Investimentos

“Rankings de fundos com base apenas em retorno histórico são furadas”, afirma analista da Empiricus Research

Especialista em fundos explica os riscos de se considerar apenas o desempenho de curto prazo ao construir ranking de fundos; entenda

Por Nicole Vasselai

08 maio 2023, 12:15 - atualizado em 09 maio 2023, 10:06

Imagem: Unsplash

“Rentabilidade passada não é garantia de retorno futuro” é uma frase que um investidor muito provavelmente encontra em qualquer material de divulgação de fundos de investimentos.

“Essa é uma diretriz de boas práticas da Anbima [Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais] que passa uma mensagem necessária: não é porque um gestor ganhou muito dinheiro para seus cotistas no passado que ele vai necessariamente repetir o feito no futuro. E isso vale principalmente para os famosos ‘rankings de fundos‘ construídos com base apenas em retornos anteriores”, explica Pedro Claudino, da equipe da série Os Melhores Fundos de Investimentos da Empiricus Research.

“É como dirigir um carro olhando apenas para o retrovisor”

Com essa analogia, Pedro argumenta que se um fundo de sucesso no passado trouxe mudanças relevantes na equipe, por exemplo, ou passou por alterações de política de investimentos ou de riscos, suas chances de manter a boa performance são alteradas, e o mercado não tem como prever se para melhor ou pior.

“E imagine que, além de dirigir focado no retrovisor, durante o trajeto há um caminhão enorme à sua frente, aumentando a quantidade de pontos cegos da visão. É isso o que acontece quando você avalia ‘rankings de fundos’, especialmente aqueles que premiam os bons desempenhos de curto prazo”, complementa.

Desempenho de curto prazo diz pouco sobre um fundo

O analista também alerta sobre a necessidade de se avaliar um período mais dilatado de tempo quando falamos em retorno, ao invés de considerar as maiores rentabilidades da indústria em um recorte muito específico.

“No caso de um desempenho positivo, um gestor pode ter surfado a onda de um mercado muito favorável à classe, ter se exposto a um risco exagerado para o retorno obtido ou simplesmente ter sido abençoado com a sorte – isso acontece com mais frequência do que o mercado imagina. O mesmo pode acontecer com aquele que ficou em posição de menor destaque no tão aclamado ‘ranking de fundos’, e que acaba sofrendo com eventuais resgates por conta disso”, defende. “Apesar do período aparentemente ruim, vale entender se o resultado é derivado de um momento de mercado difícil“.

Quais outras métricas considerar na hora de escolher um fundo

O investidor também deve ter em mente que, além da performance, existem outros indicadores que demonstram o potencial do fundo. Por exemplo, segundo o especialista, as métricas de consistência, risco controle do passivo – todas em janelas longas e equivalentes à estratégia – são tão importantes quanto.

“Um fundo que bateu o benchmark consistentemente durante uma década tem muito mais probabilidade de repetir o desempenho do que aquele que acabou de nascer e possui dois bons anos. E tem mais chance ainda de ir bem se a equipe que trouxe esse sucesso aos cotistas se mantém, com boa sinergia e bem remunerada – importante, para reter talentos”, explica o analista.

Não compare um fundo de renda fixa com um de ações

Outro ponto de atenção é não comparar ‘laranjas com bananas’, como fundos de ações com outro de renda fixa ou um multimercado com um de criptomoedas – “acredite, acontece”, ressalta Pedro.

“Entretanto, é comum que um ranking de fundos compare estratégias de diferentes classes entre si, ainda que cada categoria de fundos exija métricas específicas na análise. Por exemplo, em um fundo de gestão passiva, aquele cujo objetivo é acompanhar o desempenho de um índice, será importante avaliar seus custos e sua aderência ao índice frente aos demais candidatos. Enquanto isso, em um fundo de gestão ativa, cujo objetivo é superar esse índice, o processo será outro”.

Ele também explica que existem grandes diferenças entre estratégias dentro de uma mesma categoria, como a renda fixa, onde há os fundos de crédito privado, que compram títulos de dívida de empresas privadas, e os de renda fixa ativa, que operam juros e inflação (sem crédito).

E dá para ir além: “Um fundo de crédito privado high grade (que compra títulos de maior qualidade de empresas) é diferente de um fundo de crédito privado high yield (que compra títulos de maior risco, porém com prêmios maiores). Ambos possuem perspectivas de retorno diferentes e isso deve ser levado em consideração na análise. Ou seja, são muitos fatores, e não dá para colocar todos na mesma cesta, senão você terá uma conclusão imprecisa”.

Pedro elenca, então, três pontos para ter em mente:

  1. a avaliação de janelas curtíssimas, incompatíveis com o investimento em fundos;
  2. a comparação entre fundos de classes e estratégias diferentes; e
  3. a falta de métricas quantitativas (e qualitativas) adicionais para complementar a análise, como consistência e risco.

Nada melhor do que exemplificar na prática

Para ilustrar melhor e comprovar todos esses pontos, o especialista traz um estudo real. Para isso, seguiu os seguintes passos:

  • Separou um grupo de fundos classificados como multimercados a partir de alguns filtros básicos;
  • Retirou fundos exclusivos, espelhos, com patrimônio líquido muito pequeno e os destinados a investidores profissionais (aqueles com mais de R$ 10 milhões investidores e atestado por escrito) – filtros bem comuns em plataformas;
  • Classificou os 631 veículos encontrados de acordo com a maior rentabilidade de 2023 e dos últimos 12 meses, e os 15 maiores retornos foram estes:
Ranking de fundos com base apenas no histórico de rentabilidade

Pelo nome de vários deles, você deve ter percebido qual seria o problema de classificá-los como “os melhores fundos multimercados de 2023”. Muitos são fundos que investem somente em criptomoedas, indústria que está com um desempenho muito expressivo em 2023. Outros, são fundos atrelados ao ouro ou temáticos de carbono.

“Provavelmente, ao buscar pela comparação de fundos ‘multimercados’, o investidor na verdade esperava encontrar os multimercados macros, aqueles mais semelhantes às estratégias das aclamadas gestoras Verde e SPX, por exemplo, estes que – veja só – estavam posicionados só na metade do grupo”, explica o analista.

Ainda acrescenta: “Não há nada contra fundos de criptomoedas. O ponto é que eles não deveriam ser colocados na mesma caixa que os demais multimercados. Estratégias diferentes exigem processos de avaliação distintos e, definitivamente, não devem ser comparados em recortes de curto prazo”.

Estendendo o retorno para o período de 12 meses, que ainda não é uma janela de longo prazo (mas já é melhor que “no ano”), a rentabilidade desses fundos varia bastante. Alguns ficam no negativo e outros até melhoram.

“Como dizem, ter um mapa errado é pior do que não ter mapa”, relembra o analista.

Sobre o autor

Nicole Vasselai

Editora do site da Empiricus. Jornalista formada pela Faculdade Cásper Líbero, com MBA em Análise de Ações e Finanças e passagem por portais de notícias e fintechs.

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