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Mercado em 5 minutos

Quem precisa de guerra quando se tem uma grande greve nos EUA?

“Lá fora, os mercados asiáticos fecharam predominantemente em alta nesta quinta-feira (15), seguindo as movimentações timidamente positivas de […]”.

Por Matheus Spiess

15 de setembro de 2022, 09:13

GREVE NOS EUA
Fonte: Free Pik
Bom dia, pessoal.

Lá fora, os mercados asiáticos fecharam predominantemente em alta nesta quinta-feira (15), seguindo as movimentações timidamente positivas de Wall Street durante o pregão de ontem, apoiadas por ganhos nas ações de energia diante de preços do petróleo em alta novamente — novos estímulos do governo chinês também ajudaram.

Depois do sell-off de terça-feira (13), seria natural esperar uma recuperação dos ativos ocidentais, ainda que modesta, o que de fato aconteceu nos EUA. Nesta manhã, os mercados europeus começam o dia em alta, acompanhados por certa estabilidade nos futuros americanos, que tendem para o positivo.

Os investidores continuam cautelosos em meio às preocupações persistentes com a inflação e a postura política mais rígida dos bancos centrais globais. Há quem procure, mesmo assim, algumas ações em níveis atrativos após a recente queda grosseira. Fica mais difícil quando se teme novas mínimas nos índices globais.

A ver…
00:41 — Todos atentos ao IBC-Br
No Brasil, os investidores estão atentos ao IBC-Br do Banco Central para o mês de julho, que funciona como uma proxy para o dado oficial de PIB do IBGE, que é apenas trimestral. O dado vem junto à atualização das estimativas do governo para o PIB e para o IPCA, que pode trazer certo otimismo para o mercado local. 

O resultado do Bacen vem depois de dados fortes do setor de serviços e números fracos no varejo, que ontem mostrou queda de 0,8% nas vendas restritas e de 0,7% nas ampliadas, nos dois casos para o mês de julho — os juros elevados começam a surtir efeito, o que deve ser contornado no curto prazo pelo novo valor do Auxílio Brasil.

Ainda assim, as estimativas apontam, na mediana, para um crescimento de 0,4% do IBC-Br em julho, em grande parte ajudado pela boa desenvoltura do setor de serviços e da indústria no período. Enquanto isso, no ambiente político, contamos ainda com mais uma pesquisa presidencial do Datafolha (as pesquisas têm falhado em fazer preço).
01:33 — Os americanos ainda estão abatidos depois da terça-feira
Ontem, nos EUA, depois da surpresa negativa com os dados de inflação ao consumidor, os investidores acompanharam atentamente o índice de preços ao produtor, que subiu 8,7% na comparação anual em agosto, em linha com o esperado e marcando uma desaceleração ante os 9,8% em julho. Depois do sell-off da semana, o número foi bem recebido pelo mercado.

Naturalmente, no entanto, a leitura não fará nada para diluir as preocupações do mercado sobre a natureza perigosa do atual surto de inflação nas economias centrais — digo perigosa porque nota-se uma divergência na construção da inflação principal e do núcleo, onde a primeira está esfriando e o segundo está esquentando, movimento incomum influenciado pela mudança de consumo de bens para serviços nos pós-pandemia.

Os riscos de recessão obviamente estão subindo agora que o Fed provavelmente precisará levar as taxas para cima de 4,00%, mas ainda é improvável que os vejamos levar as taxas para o nível de 5,00% (apesar da tendência história ser a de levar a taxa para cima da inflação núcleo, mais difícil quando esta supera os 6%). Paralelamente, os dados ao produtor mostram que as tendências subjacentes estão melhorando.

Não se esqueçam da regra de ouro: não lutem contra o Fed. Se o Banco Central dos EUA está ativamente apertando sua política monetária e reduzindo a liquidez, não adianta brigarmos para ser diferente. O mundo está desacelerando e é a hora de jogar na defensiva e sermos pacientes, ao menos no âmbito internacional. Para hoje, vale acompanhar nos EUA as vendas no varejo e produção industrial.
02:50 — Mais sobre o dilema europeu
A União Europeia sugeriu um imposto sobre lucros inesperados no setor de energia, mas os membros acabaram não chegando a um acordo preliminar neste primeiro momento. Temos acompanhado ativamente os desdobramentos da crise energética europeia e como ela pode afetar a demanda da Zona do Euro.

A energia está sendo evidentemente usada como uma arma de guerra econômica, o novo estilo de conflito entre as grandes potências (vide guerra comercial entre EUA e China e as sanções sobre a Rússia), enquanto o lucro é um alvo econômico de guerra fácil (bode expiatório, uma vez que é fácil culpar os lucros das empresas).

A proposta é de transferência de riqueza das empresas de energia para os consumidores de energia por meio de um teto de preço. Contudo, francamente, eu vejo com maus olhos qualquer tentativa de interferir no mecanismo de preços, uma vez que pode impedir o equilíbrio entre oferta e demanda. Nós, brasileiros, já estamos calejados de saber como isso não dá certo, não é mesmo?
03:39 — Mais estímulos chineses
Na China, em dia de encontro entre o líder chinês, Xi Jinping, e o presidente russo, Vladimir Putin, no Uzbequistão para discutir a guerra da Ucrânia e a crise de Taiwan, mais estímulos foram anunciados pelo governo.

Desta vez, enquanto o Banco Central manteve a taxa de juro básica inalterada em 2,75% ao ano, o governo sinalizou a injeção de mais de 400 bilhões de yuans (o equivalente a US$ 57,3 bilhões) no mercado. Além disso, ainda foi anunciado o repasse do equivalente a US$ 28 bilhões às indústrias e aos prestadores de serviços.

As novas informações vêm depois que a Fitch, uma agência de avaliação de risco de crédito, reduziu a projeção para o PIB chinês de 3,7% para 2,8%. Os novos números para o ano são preocupantes, principalmente para um país que pretendia crescer mais de 5% em 2022. Uma parte disso já foi devidamente precificada nos preços das commodities, que voltam a cair nesta manhã apesar dos estímulos e podem atrapalhar o pregão no Brasil. 
04:24 — Alguém ouviu falar em greve?
Quer saber de algo tão impactante para as cadeias de suprimentos dos EUA como a guerra na Ucrânia foi para muitos mercados ao redor do mundo? Bem, basta acompanhar a possível greve dos ferroviários em território americano, interrompendo as operações em cerca de 225 mil quilômetros de rede ferroviária nos EUA.

Mais de 60 mil ferroviários podem parar de trabalhar a partir das 12h01 de sexta-feira, até que novos termos de trabalho sejam acordados (aumentos salariais, licenças médicas e políticas de folga) entre o sindicato e os maiores operadores ferroviários.

É estimado que a economia dos EUA perderia US$ 2 bilhões a cada dia que os trens não estivessem em movimento uma vez que os trens de carga são essenciais para o transporte de mercadorias pelos Estados Unidos — se te lembra a greve dos caminhoneiros por aqui, você está certo (a diferença é que você precisaria de mais 467 mil caminhões de longo curso por dia para compensar o déficit desta greve).

Para se ter uma ideia, um terço das exportações de grãos dos EUA viajam por via férrea, cerca de metade de todos os fertilizantes dos EUA viajam em trens e mais de 75% dos veículos acabados chegam nas concessionárias de trem. As projeções indicam que as ferrovias nos EUA impactam cerca de 45% de todo o frete americano, o que significa que pode haver efeitos indiretos para muitas indústrias.

Uma interrupção geral dessa magnitude poderia não só acabar com a cadeia de suprimentos nos EUA, como afetar todo o mundo; afinal, estamos falando da principal economia do planeta. E se você pensou em mais inflação, você pensou corretamente, o que é crítico, considerando onde estamos agora.

Ainda é possível que haja um acordo antes do prazo, uma vez que o próprio governo federal americano acompanha de perto as negociações há meses e está pressionando por uma resolução (ninguém quer uma greve tão perto das midterms de novembro). Mesmo assim, é mais um risco para monitorarmos de perto, considerando o impacto potencial.

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.