Investimentos

Louco é quem me diz

Um dos grandes problemas deste Planeta é que as pessoas não conseguem responder “eu não sei.”

Por Felipe Miranda

19 jul 2017, 10:26

Se gritar pega ladrão em Brasília, não sobra ninguém. Se gritar pega insider no mercado financeiro, também não – gênios anteriormente apostando na queda da Selic para 7% subitamente estavam hedgeados ou até mesmo esperando abertura de juros. Eu admiro a capacidade de mudar de opinião tão rápido e de adivinhar exatamente o timing preciso dessa alteração de posicionamento.

Só há um grupo mais populoso desde ontem: cientista político. Meu Deus. O que apareceu de especialista em política desde ontem foi uma grandeza. Era nego cravando a renúncia; era sujeito cravando a não renúncia. Era o Bolinha (eu, sempre faminto, pensei logo no restaurante) assumindo amanhã. Meireles, FHC, Tasso, Carmen Lúcia. Todo mundo sabia de tudo. Todos eles no mercado financeiro nunca foram senão príncipes na vida. Onde é que há gente neste mundo?

Acho que um dos grandes problemas deste Planeta é que as pessoas não conseguem responder “eu não sei.”

Eu não sei de nada. Mas desconfio de muita coisa.

Eu desconfio por exemplo do que os financistas, os jornalistas, os que não sabem o que é copywriting, a Apimec, a CVM teriam dito se eu houvesse afirmado que as puts sobre ações do Banco do Brasil, recomendadas em relatório da série Palavra do Estrategista, subiriam 792,31 por cento, exatamente como fizeram ontem? Ou se eu, teimando em simplesmente recorrer ao direito de liberdade de expressão (onde vivo, ele ainda está na Constituição e eu reservo-me o direito de manter-me apegado a essa Carta), tivesse sugerido uma impensável valorização de 588,89 por cento para as puts de Petrobras, sugeridas na Carteira Empiricus, coincidentemente o percentual visto ontem?

 

Eu desconfio que diriam que não fui comedido. Que eu, a exemplo de Kafka, me inclino a certos exageros. Que induzi a potencial de valorização fora dos padrões. Que isso tudo era conversa de louco.

Mas, claro, como uma pessoa muito distinta, eu não falei nada disso.

Gostaria, porém, que soubessem: eu, que adoro copiar Jack Kerouac, escrevo justamente é para os loucos. “Porque, para mim, pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo, aqueles que nunca bocejam e jamais dizem coisas comuns, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício, explodindo como constelações em cujo centro fervilhante — pop — pode-se ver um brilho azul e intenso até que todos “aaaaaaah!””

O comportamento dos mercados ontem é um exemplo cristalino da não linearidade, da necessidade de perseguir-se a convexidade (lembre da curva exponencial de suas aulas de álgebra da 8a série, em comparação à curva logarítmica – mais fácil: pense no emoticon do sorriso, muito mais legal do que a carinha triste, é isso que você deve perseguir para seu portfólio), de que você nunca pode estar vendido em vol (sempre comprado), de que poucos dias fazem a diferença e de que os movimentos são sempre maiores do que queremos supor a priori. A razão é uma grande emoção, é o desejo de controle.

A coisa mais não comedida dos mercados financeiros é imaginar que o comportamento dos ativos é linear.

Louco é quem me diz.

Além de focar nos supostamente loucos, gosto também de escrever para os desesperados. Eles precisam ser acalentados e eu, talvez pretensiosamente, acho que posso contribuir. Talvez pelo histórico. Certa vez, colocaram o livro O Fim do Brasil na seção “autoajuda”. Eu me senti lisonjeado. A alternativa era estar na estante de economia e administração.

Se você está sob desespero por conta da trajetória dos mercados ontem, deixe-me lhe apresentar alguns números, algumas referências sobre circuit breakers e seu intervalo subsequente.

No dia 10 de setembro de 1998, o Ibovespa caiu 15,82 por cento. Três meses depois acumularia alta de 58,18 por cento. Seis meses depois havia mais do que dobrado (+105,45 por cento).

Em 27 de outubro de 1997,o mesmo índice perdeu 14,97 por cento. Um semestre à frente avançava 12,64 por cento.

Já no 15 de outubro de 2008, o benchmark recuou 11,39 por cento, para subir 22,91 por cento seis meses depois.

Em 5 de setembro de 1994, o Ibovespa cedeu 10,50 por cento, para perder 40,32 por cento à frente (com tanta Tequila, não tinha como – a crise do México foi braba).

Em 12 de novembro de 1997, nossa referência depreciou-se em 10,20 por cento, para uma alta de 38,05 por cento no semestre subsequente.

E em 22 de outubro de 2008, o índice marcou perda de 10,18 por cento, ao que seguiu-se uma valorização de 28,00 por cento nos seis meses seguintes.

Ou seja, nesses seis pregões de queda superior a 10 por cento para o Ibovespa, apenas em uma oportunidade o índice não se recuperou fortemente em seis meses (falo do Ibovespa em reais, tradicionalmente o foco dos nossos leitores). A média da valorização no semestre subsequente é de 27,78 por cento.

A julgar também pelo comportamento histórico, o melhor a ter feito ontem era mesmo ter ficado parado. E a julgar exclusivamente pelo comportamento dos mercados nesta manhã, a hipótese de reduzir súbita e abruptamente o risco das carteiras pode ter iniciado uma boa corrida atrás do rabo – evidentemente, ainda há muita incerteza e tudo pode mudar, mas os preços dessa manhã ao menos sugerem isso.

Hoje certamente podemos ler as coisas com mais calma e agir com a prudência e a diligência necessárias, aquelas típicas dos loucos, que tanto adoramos.

Sobre o autor

Felipe Miranda

CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.

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