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‘Especular no mercado secundário de ações com capital de um banco público é mau uso do recurso do cidadão’, diz presidente do BNDES

Gustavo Montezano foi um dos convidados do Investidor 3.0, evento de aniversário de 12 anos da Empiricus; confira a entrevista completa

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Data de publicação
11 de novembro de 2021
Categoria
Investidor 3.0

Para Gustavo Montezano, presidente do BNDES, o foco de um banco público deve ser em desenvolver o Brasil, não em correr risco na Bolsa. Por isso, o BNDES seguirá vendendo suas participações em empresas (compradas através da sociedade BNDESpar). “Especular no mercado de ações usando capital de um banco público é mau uso do dinheiro do cidadão brasileiro”, diz ele. 

Não é que ele tenha algo contra o mercado financeiro, mas a atitude faz parte de uma virada de chave do banco. Agora, o BNDES quer priorizar cada vez mais as pequenas empresas e os projetos de infraestrutura. Apoiar as grandes empresas? Apenas em casos excepcionais. 

Em entrevista para o Investidor 3.0, evento de aniversário de 12 anos da Empiricus, Gustavo Montezano comentou sobre os novos rumos do BNDES e também deu detalhes sobre a privatização da Eletrobras e dos Correios. Nos próximos parágrafos, você confere a conversa completa com o presidente do BNDES. 

O BNDES mudou sua estratégia de atuação durante a pandemia? 

GUSTAVO MONTEZANO: O BNDES mudou substancialmente a sua estratégia durante a pandemia. Foi um período de muito aprendizado pra sociedade e pro banco também. A gente teve que se adaptar, inovar e operar com senso de urgência.

Historicamente, o banco foi muito conhecido por apoiar grandes empresas, especialmente em crises econômicas passadas. Nessa crise do covid, a gente tomou a decisão, pautada e apoiada pelo ministro Paulo Guedes, de apoiar grandes empresas apenas em casos excepcionais. Rompemos uma barreira cultural importante e mostramos que essa é a melhor decisão pro Brasil, onde recurso privado resolve problemas privados dentro do possível. Durante o ano de 2020, o mercado de capitais junto com o setor bancário suportou de forma muito substancial e adequada às grandes empresas brasileiras, mostrando sua força.

Qual foi, então, o foco do BNDES durante a crise da covid?

GUSTAVO: Apoiamos os micro, pequenos e médios empresários. O banco focou o seu recurso, seu tempo, sua energia e sua prioridade em apoiar o que a gente chama de nossos heróis nacionais. O ano de 2020 provavelmente foi o ano em que o BNDES conseguiu apoiar a maior quantidade de empresas possíveis de micro, pequenos e médios empresários brasileiros. 

Se você somar o Programa Emergencial de Acesso a Crédito (PEAC), o Programa Emergencial de Suporte a Empregos (PESE), as linhas de capital de giro e as linhas de refinanciamento, o banco chegou a um montante de quase R$ 150 bilhões para micro, pequenos e médios empresários. 

Aprendemos muito, inovamos bastante e com muita humildade a gente pôde mudar a forma de atuar. Junto com o governo brasileiro e com o sistema bancário, fizemos um trabalho em que o Brasil é case global em termos de suporte aos empresários durante a crise da pandemia. 

Agora essa premissa de focar nos pequenos e médios vai continuar após a pandemia? 

GUSTAVO: Sem dúvida, o Brasil tem uma questão estrutural de longa data de dificuldade de acesso ao crédito aos micros, pequenos e médios empresários. Se você pegar os dados de fevereiro do ano passado de 2020 do Banco Central, um médio empresário pagava taxas de 1,4% ao mês em média para acessar crédito no Brasil. Um pequeno empresário pagava uma taxa média de 2% ao mês para acessar o crédito. Então não é um dinheiro, entre aspas, barato e nem tão acessível. 

O mercado de crédito MPME no sistema bancário cresceu de aproximadamente R$ 530 bilhões de em fevereiro de 2020 para cerca de R$ 800 bilhões agora em outubro de 2021. É um crescimento de quase 50% em cerca de 18 meses. Desses R$ 800 bilhões, entre fundos administrados junto com o governo federal e recurso próprio, cerca de R$ 200 bilhões passam pelas mãos do BNDES. 

“Hoje, mais ou menos metade dos nossos desembolsos são para micro, pequena e média empresa.” ‒ Gustavo Montezano, presidente do BNDES. 

Qual é a sua expectativa de recuperação da economia brasileira nesse pós-pandemia?

GUSTAVO: O que a gente vive hoje é um mundo totalmente desconhecido. Então tudo que eu falar aqui tem que ter cautela no grau de certeza ou de assertividade com o que a gente vai olhar pra frente. 

Em termos de economia, empregabilidade, crescimento do PIB, gestão da dívida pública, o Brasil é um exemplo a nível mundial de como se comportou durante a crise. A gente tem um crescimento substancial agora em 2021 e olhando pra frente, a gente vê uma demanda de investimento ainda muito sólida no Brasil.

Os estados estão com capacidade para investir, o governo federal nem tanto por questão da limitação orçamentária. As famílias, pessoas físicas de forma geral, também estão investindo bastante na parte imobiliária. A gente vê esse crescimento de demanda por investimentos imobiliários individuais e coletivos. E na parte empresarial de grande porte, um investimento bem robusto, seja em energia, seja em infraestrutura, seja investimentos de nova tecnologia 5G, automatização.

“No nível de incerteza que a gente vive hoje em questões de preço de energia, inflação de alimentos, questões geopolíticas globais, não é trivial prever o futuro.” ‒ Gustavo Montezano, presidente do BNDES. 

Agora a certeza é: mantendo uma âncora fiscal disciplinada, fazendo o dever de casa de descomplicar o Brasil e focando no longo prazo e em entregar uma qualidade de vida pro cidadão mais necessitado brasileiro, a gente está no bom caminho. Para 2021, a expectativa é de um crescimento muito forte e horizontes positivos pro ano que vem, mas ressalvado que temos que acompanhar a dinâmica global, que está longe de ser trivial.

O BNDES detém atualmente a maior carteira de projetos em concessão de infraestrutura, PPPs e privatizações no Brasil. São 120 projetos e cerca de R$ 260 bilhões em oportunidades de investimento, segundo o próprio banco. O que precisa para esses projetos saírem do papel? Falta dinheiro ou falta investidor?

GUSTAVO: Nós estamos vendo uma concretização desse investimento. Se você olhar os leilões que o governo federal e governos estaduais do Brasil fizeram nesses últimos três anos, a gente está falando de mais de R$ 500 bilhões em investimento e mais de R$ 100 bilhões em valor de ações ou outorga. Naturalmente são investimentos olhando para frente, no horizonte das concessões, onde a grande parte deles acontece nos próximos 10 anos. 

Quando você olha a agenda de privatizações, concessões e infraestrutura dos últimos três anos, 100% dos ativos que foram colocados no mercado foram absorvidos pelos operadores, sejam financeiros ou operadores estratégicos.

Pra gente acelerar essa agenda, precisamos fazer bons projetos, bem modelados, com boas estruturas jurídicas, com bom impacto ambiental, com boa aderência a demanda de mercado para cada um dos setores, construir um pipeline que o investidor tem a previsibilidade de como esse setor vai se comportar pra frente. O grande chamariz que a gente dá como exemplo é o setor do saneamento, que estamos construindo quase do zero. 

“Quanto mais o Brasil como sociedade, governos federal, governo estadual e empresas investirem em projetos de qualidade, mais investimento a gente vai atrair, melhor o crescimento do PIB e maior a qualidade do investimento sobre retorno de capital.” ‒ Gustavo Montezano, presidente do BNDES. 

Quais são os principais desafios para acelerar a agenda?

GUSTAVO: Para você fazer um projeto bem feito, um M&A (fusão e aquisição), uma privatização, uma concessão não é do dia pra noite. Você precisa planejar, estudar, montar a solução jurídica, ambiental, econômica. Tudo isso leva tempo, requer muita expertise técnica e também recurso financeiro. Então precisa ter paciência e montar esse pipeline de operações para frente. Infelizmente quando a gente chegou no governo há três anos, a quantidade de projetos no pipeline ainda era muito pequena, era muito restrita e tinha sido basicamente construída no ano anterior. Então deixar um legado, governo após o outro, uma agenda futura de projetos é muito importante.

O Brasil está enfrentando uma crise hídrica neste ano, que tem afetado também o preço da energia. Como o BNDES pode ajudar a resolver essa questão? Isso está na pauta?

GUSTAVO: Com certeza está na nossa agenda. O tema da energia renovável e estruturalmente sustentável é uma prioridade do banco. Não por acaso o BNDES é o maior financiador de energia renovável do mundo, segundo a Bloomberg. 

O banco durante a pandemia foi o , que levantou cerca de R$ 16 bilhões num sindicato de bancos públicos e privados para financiar o short de energia que a gente teve naquele momento, aliviando a condição para os consumidores durante a pandemia.

Então se houver alguma necessidade de financiamento ou suporte econômico para que distribuidoras e geradoras possam atravessar esse momento crítico, o banco novamente pode atuar como uma espécie de estruturador e coordenador de algum sindicato para viabilizar o setor a atravessar essa ponte.

Falando de energia, a privatização da Eletrobras é um tema que vai e volta na pauta. Há alguma chance de o projeto sair ainda neste governo? 

GUSTAVO: Com certeza tem uma chance dele se concretizar nesse governo. A gente trabalha todo dia pra que isso aconteça. A medida provisória da Eletrobras foi promulgada em fevereiro de 2021 e a gente tem trabalhado até hoje. O cronograma está pontualmente em dia. 

Nossa expectativa é que a capitalização, a oferta em Bolsa, seja concluída no começo do ano que vem. Naturalmente isso tem que passar por órgãos de controle e por toda a preparação da oferta, há as dificuldades de qualquer privatização, mas continuamos otimista de que vamos chegar lá. 

A gente foi capaz de negociar com a Caixa Econômica Federal o saque do FGTS para quem quiser participar da operação da Eletrobras, o que mostra que a gente está democratizando o acesso a um ativo, que hoje é estatal, para que a população brasileira como um todo possa participar desse potencial upside econômico que tenha na ação após a privatização. 

Outra privatização é a dos Correios. Em que pé está esse processo?

GUSTAVO: Sobre os Correios, é um tema que ainda tramita no Congresso Nacional. Hoje está na alçada do Senado e a gente está apoiando os senadores para que eles possam melhorar ainda mais o projeto que já está lá, contribuindo para a formação do modelo final do PL que vai determinar a concessão e a regulação do serviço postal para os brasileiros. Assim que isso for definido, a gente faz o processo tradicional de terminar a modelagem e aí sim traz a operação para mercado.

Mas posso garantir que qualquer que seja a decisão no Senado, no aspecto do postal os pilares são: não haverá aumento de preço, a garantia de qualidade tem que ser no mínimo igual ao que os Correios oferecem hoje e de forma nenhuma vai reduzir a cobertura. É uma âncora no projeto de que cobertura, preço, nível de serviço é só dali pra melhor. O operador por contrato não vai poder piorar nenhum desses índices.

O BNDES já vendeu mais de R$ 60 bilhões em participações em empresas que estavam na carteira da BNDESPar. Essas vendas vão continuar neste ano e no próximo?

GUSTAVO: É um movimento permanente no banco, a gente desinvestiu R$ 65 bilhões ao longo desses dois anos e meio. O fundamento dessa venda é um posicionamento de um banco de desenvolvimento naquilo que é missão dele, que é desenvolver o Brasil. Nada contra a atividade especulativa. Ela tem seu valor e sua função. Mas ficar especulando no mercado secundário de ações com capital de um banco público é mau uso do recurso do cidadão brasileiro. 

“O capital do BNDES tem que estar alocado em infraestrutura, em meio ambiente, em saneamento, em ativos sociais.”  ‒ Gustavo Montezano, presidente do BNDES. 

Nada contra as ações. O portfólio de empresas que o banco tinha era um ótimo portfólio com empresas de primeira linha e exportadoras bem geridas. Mas não é função do nosso banco público de desenvolvimento ficar carregando R$ 120 bilhões em ação sem gerar desenvolvimento. 

A ideia é continuar esse processo de desinvestimento na velocidade em que o mercado permitir e idealmente chegar ao mais próximo de zero da carteira especulativa de ações, que hoje está perto de R$ 70 bilhões. 

Vocês sentiram algum impacto da alta recente dos juros e da inflação na demanda por crédito?

GUSTAVO: Não tivemos impacto. Na verdade, o que a gente vai desembolsar esse ano deve superar o nosso orçamento anual. O que a gente tem visto é que as empresas brasileiras estão sim investindo muito, então por mais que tenha um aumento de juros, ninguém para ou desacelera o investimento do dia pra noite. 

O que a gente enxerga na agenda de infraestrutura é que quando esses juros sobem naturalmente o valor dos ativos reduz, mas a demanda pelo investimento está bem resiliente porque temos setores ainda muito carentes de serem desenvolvidos. No que tange ao nosso mercado de financiamento para obras e investimentos, ainda não percebemos nenhum tipo de desaceleração. Muito pelo contrário, vamos desembolsar esse ano mais do que a gente estimava. Estamos ainda terminando o orçamento do ano que vem, mas a princípio deve ainda haver um crescimento na expectativa para 2022.

O mercado financeiro tem falado muito do tema ESG. Como você vê esse tema? Haverá vantagens na concessão de crédito para empresas e projetos que sigam boas práticas ambientais e sociais?

GUSTAVO: O tema de ambiental, social e de governança nasceu junto com o BNDES. Como banco de desenvolvimento, a nossa missão é fazer uma exploração sustentável do meio ambiente e desenvolver o Brasil socialmente e economicamente. 

“Qualquer investimento que leva em consideração o aspecto tridimensional social, ambiental e econômico em detrimento do aspecto unidimensional puramente financeiro, tende a ser mais bem sucedido.” ‒ Gustavo Montezano, presidente do BNDES. 

A gente vê que isso vai ser mainstream, vai ser o mercado principal como um todo negociando os fatores tridimensionais de social, econômico e ambiental.