião da semana passada, quando o Banco Central elevou a Selic para 15% e encerrou o ciclo de alta com a mesma suavidade de um coice.

A mensagem da autoridade monetária é clara: o juro elevado veio para ficar. A mera especulação sobre cortes já seria considerada prematura. Em um cenário de estabilidade, o ciclo de afrouxamento poderia começar entre dezembro deste ano e março de 2026. Mas, sejamos honestos, há mais incerteza do que convicção nesse horizonte — previsões que empurram o corte para o terceiro trimestre de 2026 ou mesmo falam em nova alta dos juros soam como caricaturas. A taxa continuará elevada por um bom tempo, e isso deve manter o real relativamente valorizado frente ao dólar, mesmo que o ciclo de apreciação mais intenso já tenha ficado para trás.

O pano de fundo, contudo, é o fracasso da política fiscal. O governo abandonou sua âncora e agora precisa conviver com a sobrecarga na política monetária, que vem compensando a frouxidão orçamentária com juros sufocantes. Na ausência de um compromisso sério com o controle das contas públicas, o BC está forçado a fazer o trabalho de dois. Aliás, nesta semana, o Ministério da Fazenda deve enviar ao Congresso uma proposta de corte linear de 10% nas renúncias fiscais — um esforço louvável, ainda que tardio. O volume dessas desonerações subiu de R$ 550 bilhões para R$ 800 bilhões. Cortar 10% de cada vez pode, ao menos, nos colocar numa trajetória de racionalização das distorções que sufocam a produtividade brasileira.

Mas enquanto o governo insiste em atacar o problema sempre pelo lado da receita, negligencia o elefante na sala: o gasto público. Sem disposição política ou convicção para enfrentar a máquina orçamentária — o que exige mais do que cortar despesas pontuais, mas sim redesenhar da dinâmica do gasto —, a reforma verdadeira ficará, na melhor das hipóteses, para 2027. E é aí que entra o que este espaço vem reiterando há mais de um ano: cresce no mercado a aposta de que o pêndulo político brasileiro oscilará, nas próximas eleições, para um projeto pró-mercado, fiscalmente responsável e comprometido com reformas estruturais. Cada vez mais isso parece claro.

É esse otimismo de médio prazo que tem levado gestores, locais e estrangeiros, a reavaliar com mais carinho a exposição à Bolsa brasileira. Os riscos fiscais e inflacionários seguem no radar, mas não anulam o potencial de valorização de um mercado que pode estar às portas de um novo ciclo virtuoso. O Brasil, além de se beneficiar da reconfiguração geopolítica causada pelo tarifaço, volta a ganhar tração com o dólar mais fraco — o que, historicamente, reforça os fluxos de capital para emergentes, comprime a inflação importada e melhora a dinâmica da dívida pública.

Mais do que isso, o país pode emergir como peça-chave da próxima fase da revolução da inteligência artificial, como muito bem sugeriu recentemente o pessoal da casa de research americana 22V. A nova onda de investimentos em IA tende a demandar infraestrutura intensiva em energia e capital, o que favorece países com abundância de matérias-primas e matriz energética limpa — duas credenciais que o Brasil ostenta com folga. Lítio, cobre, níquel, grafite, terras raras e energia renovável em escala industrial: a combinação pode recolocar o país no centro de um novo superciclo de commodities.

Naturalmente, o caminho será acidentado, sujeito a riscos internos e externos. Mas o destino, se as condições se mantiverem, pode ser francamente positivo. É preciso apenas resistir mais um pouco — com estômago firme e olhos no longo prazo.

· 01:44 — A fala de Powell

Nos Estados Unidos, os holofotes desta terça-feira (24) estão voltados para a participação de Jerome Powell na Câmara dos Representantes. A depender do tom adotado, o presidente do Federal Reserve poderá começar a desenhar, ainda que timidamente, um cenário de flexibilização monetária à frente — especialmente se optar por relativizar os riscos inflacionários derivados da recente tensão no Oriente Médio. A fala de hoje, portanto, tem potencial para preparar o terreno para um corte de juros mais cedo do que o imaginado, caso os próximos dados também corroborem essa direção.

Ontem, os mercados reagiram positivamente à combinação de uma resposta simbólica do Irã e à sinalização de um cessar-fogo – ainda que frágil e sujeito a reveses. A ausência de uma escalada imediata foi suficiente para aliviar parte do estresse geopolítico. Em um ambiente já sobrecarregado por desafios domésticos, como o déficit fiscal, e por frentes externas complexas, como a escalada tarifária, investidores parecem ter se contentado com o fato de não haver um novo incêndio para apagar.

Mas essa reação traz consigo um alerta incômodo: o nível de complacência que começa a se instalar nos mercados. A impressão é de que os agentes financeiros estão se acostumando a conviver com riscos sistêmicos — ou, pior, estão escolhendo deliberadamente ignorá-los. É claro que, em algum momento, a conta dessas escolhas conflitantes chegará. A impressão de estabilidade pode ser apenas isso: uma impressão. Os riscos estão postos, não foram endereçados, e seguem acumulando pressão sob a superfície. O erro de avaliação, cedo ou tarde, torna-se inevitável.

Hoje, além do depoimento de Powell — que vem na esteira de comentários mais suaves de outros membros do Fed —, o calendário traz também a divulgação do Índice de Confiança do Consumidor do Conference Board, um termômetro relevante da percepção das famílias sobre a economia americana. Em tempos de dissonância entre expectativas e fundamentos, qualquer sinal de deterioração no sentimento pode reacender as dúvidas sobre a resiliência do atual ciclo de atividade americana.

· 02:32 — O suposto fim da “Guerra dos 12 Dias”

Na segunda-feira, o Irã respondeu aos bombardeios americanos do fim de semana com um ataque simbólico a uma base aérea dos EUA no Catar — uma retaliação cuidadosamente ensaiada, com todas as feições de um gesto voltado à distensão, não à escalada. A reação dos mercados foi quase imediata: os preços do petróleo despencaram assim que ficou claro que os mísseis lançados não haviam causado vítimas ou danos relevantes. O ataque, segundo relatos, teria sido avisado com antecedência às autoridades americanas, o que enfraquece qualquer tese de real agressividade. Em comunicado oficial, o Conselho Supremo de Segurança Nacional iraniano afirmou que a quantidade de mísseis correspondia ao número de bombas lançadas pelos EUA, e reforçou que o gesto não representava ameaça ao Catar.

Tudo indica que Teerã sabe exatamente onde estão seus próprios limites — tanto diplomáticos quanto militares. A reação, mais teatral do que estratégica, mostra que o Irã não tem interesse, tampouco poder real, para sustentar uma escalada duradoura contra Washington e Israel. O recado aos mercados foi captado com clareza: por ora, não há guerra aberta, tampouco risco real ao fluxo do Estreito de Ormuz — o principal ponto de estrangulamento global do petróleo segue operando normalmente. Na esteira do alívio, Donald Trump anunciou em sua rede social um acordo de cessar-fogo entre Irã e Israel. A dúvida, no entanto, persiste: o quanto essa trégua resiste ao teste do tempo? No curto prazo, ao menos, o risco sistêmico parece ter sido reduzido.

· 03:21 — Nova instabilidade francesa

A turbulência política voltou a rondar a França, desta vez reacendida pelo impasse nas negociações sobre a reforma da Previdência. Diante da paralisia, o primeiro-ministro François Bayrou convocou uma nova rodada de conversas para hoje (24), numa tentativa de destravar um dos temas mais explosivos da pauta fiscal francesa. Paralelamente, Bayrou deve apresentar até meados de julho um novo pacote de medidas, combinando cortes de gastos e aumentos de impostos — um coquetel amargo, mas considerado vital para conter a escalada da dívida pública, que preocupa os mercados.

O problema é que, tanto a reforma previdenciária quanto o pacote fiscal enfrentam forte resistência dentro da própria base aliada e podem desencadear moções de censura, como já ocorreu no fim do ano passado. O risco de colapso institucional está novamente sobre a mesa, e a perspectiva de uma crise política reincidente mina a confiança do investidor. Em um país que já convive com crescimento fraco, desemprego estrutural elevado e dívida acima de 110% do PIB, a instabilidade política funciona como catalisador para o aumento dos prêmios de risco — e, se mal administrada, pode rapidamente contaminar o restante da zona do euro.

· 04:15 — Um mundo “tecnopolar”

Há pouco mais de três anos, Ian Bremmer — fundador do Eurasia Group e do GZero — introduziu a tese provocativa de que o mundo estava à beira de uma nova configuração de poder: a tecnopolaridade. Um arranjo em que os Estados-nação deixariam de ser os únicos atores relevantes para dividir o palco com um punhado de gigantes da tecnologia, capazes de moldar economias, sociedades, políticas públicas e até o tabuleiro geopolítico global. Na ocasião, Bremmer delineou três possíveis desdobramentos:

  • Um mundo em que as Big Techs substituiriam os governos como soberanos da ordem digital;
  • outro, em que o ciberespaço seria fragmentado por uma guerra fria digital entre potências estatais;
  • e, por fim, uma síntese disfuncional, em que o Estado cederia o protagonismo a empresas privadas, sem qualquer ordem clara.

Três anos depois, não só nenhuma dessas hipóteses pode ser descartada — como todas parecem ter se manifestado, simultaneamente, em doses elevadas. O que temos é uma tecnopolaridade acelerada e, de certa forma, degenerada: a ordem digital global se consolidou, mas quem dita seus termos não são os governos, e sim as corporações. Yanis Varoufakis, a quem eu raramente atribuo sensatez econômica, cunhou com o termo “tecnofeudalismo” para descrever esse ambiente — e, neste caso, acertou. As plataformas deixaram de ser meros meios digitais para se tornar infraestruturas críticas. Hoje, as Big Techs não apenas distribuem informação ou vendem produtos: elas sustentam serviços essenciais ao funcionamento da economia e da defesa nacional.

Durante a pandemia, seu poder tornou-se explícito. O mundo passou a depender dessas empresas para trabalhar, estudar, se comunicar, se informar e até mesmo para monitorar a saúde pública. Elas passaram a intermediar a experiência humana — e a capturar os dados produzidos nessa mediação. Com a ascensão da inteligência artificial, o jogo subiu mais um andar. A consequência é uma mudança de eixo do poder global. Quem detém a IA, hoje, define os termos do poder nacional. O código-fonte do futuro pode não estar mais nas constituições, mas nos algoritmos. E os algoritmos não são redigidos em gabinetes de governo, mas em empresas de tecnologia. Em vez de um Leviatã digital, o que temos é uma teia de senhores feudais de silício, com interesses próprios, linguagem própria e impacto geopolítico inédito. A tecnopolaridade não é mais uma hipótese: é a arquitetura invisível que já sustenta — e distorce — o presente. E sua relevância, para o investidor, só tende a crescer.

· 05:07 — Um IPO de sucesso

O interesse pela Circle — empresa por trás de uma das principais stablecoins globais — explodiu desde sua abertura de capital, com as ações acumulando alta superior a 800% em tempo recorde. A empresa rapidamente se tornou uma das mais negociadas nas plataformas digitais, atraindo a atenção de investidores. A leitura do mercado é clara: a Circle está na vanguarda de uma nova onda de institucionalização das criptomoedas. E, como era de se esperar, o frenesi deve atrair outras candidatas à luz do mercado, impulsionando a atividade de fusões, aquisições e IPOs no setor.

Esse movimento, como antecipamos, é alimentado por uma conjunção rara de fatores:

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.