Investimentos

Governo perde oportunidade de sinalizar compromisso fiscal com novo aumento do IOF e mercado aguarda clima negativo nesta sexta-feira (23); veja destaques

Brasil poderia ter aproveitado o momento do relatório bimestral de receitas e despesas para contigenciar gastos e apresentar um bloqueio mais robusto. Leia mais.

Por Matheus Spiess

23 maio 2025, 09:30 - atualizado em 23 maio 2025, 09:30

bolsa de valores ibovespa mercado

Imagem: iStock/ y-studio

Quando o cenário começava a se alinhar e o Brasil parecia dar um passo firme em direção a um mercado de alta de verdade, veio o balde de água fria. O governo decidiu, na tarde de ontem, aumentar o IOF sobre uma série de operações financeiras, num movimento tão mal cronometrado quanto injustificável. A quinta-feira (22) era a oportunidade perfeita para sinalizar algum compromisso fiscal: o relatório bimestral de receitas e despesas poderia ter ganhado protagonismo com um contingenciamento e bloqueio mais robustos, surpreendendo positivamente o mercado. Mas não. Preferiu-se desviar o foco com uma medida tributária desnecessária e politicamente desastrada.

O roteiro já é conhecido: em vez de aproveitar uma janela rara de boa vontade dos investidores, o governo opta por sabotar a si mesmo. A memória recente da proposta mal formulada de isenção do Imposto de Renda, que ofuscou o esforço de contenção de gastos no fim de 2023, parece não ter servido de lição. E o mais irônico é que a própria equipe econômica voltou atrás no IOF horas depois, reconhecendo a trapalhada. Sim, recuar foi positivo. Mas o dano reputacional está feito — e a mensagem é clara: não há coordenação, nem timing, muito menos clareza de propósito. Resultado? O choque de confiança será novamente embutido nos preços. 

Enquanto isso, o exterior amanhece esvaziado, com a véspera do feriado de Memorial Day nos Estados Unidos reduzindo a liquidez e antecipando o fechamento do mercado de títulos para depois do almoço. Ainda assim, os olhos seguem voltados para os desdobramentos do pacote orçamentário de Trump, aprovado na Câmara e agora em discussão no Senado. A fala de dirigentes do Fed também segue no radar, num ambiente em que a incerteza fiscal dos EUA continua pressionando a curva de juros e contaminando o apetite global por risco. Na Ásia, os mercados fecharam mistos após dados de inflação no Japão, e a Europa e os futuros americanos operam sem direção.

· 00:57 — Transformando oportunidade em crise: um talento nacional

O Brasil parece ter desenvolvido uma vocação rara: desperdiçar oportunidades de sinalizar responsabilidade justo quando o mercado estende a mão. Ontem à tarde, no exato momento em que poderia colher os frutos de um relatório fiscal surpreendentemente positivo — com bloqueios e contingenciamentos totalizando R$ 31,3 bilhões, bem acima do esperado — o governo decidiu sabotar a si próprio com o anúncio intempestivo de aumento do IOF sobre remessas ao exterior por fundos de investimento. A medida foi recebida como um balde de água fria: elevava de 0% para 3,5% a alíquota sobre essas operações, afetando diretamente a estratégia de fundos multimercado que alocam capital fora do país. O impacto foi imediato. As ADRs brasileiras caíram no after-market de Nova York, o ETF EWZ afundou quase 4%.

A reação negativa era previsível — e, não por acaso, veio o recuo algumas horas depois. A justificativa de que a medida estava “alinhada com o BC” foi rapidamente desmentida pela própria autoridade monetária, escancarando o grau de descoordenação interna. O estrago, contudo, já estava feito. O episódio reencena, com contornos ainda piores, a crise do “Pix tributado” no início do ano, e repete a desastrosa comunicação fiscal do fim de 2024, quando a proposta de isenção do IR ofuscou o pacote de contenção de despesas. Agora, o governo perdeu tudo ao mesmo tempo: o ganho de imagem que viria com o relatório fiscal, a arrecadação que esperava capturar com o IOF (estimada, com um otimismo poético, em R$ 20,5 bilhões em 2025 e R$ 41 bilhões em 2026), e o mais valioso de todos os ativos políticos — a confiança.

O mercado leu mal o episódio com razão: estamos diante de um governo que, ao invés de encarar o problema estrutural dos gastos, escolhe insistentemente a rota da arrecadação, sem compromisso com previsibilidade ou estabilidade. E pior: flertou com uma das coisas mais tóxicas para qualquer ambiente de negócios: um embrião para o controle de capitais. Uma taxa que vai de 0% para 3,5% do dia para a noite é sintoma de algo mais profundo: a percepção de que, se apertarem demais o botão populista para tentar reeleger Lula, já têm as ferramentas para conter uma fuga de capitais. 

Vale destacar: mesmo com os bloqueios e contingenciamentos vindo acima das expectativas, a revisão de despesas foi expressiva (crescimento de 4% acima da inflação). Ou seja, o gasto continua crescendo, e a fatura do ajuste fiscal que precisa ser feito (e que provavelmente ficará para 2027) só aumenta. O governo parece determinado a empurrar o problema com a barriga, apostando exclusivamente no aumento de arrecadação, custe o que custar. O problema? Neste caso, o custo foi alto demais. Em vez de consolidar a narrativa de responsabilidade fiscal, o governo optou por sabotar sua própria chance de virar o jogo. A mensagem ao investidor — seja local, seja estrangeiro — foi cristalina: o Brasil mantém seu vício de origem, uma espécie de compulsão institucional por improvisar. E num cenário de juros reais ainda altos e mercados globalmente mais seletivos, essa inconstância cobra um preço. O risco-país se reprecifica. O câmbio reage. E os ativos locais exigem prêmios maiores. Em outras palavras, não basta o governo parecer perdido — ele precisa errar alto e em público.

A perspectiva estrutural para os ativos brasileiros segue positiva, ancorada em valuation atrativo, fluxo externo e possibilidade de inflexão política em 2026. Mas a travessia até lá será errática, instável e pontuada por ruídos como esse. A gestão fiscal, por enquanto, continua marcada por surtos arrecadatórios, malabarismo institucional e uma comunicação desastrosa. Reverter esse padrão exigirá muito mais do que reuniões emergenciais de madrugada para apagar incêndios causados pelo próprio governo. Exigirá, no mínimo, um plano — e, sobretudo, disciplina para segui-lo. Algo que, até aqui, segue sendo artigo de luxo no atual Planalto. Ficará para 2027…

· 01:42 — E os imbróglios fiscais também estão no exterior

Nos Estados Unidos, os olhos de Wall Street continuam voltados para Washington, onde o embate fiscal segue em alta voltagem. Ontem (22), em mais um capítulo da novela, a Câmara dos Representantes aprovou — por margem estreita — o megaprojeto orçamentário do presidente Donald Trump, conforme já conversamos. São mais de 1.100 páginas recheadas de medidas com impacto direto sobre o mercado, entre elas a extensão dos cortes de impostos de 2017, novas isenções para heranças, incentivos fiscais até para gorjetas e a criação de contas com vantagens tributárias para famílias com crianças pequenas. Há também um aumento nas deduções estaduais e locais, atendendo a pressões de congressistas de estados de alta carga tributária.

Apesar do pacote fiscal generoso — para não dizer eleitoral — os mercados reagiram com relativa tranquilidade, talvez por já estarem anestesiados com a escalada de déficits. Mas a calmaria pode não durar: o projeto ainda precisa passar pelo crivo do Senado, onde os 53 republicanos prometem ajustes e barulhos próprios. A proposta, tal como está, adicionaria US$ 3,8 trilhões ao déficit entre 2026 e 2034. Não por acaso, os rendimentos dos Treasuries de longo prazo voltaram a subir, refletindo o aumento esperado na emissão de dívida para financiar esse expansionismo fiscal. Em outras palavras: o governo Trump tenta turbinar a economia com mais estímulos, mas o mercado já começa a cobrar caro pelo financiamento dessa festa.

· 02:36 — Foco disperso

O governo Trump decidiu escalar sua ofensiva contra a Universidade de Harvard, ordenando que a universidade suspenda imediatamente a matrícula de estudantes internacionais, sob a alegação de que os protestos no campus teriam criado um “ambiente inseguro”. Caso a ordem seja mantida, os atuais alunos estrangeiros — que representam cerca de 27% do corpo discente — terão que ser transferidos ou, na pior das hipóteses, perderão seu status legal de permanência. A medida vem na esteira de outro revés imposto à instituição meses atrás, quando o governo congelou bilhões em financiamento federal. Harvard, por sua vez, classificou a ação como ilegal e prometeu reagir.

O ponto central aqui, no entanto, é outro: a crescente dispersão de foco do governo americano. Em vez de avançar com as pautas que o mercado inicialmente aplaudiu — como a redução da burocracia, a desregulamentação inteligente, a consolidação fiscal e a menor presença do Estado — o governo tem dado cada vez mais espaço para a ala ideológica, amalucada e profundamente litigiosa. A perseguição a Harvard soa como uma vendeta simbólica, sem efetividade prática, mas com alto potencial de desgaste institucional (por mais que seja válido argumentar que algumas alas de Harvard tenham se tornado ideologicamente tóxicas). Ainda assim, parece ser a mesma fração do governo que causou a crise tarifária em abril e que agora precisa ser contida por nomes como Scott Bessent, que tenta, com algum pragmatismo, recolocar a política econômica nos trilhos. A agenda racional existe, mas compete com surtos ideológicos que, até aqui, têm apenas acrescentado volatilidade.

· 03:24 — Superou a Tesla?

A chinesa BYD acaba de cravar um ponto relevante na corrida global dos veículos elétricos: ultrapassou, pela primeira vez, a Tesla em vendas na Europa. Em abril, a BYD emplacou 7.231 unidades no continente, ligeiramente acima das 7.165 entregues pela rival americana. À primeira vista, parece uma diferença discreta. Mas o que realmente chama atenção é a direção oposta das curvas: enquanto a BYD cresceu 169% em relação ao ano anterior, a Tesla desabou 49% — um tombo atribuído, em boa parte, ao crescente desgaste da imagem de Elon Musk, cada vez mais identificado com uma agenda política nos EUA. A persona engajada do bilionário custou market share.

Mais do que uma oscilação estatística, o episódio sinaliza uma possível virada estrutural na geopolítica dos elétricos. A BYD, que desembarcou na Europa apenas dois anos atrás via Noruega e Holanda, mostra agora que não está para brincadeira. Vem com método, escala, produto — e, sobretudo, com foco. Enquanto isso, a Tesla patina num teatro de vaidades, oscilando entre genialidade técnica e ruído político. Não se trata apenas de quem vendeu mais em abril, mas de quem parece mais bem posicionado para liderar o futuro da mobilidade limpa. E, neste momento, a BYD dirige em pista livre, enquanto Musk distrai-se no X com debates que não movem mercados.

· 04:18 — Os próximos passos da OPEP+

Enquanto o mundo acompanha com ansiedade a quinta rodada de negociações nucleares entre EUA e Irã, um outro jogo segue nos bastidores da OPEP+. Fontes indicam que o cartel e seus aliados discutem um possível terceiro aumento consecutivo na produção de petróleo, com a proposta da vez sendo um acréscimo de 411 mil barris por dia em julho — mais que o triplo da alta inicialmente prevista. Ainda não há consenso fechado, mas só o rumor bastou para empurrar os preços do petróleo para novas quedas nos últimos dias, levando a cotação ao menor nível em uma semana.

Oficialmente, o discurso é o de sempre: aumento da oferta para acompanhar o crescimento da demanda. Nos bastidores, porém, as razões soam bem menos altruístas — há pressão para punir países que andaram passando do ponto em sua própria produção e, claro, uma disputa interna por influência em um mercado cada vez mais tensionado. E não é como se faltassem riscos para o lado oposto. No tabuleiro do Oriente Médio, o Irã ameaça retaliar Israel e responsabilizar legalmente os EUA caso suas instalações nucleares sejam atacadas. Ou seja, enquanto o petróleo escorrega por um lado com a especulação de maior oferta, o risco geopolítico se acumula do outro — e com ele, a possibilidade de uma reversão tão rápida quanto violenta nos preços. O mercado, por ora, escolhe olhar o copo meio cheio da produção.

· 05:05 — Sempre é bom relembrar o papel da internacionalização nas carteiras…

O anúncio das mudanças no IOF, funcionou como um gatilho imediato para picos de estresse nos negócios futuros. Mesmo revertida horas depois, conseguiu causar estrago imediato. O susto foi suficiente para disparar negociações frenéticas no after-hours lá fora e reacender o velho fantasma de fuga de capitais — justamente num momento em que a bolsa brasileira vinha se beneficiando…

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.