Day One

Velhas casas de madeira

“Pode uma árvore pegar fogo sem que o incêndio se alastre por toda a floresta? […]”.

Por Lais Costa

15 jul 2022, 10:17 - atualizado em 15 jul 2022, 10:17

Casa de madeira
Fonte: Free Pik

Pode uma árvore pegar fogo sem que o incêndio se alastre por toda a floresta?

Foi assim que Rodolfo Amstalden terminou mais um belo Day One ontem. Não por coincidência, proponho, nas palavras abaixo, um raciocínio um tanto quanto correlato.

Era o ano de 1871 em Chicago. Pela sua localização estratégica, havia se tornado o principal entreposto comercial de madeira do mundo. A cidade estava em pleno crescimento, atraindo imigrantes de muitas regiões, em especial, da Alemanha. Dadas as características térmicas e abundância da madeira, as construções da época eram erguidas quase que em sua totalidade usando esse material. 

O verão daquele ano, porém, foi especialmente seco e quente. Em uma noite de domingo, dia 8 de outubro, um incêndio se iniciou no celeiro da família O’Leary. Ninguém sabe ao certo sua origem, mas reza a lenda que, ao ser ordenhada, uma vaca derrubou uma lamparina acesa desencadeando o trágico incidente.

A partir daí, uma série de combinações catastróficas levou a uma tragédia sem precedentes na cidade. O clima seco, o vento de outono, as construções feitas de madeira e os recursos escassos dos bombeiros naquele momento fizeram as chamas se espalharem rapidamente.

Cerca de um terço das casas da cidade foram destruídas, um prejuízo econômico gigantesco e, o mais lamentável, centenas de pessoas morreram.

O fogo só foi controlado no dia 10 de outubro, quando uma chuva providencial caiu sobre a cidade.

Começaram, então, os trabalhos de restauração, que mobilizaram todo o país.

Naturalmente, o processo de reconstrução não seguiu um caminho óbvio, tampouco linear.

Foram feitas algumas tentativas de reconstrução usando a mesma commodity e, em 1874, três anos depois, um novo incêndio ocorreu. Ainda que em menores proporções, as consequências econômicas e sociais foram ainda devastadoras.

A partir daí, de fato, teve início uma mudança estrutural na indústria. As casas de madeira deram lugar a enormes arranha-céus feitos de ferro, tijolos e terracota – uma espécie de argila mais resistente ao fogo. Os conceitos arquitetônicos e urbanísticos aprendidos com a tragédia deram origem à escola de arquitetura de Chicago, que exerceu grande influência no planejamento de outras cidades pelo mundo. Isto é, a transformação da cidade também gerou impactos muito além das proporções imaginadas inicialmente.

Incêndios também são comuns nos mercados.

Na história recente, é possível destacar, por exemplo, a grande crise financeira de 2008, iniciada por um “descuido” no mercado imobiliário americano.

Há cerca de dois anos, outra “lamparina” foi derrubada na China e a crise do coronavírus se alastrou rapidamente.

Em resposta, os bancos centrais e os governos juntaram esforços para “reconstruir” as suas respectivas economias usando os mesmos instrumentos monetários e fiscais utilizados diversas vezes no passado: impressão de dinheiro, aumento da base monetária e do endividamento público, e por aí vai.

Não por coincidência, estamos sentindo as consequências do superaquecimento do mercado de trabalho e dos índices de inflação. O clima seco impactando as commodities agrícolas, os ventos de uma recessão americana ainda neste outono do hemisfério norte, as casas europeias altamente dependentes do petróleo russo e as ferramentas mais escassas das autoridades monetárias têm feito “as chamas” se espalharem rapidamente nos mercados.

Temos hoje “focos de incêndio” por toda parte e, nos portfólios dos investidores, não é diferente. Imagino que você possa estar decepcionado(a) com a performance dos últimos meses de alguns grandes gestores. É natural também que tenhamos os mais diversos questionamentos, principalmente se nos deixarmos levar por nossos vieses. O que a história nos conta, porém, é que esses momentos difíceis são, sobretudo, oportunidades de reflexão, aprendizado e reconstrução.

Quando se derrubam as velhas casas de madeira, é a hora de arregaçar as mangas, construir algo muito melhor e fazer escola.

Um abraço.

Sobre o autor

Lais Costa

Engenheira eletricista pela UTFPR com passagem pelo MIT e especialização em finanças pela Columbia University. Iniciou a carreira no mercado financeiro com foco no mercado de bonds nos EUA. Após uma experiência na Itaú Asset em NY, ela esteve por três anos no time de Global Macro Strategy da XP Inc também em NY, cobrindo mercados emergentes asiáticos e Brasil com foco em criação de ideias de investimento de renda fixa para clientes institucionais. Desde maio de 2021, Laís faz parte do time de análise da Empiricus. Por dois anos foi responsável pela alocação e seleção de fundos globais e hoje é a analista a frente das séries Super Renda Fixa e Os Melhores Fundos de Investimento.