Todos conhecem a velha história da psicologia de compras do supermercado:
- Se você não fizer uma lista de compras, irá levar mais do que precisa, vencido pela propaganda;
- Se for com fome, irá levar coisas que não precisa, graças ao cheiro convidativo do mercado;
- As músicas são calmas e suaves, para você andar com calma e levar coisas que não precisa;
- Os produtos na linha dos olhos sempre são mais caros, e caso você queira algo mais em conta, precisará procurar lá em cima ou se abaixar, o que se torna pra lá de desconfortável;
- Dentre diversos outros que posso citar por horas.
E como explicar de forma racional que tudo isso ocorre?
No livro “Psychonomics: Como o funcionamento da mente ajuda a definir o nosso comportamento consumidor”, o estudioso argentino Martín Tetaz auxilia na compreensão do amplo campo da psicoeconomia, uma ciência inexata que impacta em campos distintos de nossa vida.
Há muito tempo já se pesquisa como nossa complexa mente funciona, como nos estudos que culminaram no prêmio Nobel do teórico Daniel Kahneman. Ele foi um dos primeiros a tentar observar como somos capazes de nos comportar perante às situações da vida – e como acabamos seguindo padrões aparentemente reconfortantes.
Mas o que é a “psicoeconomia”?
A psicoeconomia é um campo relativamente novo, que vem sendo estudado por teóricos das mais diversas áreas. Ela abrange campos da psicologia clássica e comportamental, teorias econômicas, políticas públicas, neurociência e outros estudos do comportamento humano. Suas aplicações na vida real são das mais diversas: desde aperfeiçoar programas sociais até mesmo melhorar nossa relação com as finanças.
Ainda que seja um termo novo, não é nada novo o estudo de como nos comportamos. Tais observações começaram no reino animal e se estenderam ao mundo do marketing, que adota maneiras cada vez mais criativas de seduzir o consumidor. Com a competição voraz do mercado, é necessário ativar cada vez mais mecanismos do cérebro.
Um ponto muito interessante explicado pelo autor argentino é o comportamento humano perante ao dinheiro e como os estudos sobre este tema evoluíram ao longo do tempo. Se antes, achava-se que gastávamos mais assim que recebíamos nosso salário para “ostentar” e desfrutar do prazer do dinheiro, e depois passávamos a viver sabidamente com pouco, o conceito já caiu por terra.
O autor explica, utilizando um exemplo de fazendeiros cultivadores de grãos, que nosso comportamento é comumente cíclico, graças à curta memória. Logo, assim que recebemos o nosso salário, a primeira atitude é nos sentir mais inclinados a gastar agora, sem nem lembrar que há poucos dias atrás, passamos ‘perrengue’ justamente por não ter nos ocorrido de poupar. Gastamos, e dali a alguns dias, estamos na época de vacas magras, esperando o próximo pagamento. E quando ele chega, repetimos o mesmo ciclo.
O estudioso explica que, assim como a maioria de nossos comportamentos, se trata de uma reação involuntária. Por termos uma memória extremamente curta, algo que ele explica ao longo das páginas, ela se torna facilmente manipulável, algo benéfico para que tenhamos padrões comportamentais não necessariamente positivos. Quem dera alguém tivesse me explicado isso antes…
Desvendando o funcionamento da mente (e como somos manipulados por isso)
Comparando a mente humana à um software básico, onde nossas habilidades podem ser baixadas, assim como aplicativos (baseado na teoria de Von Neumann), Martin cria paralelos simples de entender, mas muito poderosos. Conforme a leitura avança, ele traz mais complexidade nos estudos que apresenta, mas sem se tornar repetitivo ou apresentar exemplos difíceis demais para assimilação.
Ele traz uma figura simples, que se assemelha àquela do livro Doutor Sono, de Stephen King, e fácil de guardar: a das gavetas mentais. Conforme vamos aprendendo, nosso cérebro precisa de uma maneira de assimilar a informação, além de compreendê-la de forma efetiva. Assim, criamos pequenos “bolsões” em nossa cabeça. Logo, para que sejamos facilmente conquistados, uma propaganda ou informação precisa acessá-la de maneira segmentada. Ou seja: é necessário saber qual gaveta abrir para entrar.
Durante a obra, Martín comenta sobre diversas situações onde acabamos sendo enganados pela nossa própria mente. Por exemplo, nos cassinos: probabilidades matemáticas não são o forte da maioria dos humanos, que segundo ele, evoluíram com as mais básicas necessidades de sobrevivência. E é por isso que quando estamos nesse ambiente de abundância, as apostas fluem tão bem: nosso cérebro não consegue associar que o dinheiro que ali ganhamos é nosso, e sim, “da aposta”.
Com isso, os jogadores apostam mais e mais. Afinal, as fichas pertencem ao ambiente. Se ganharem mais, está tudo bem. E se perderem, também, afinal, não foi com ‘seu dinheiro’.
O autor explica nossa deficiência comportamental em identificar nossas fontes de renda, o que pode nos levar a gastar mais.
Não conseguimos encarar o salário que ganhamos todo mês da mesma maneira que um bônus no fim do ano: enquanto no primeiro cenário, iremos pagar as contas e tentar poupar, no segundo já iremos pensar em gastar com algum ‘mimo’. Nos dois cenários, o dinheiro é o mesmo, e pode ser até no mesmo valor, mas não conseguimos enxergá-lo igualmente.
Somos criados para não saber lidar com dinheiro em uma sociedade capitalista?
Martín levanta pontos importantes sobre a maneira como os países ensinam sua população a cuidar de sua renda. Ao começar pela nossa língua materna: um estudo conduzido na Universidade de Yale concluiu que em países com linguagens com pouco marcador temporal, como na Alemanha, a população sabia poupar o dinheiro com mais eficiência, em detrimento da Espanha, que marcava o tempo de maneira mais intensa. A forma como enxergamos a distância para o futuro de maneira intrínseca a nós faz com que nossa carteira sinta a diferença.
Segundo o autor, a falta de um aprendizado prematuro sobre a paciência com dinheiro e trabalho gera um efeito de bola de neve negativo para a vida. Ele destaca ainda que adolescentes que não são bem informados sobre suas perspectivas salariais podem gastar mais do que pensam que podem ganhar.
Até os papéis de gênero são parte dessa equação. Afinal, se as pessoas estão preocupadas em gastar para ascender socialmente e se tornarem atraentes para procurarem seus pares, gera-se um aumento de despesas. E elas não necessariamente diminuem após o encontrarem.
E tudo isso culmina na nossa relação com o dinheiro: seja se usamos o cartão de crédito, colocamos o nosso dinheiro na poupança ou decidimos investir em ações. Nosso perfil é traçado por uma série de fatores culturais, sociais e psicoeconômicos, que acabam por gerar necessidades de consumo distintas. E queremos sempre mais.
Se me perguntassem uma lição que a leitura me trouxe, eu responderia que é difícil viver sem uma influência. Seja pelo prato do dia que o restaurante está oferecendo, a roupa que está sendo dita como da moda, a média salarial que dizem ser normal ou até mesmo quantos acidentes de avião eu acho normal ocorrerem em um ano.
Logo, devemos trabalhar nosso senso crítico. Muitas das oportunidades que parecem imperdíveis para nosso cérebro não passam de jogadas de marketing – ou algumas vezes, apenas desejos que queremos cumprir. A falta de comparação é um dos grandes problemas que nos afligem, gerando assim grandes problemas de economia. Afinal, se os mesmos R$100 podem comprar diversas guloseimas no mercado que se acabarão em horas (se não, minutos), por que não visualizar a longo prazo o benefício de colocá-los em algo que no futuro lhe trará muito mais retorno? Não só uma questão de ansiedade, mas de analisar o quanto o nosso dinheiro pode valer.
Publicado em 2018, o título possui 256 páginas e foi lançado no Brasil pela editora Planeta Estratégia. Você pode adquirí-lo por R$25,89.